domingo, 18 de julho de 2021

Portugal | Cabritou

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Depois de Medina ter destruído o direito à manifestação na cidade de Lisboa, fichando protestantes, Eduardo Cabrita quer mesmo terminar com a lei que o consagra. A um passo de assinalarmos os 50 anos da conquista da nossa liberdade, ei-la cuspida na sarjeta.

Recentemente, José Gil afirmou: "A democracia demonstrou como se pode democraticamente por em prática um sistema de subjugação autoritária". Compreende-se. Na vigência deste regime democrático com eleições livres, têm sido suprimidas muitas elementares liberdades e garantias, rasgada a Constituição e os cidadãos têm sido privados de direitos essenciais como o direito ao trabalho, à saúde ou a educação. Tudo através da instigação do medo, da criação de um ambiente de pânico em massa e de histeria moral. Ou seja, como diz o filósofo: "democraticamente por em prática" a subjugação, sem necessidade de maior recurso à força e com o apoio (até entusiasta) da maioria.

Realmente, a democracia, esta democracia em que vivemos, demonstrou-o, mas quem teorizou sobre isso, quem o revelou teórica e experimentalmente, foi a Psicologia que, logo na sua fundação, montou diversos dispositivos laboratoriais que indicaram como a esmagadora maioria obedece cega e automaticamente à autoridade e ao grupo em que se insere. Bate continência sem pestanejar. De resto, tive este mesmo debate com J. Gil quando o pensador apresentou o meu livro Psicologia Política e debatemos a Servidão Voluntária, para usar a expressão de la Boétie, na construção de sociedades distópicas. Estávamos longe de as imaginar tão perto.

Da mesma forma que até agora os portugueses têm aceite a suspensão do Estado de Direito temendo uma doença que é mundialmente motivo da morte de 0,4% da população, acabarão por aceitar que seja formalmente alterada a Lei n.º 406/74, que garante e regulamenta o direito de reunião. O seu articulado estipula que nenhuma entidade ou órgão tem o poder de autorizar nem de proibir o exercício do direito de manifestação. Ou seja, nem sequer deve haver aviso prévio destas reuniões, como se costuma alegar, quanto mais a legitimidade em fichar participantes. Agora, nesta situação de terrível e paralisante de medo da morte em que nos encontramos, Cabrita, até mesmo Cabrita (após tantas mentiras, escândalos e erros) acha-se com autoridade para vilipendiar aquele que é um dos decretos mais orgânicos e simbólicos do sonho de Abril.

Ou seja, apesar das celebrações terem sido negligenciadas e mal organizadas - sobretudo por parte do Ministério da Administração Interna -, e embora esses festejos do Sporting não tenham tido qualquer relevância na evolução da covid, o que concluiu Cabrita? A responsabilidade é de todos menos dele próprio e toca de atacar ainda mais a democracia, alterando a lei da manifestação. Este é o habitual modus operandi do Ministro - foi assim com o Zmar, com as golas inflamáveis, com o SEF, com o acidente que tirou a vida a Nuno Santos. O amigo de Costa está disposto a abalroar tudo e todos para depois isentar-se de culpas e ainda castigar as vítimas. Sucede que nesta nossa democracia que "demonstrou como se pode democraticamente por em prática um sistema de subjugação autoritária", Cabrita não é uma excepção. Apenas é o mais indiscreto.

* Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

Portugal | Mudança de ciclo

Rafael Barbosa* | Jornal de Notícias | opinião

Pressente-se que estamos no final de um ciclo político. Seja por causa da pandemia, agora na quarta e, porventura, última vaga; seja por causa dos braços de ferro públicos e cada vez mais frequentes entre presidente da República e primeiro-ministro, com o consequente desgaste para ambos, como fica claro no barómetro que hoje se publica no JN; seja pela degradação da imagem pública de alguns ministros; seja porque estamos a dois meses das eleições autárquicas, com o habitual crescendo da polarização política.

Nada disto significa, no entanto, que venham por aí mudanças drásticas: que o Governo vá cair, por causa de uma eventual falta de acordo no Orçamento do Estado; ou que estejam no horizonte eleições legislativas antecipadas. Até porque, quando se pergunta por uma alternativa à atual distribuição de forças no Parlamento, ainda não se encontra resposta. A avaliação demolidora que os portugueses fazem dos partidos e dos líderes da Oposição (da Esquerda à Direita), de que também começamos a dar conta nesta edição, só aponta para um beco sem saída.

Na verdade, quem tem os melhores instrumentos para imprimir uma mudança de ciclo político é António Costa. Por um lado, porque começarão a chegar em breve os milhares de milhões do Plano de Recuperação e Resiliência. Por outro, porque mais tarde ou mais cedo (e a maioria dos portugueses prefere que seja mais cedo), terá de reformular o seu Governo. Sendo certo que as remodelações não se anunciam, fazem-se.

