O general Mark Milley, a mais
alta patente militar americana, recentemente veio a público com uma revelação
de sua lavra: o mundo já não é unilateral (com os EUA como a
indiscutível potência hegemónica mundial) ou bilateral (como era com os EUA e a
URSS a equilibrarem-se simetricamente num tango íntimo de destruição mútua
assegurada). É agora tripartido, com três grandes potências – os EUA, a Rússia
e a China – a entrarem numa "guerra tripolar". Esta é a expressão
exacta que terá usado no Fórum de Segurança de Aspen, a 3/Novembro/2021.
Isto parece estranho, uma vez que
nem a Rússia nem a China estão ansiosas por atacar os EUA ao passo que os EUA
não estão em condições de atacar nenhuma das duas. Os EUA acabam de ser
derrotados num conflito de duas décadas contra um adversário de quarta
categoria (ou seja, o Afeganistão) da forma mais humilhante possível,
abandonando US$80 mil milhões de material de guerra e desamparando milhares dos
seus fiéis servidores numa retirada precipitada que equivaleu a uma derrota.
Estão prestes a sofrer um destino semelhante na Síria e no Iraque. A sua
Marinha acabou de ser humilhada numa escaramuça menor com os iranianos por
causa de um petroleiro. Claramente, os EUA não estão em condições de atacar
ninguém.
Então, o que é que Milley poderia
querer dizer? Ele pode não parecer inteligente, mas é o homem mais poderoso do
Pentágono. É claro que Milley-Vanilley [1] poderia
estar apenas a reproduzir alguma música estúpida saída da Casa Branca (que
actualmente está cheia com imbecis de primeira apanha). Isto faria sentido, uma
vez que ao longo da sua carreira Milley evitou cuidadosamente qualquer coisa
que se parecesse a acções militares reais e, portanto, implicasse a
possibilidade de derrotas. Em vez disso optou por se concentrar em coisas como
a produção de um relatório sobre o impacto das alterações climáticas entre os
militares dos EUA.

Eis aqui Milley fotografado
durante um dos seus momentos de maior orgulho, ao lado do general russo Valery
Gerasimov, que viu o combate – e a vitória – como comandante durante a Segunda
Guerra da Chechénia. Gerasimov foi então autor da doutrina de guerra híbrida da
Rússia (a Doutrina Gerasimov), a qual permite alcançar objectivos estratégicos
e políticos através de meios não militares, mas com apoio militar e segredo de
estilo militar, disciplina, coordenação e controlo. Em comparação, o nosso
general Milley é algo como um general recortado em papelão, com um cordel que
faz o seu maxilar inferior mover-se para cima e para baixo levando a algum
lugar dentro do pântano dos think tanks de Washington e dos lobistas
da indústria de defesa.
A Doutrina Gerasimov tem uma
semelhança incrível com a doutrina chinesa da guerra ilimitada, indicando que a
Rússia e a China se harmonizaram nas suas estratégias defensivas. Estas
doutrinas foram concebidas para amplificar as vantagens naturais da China e da
Rússia, colocando os EUA numa desvantagem máxima. Não é imediatamente claro se
Milley é capaz de compreender tais questões. Muito pelo contrário, é provável
que a sua segurança no emprego e carreira dependesse criticamente da sua
incapacidade de compreender qualquer coisa acima do seu nível de remuneração.
No entanto, uma vez que ele é o porta-voz de toda esta confusão ímpia,
precisamos pelo menos tentar considerar as suas palavras pelo valor facial e
tentar pensar o que a sua "guerra tripolar" poderia significar.
Tanto a doutrina russa da guerra
híbrida como a doutrina chinesa da guerra ilimitada dão uma vantagem aos países
com estruturas de controlo rigorosas e centralizadas (ou seja, a China e a
Rússia), enquanto prejudicam gravemente os EUA, que têm uma elite de poder difusa
e internamente conflituosa dividida entre dois partidos e entre muitas agências
governamentais e entidades privadas concorrentes com muitas oportunidades tanto
para espionagem interna e externa como para infiltração e fugas de informação
nos media.
