sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Portugal | ESPERAR PELO DESASTRE

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

As medidas restritivas anunciadas por António Costa chegam tarde e são, para nossa infelicidade, um meio caminho que não evita o desastre.

Haverá uma fórmula para acreditar que a dimensão da pandemia está controlada e que a asfixia dos SNS, exausto e sem o investimento em outras condições e mais recursos humanos recursos, não irá acontecer. Passemos, então, a afiançar piamente que placebos são os mais perfeitos curativos e que reflectir sobre os números é um exercício de adivinhação sem gravidade ou causa-efeito.

A reunião de peritos da passada sexta-feira deu indicações claras sobre o caminho a seguir. No entanto, com o "efeito tampão" da pandemia atirado para os primeiros 10 dias de Janeiro e não para a contenção que - por natureza - deveria acontecer agora, António Costa segue o caminho político e elenca um conjunto de medidas, para daqui a uma semana, que os números crescentes da pandemia se encarregarão de desmentir em meados de Dezembro.

A partir de 1 de Dezembro, a "situação de calamidade" será um nome para um verbo de encher: iludir. Quando se percebe que toda a Europa tenta exercer a contenção tarde demais - após deixar os números da pandemia crescer assustadoramente -, Portugal não parece ter aprendido nem com o passado, nem com a realidade que tem à porta. Estamos a criar condições perfeitas para desperdiçar as circunstâncias extraordinárias que o sucesso do plano de vacinação nos permitiu ter, sem conseguirmos sequer acelerar o processo de administração da terceira dose, algo que era totalmente antecipável e absolutamente crítico para os meses que aí vêm.

Agora, o Governo pede aos portugueses que se contenham nas festividades natalícias e na passagem do ano, a mais de um mês de distância e depois do exemplo do ano passado, acreditando que centenas de pessoas se irão então conter, em grupo, quando sabem que terão 10 dias de contenção forçada para redenção dos pecados no início do novo ano. É a política do que for será e vamos vendo.

Festejar a pensar na contenção é uma ideia peregrina e um péssimo sinal que anuncia eleições em aproximação. As declarações de Marta Temido sobre a resiliência dos profissionais de saúde podem ser injustas, polémicas, descabidas ou mal interpretadas. Ninguém duvida do mérito, do grau de capacitação e resistência de que estes profissionais deram provas, nem da coragem com que enfrentaram os desafios da pandemia nas fases mais agudas. A ministra da Saúde pediu desculpa e ninguém pode também duvidar da sua implicação. Mas tudo o que os profissionais da saúde dispensavam agora era de um período de contenção após o desastre. Provavelmente, será para ganharem fôlego.

*Músico e jurista

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