As possibilidades de mudança são várias, mas há uma incontestável: Eduardo Cabrita tornou-se um peso morto. Nem tanto por causa do que possa dizer uma sondagem, antes pelas trapalhadas que vai somando. A precipitada e fútil tentativa de se ilibar de responsabilidades nos festejos do título do Sporting, na sexta-feira passada, é apenas mais um exemplo de um ministro sem rumo nem credibilidade.

*Diretor-adjunto

Portugal | Cartão amarelo para Marcelo. Costa quase no vermelho

Popularidade dos dois líderes políticos caiu a pique neste mês. Mas, enquanto o presidente se aguenta com um saldo positivo de 37 pontos, o primeiro-ministro fica-se por apenas seis, revela sondagem da Aximage.

É um verdadeiro cartão amarelo o que é mostrado, este mês, a Marcelo Rebelo de Sousa. Mas é ainda pior para António Costa, que se aproxima do vermelho. De acordo com o barómetro da Aximage para o JN, DN e TSF, a popularidade dos dois líderes cai a pique e o primeiro-ministro tem agora escassos seis pontos de saldo positivo (diferença entre avaliações positivas e negativas). Este mês, a queda do presidente foi mais acentuada, mas o facto de partir de um patamar muito elevado permite-lhe manter um generoso saldo positivo de 37 pontos.

O último mês e meio foi crítico na avaliação dos portugueses aos dois políticos (mas também para os que estão na Oposição). A sondagem não faz perguntas sobre as razões para a desilusão dos portugueses, mas o calendário dá pistas suficientes. Se, no início de junho, o Governo ainda mostrava surpresa com o alerta britânico para a variante delta, um mês e meio depois o país está em plena quarta vaga da pandemia.

Ao contrário de crises anteriores, faltou sintonia entre Costa e Marcelo. As divergências foram públicas, com o presidente a pedir uma abordagem menos "fundamentalista" e a recusar o regresso ao estado de emergência; e o primeiro-ministro a manter a rigidez de critérios, mas a ser atingido, mesmo assim, com os estilhaços da desconfiança que foram chegando do Reino Unido, Espanha, Alemanha e França.

SENIORES MUITO CRÍTICOS

O resultado final, para ambos, é uma queda sem precedentes, em todos os parâmetros, desde julho do ano passado (altura em que se iniciou esta série de barómetros). No caso do primeiro-ministro, a queda já se iniciara em maio, acumulando uma perda de 18 pontos nas avaliações positivas (são agora 41%) e uma subida de 16 pontos nas negativas (35%). O desgaste do seu Governo e a recorrente discussão sobre a necessidade de fazer uma remodelação (ver texto ao lado) ajudará a explicar o momento negativo.

A quebra reflete-se em todos os segmentos da amostra, mas há alguns que se destacam. Até abril, os mais velhos foram sempre uma das âncoras da popularidade do primeiro-ministro. Desde então, regista-se uma deserção em massa dos seniores, ao ponto de serem agora os mais descontentes: na população com 65 ou mais anos, o saldo de Costa é agora negativo. Em termos regionais, o primeiro-ministro já só tem o benefício da dúvida em Lisboa e no Centro. Na região Norte, no Porto e no Sul, o saldo também já é negativo. Na geografia partidária, o saldo positivo limita-se agora aos eleitores dos partidos à Esquerda.

PATAMAR ERA ELEVADO

A situação do presidente da República é diferente: caiu mais do que o primeiro-ministro este mês, mas partia de um patamar muito superior e continua, por isso, a ter uma popularidade sem paralelo. Perdeu 15 pontos de maio para julho nas avaliações positivas (tem agora 55%) e subiu oito nas negativas (18%), o que resulta num saldo positivo de 37 pontos (quase igual ao de julho do ano passado, no arranque dos barómetros).

Marcelo também foi castigado pelos mais velhos (baixa 29 pontos nas avaliações positivas), mas há uma diferença fundamental em relação a Costa: entre os inquiridos com 65 anos ou mais, o presidente ainda tem um saldo positivo de 41 pontos. A exemplo do primeiro-ministro, os piores resultados são nas regiões Norte e Sul e no Porto, mas com saldo positivo. Na geografia partidária, continuam a ser os socialistas os mais generosos (apesar da quebra), mas passa a ter saldo negativo entre quem vota CDU e Chega.

73%

Cresce a percentagem dos que pedem mais exigência do presidente sobre o Governo, com mais cinco pontos do que em maio. Esta exigência é maioritária em todos os segmentos, incluindo os socialistas (51%).

51%

Sem surpresa, Marcelo continua a liderar no "jogo" da confiança, ainda que perca um ponto relativamente a maio. Costa sobe dois para 14%. A maior diferença continua a ser no eleitorado PSD, com vantagem para Marcelo (76%).

Rafael Barbosa | Jornal de Notícias

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