As vantagens da Rússia estão nas
armas avançadas contra as quais os EUA não têm contra-medidas, tais como
mísseis hipersónicos e sistemas de guerra por rádio, bem como numa enorme e só
parcialmente explorada base de recursos, especialmente de recursos energéticos.
A vantagem da China reside numa mão-de-obra enorme e altamente disciplinada que
produz uma vasta gama de produtos que os EUA têm de importar continuamente para
evitar que toda a sua economia se feche devido a rupturas na cadeia de
abastecimento. Por outro lado, tanto a China como a Rússia encontram-se em
desvantagem em enfrentar a grande e bem oleada máquina que os EUA tem
desenvolvido pela sua habitual intromissão nos assuntos de outras nações e pelo
enfraquecimento da sua soberania natural. Existe uma série de mecanismos, desde
exportações culturais a campanhas publicitárias associadas a marcas populares
até iniciativas nos media sociais destinadas a corromper a mente dos jovens, a
fim de exercer a influência dos EUA sobre outras nações.
As respostas chinesa e russa a
esta ameaça são quase diametralmente diferentes: enquanto a China
constrói firewalls e usa controlos sociais rigorosos para conter a
ameaça, a estratégia da Rússia é permitir que a infecção estrangeira se difunda
à vontade e deixar que o sistema imunitário inato da sua nação crie anticorpos
contra ela e a neutralize. A Rússia traça as suas linhas vermelhas com a
propaganda directa de compra e venda do inimigo, incitamento à rebelião armada,
defesa do terrorismo, propaganda de perversão sexual entre crianças, etc. Deste
modo, a Rússia pode não só compensar esta desvantagem como também transformá-la
na sua própria vantagem: enquanto o Ocidente está a tornar-se cada vez
mais antidemocrático e autoritário com os seus infindáveis requisitos de
correcção política, requisitos de biodiversidade social e a busca de uma vida
melhor através do acasalamento não-reprodutivo, terapia hormonal e mutilação
genital, a Rússia permanece uma terra livre, com uma perspectiva social
saudavelmente conservadora que é bastante atraente para os povos de todo o
mundo e está a tornar-se cada vez mais atraente para muitos povos no Ocidente à
medida que se tornam penosamente conscientes dos salários do pecado.
Porquê concentrar-se em guerra
híbrida/ilimitada ao invés de um conflito nuclear ou militar convencional entre
os EUA e a China e/ou a Rússia? Isto porque tanto o conflito militar
convencional como o nuclear entre qualquer destas três nações é uma escolha
insana e suicida, ainda que responsáveis pela definição da estratégia militar
não sejam seleccionados especificamente pelas suas tendências suicidas. Nem a
Rússia nem a China são conhecidas pelas suas guerras de agressão, ao passo que
os EUA são extremamente bem conhecidos pelas suas violentas tendências homicidas
(tendo executado 32 campanhas de bombardeamentos em 24 países desde a Segunda
Guerra Mundial), por serem fundamentalmente um rufia que só atormenta países
fracos que não apresentam qualquer ameaça. Com base na informação publicamente
disponível, tanto a Rússia como a China estão agora bastante à frente dos EUA
no desenvolvimento de armas, a um ponto em que qualquer possível ataque directo
dos EUA a qualquer deles seria na melhor das hipóteses auto-destrutivo e na
pior suicida.
Na melhor das hipóteses, os EUA
lançam um ataque que é repelido com êxito: bombardeiros e foguetes
abatidos, navios afundados, bases militares dos EUA e instalações portuárias
destruídas, possivelmente centros de comando e controlo dos EUA também
destruídos, como bastante explicitamente prometeu Putin. Os EUA jazem então
prostrados e à mercê dos seus oponentes. Se a sua cooperação ainda deixar algo
a desejar, alguma combinação de deploráveis, desprezíveis, imponderáveis e
indecifráveis será organizada o suficiente para fazer uma confusão sangrenta do
que resta das estruturas governamentais e das elites de poder dos EUA, as quais
serão então substituídas por uma força internacional de manutenção da paz (num
caso optimista) ou simplesmente deixadas a persistir em desordem duradoura, miséria
e isolamento internacional.