Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Em 2015, ao quebrar-se o tabu do velho "arco da governação", ficou claro que se o Partido Socialista (PS) quiser governar à Esquerda pode perfeitamente fazê-lo.
Essa pecha da democracia foi ultrapassada pela convergência de posições de várias forças e atores políticos, tendo sido determinante a disponibilidade de António Costa, enquanto secretário-geral do PS. Foi um ato de alcance estratégico na nossa vida política e gerou excecional esperança por duas razões fundamentais: as propostas de política social e económica rompiam com os desastres da Direita; e largos segmentos da sociedade sentiram que não iam continuar abandonados.
Entretanto, o programa assumido
foi-se mostrando demasiado minimalista nos planos sociolaboral e
socioeconómico. Ainda na primeira legislatura, o BE e o PCP começaram a
manifestar desconforto com a gestão de Orçamentos de Estado (OE) em que parte
do que era negociado não era cumprido. Em 2019, os resultados eleitorais
mostraram que a solução de 2015 merecia aprovação, mas foi o PS que mais
beneficiou, passando a dispor de uma maioria relativa que trouxe sinais de
autossuficiência e de menorização da negociação. Apesar de tudo, em vésperas do
chumbo do OE para
O positivo património da governação à Esquerda não pode ser descartado. Trata-se de uma responsabilidade de todas as forças que participaram no processo - nenhuma está isenta e o passa culpas é mau caminho. A catalogação dada por António Costa ao BE e ao PCP como forças "não confiáveis" é incorreta, pois responsabiliza-as em absoluto pela rutura e induz fechamentos para o futuro. Acrescentem-se três observações: i) a experiência da vida confirma que jamais o PS sozinho, assente numa maioria absoluta gerida ou não por António Costa, está em condições de "prosseguir o caminho" antes partilhado; ii) constituirá pesado retrocesso voltar-se ao anacrónico "arco da governação" e ao centrão de interesses, em velha ou nova versão; iii) será erro de palmatória uma aliança do PS com forças cujos focos programáticos - merecedores de respeito - se situam longe do que é prioritário, secundarizando segmentos da sociedade com força transformadora.
O grande desafio que temos pela frente é a recuperação socioeconómica. Trabalho, emprego, proteção social, saúde, educação e o perfil de especialização económica têm de ser temas centrais de um programa de governação. É a partir daí que podem ser trabalhadas as respostas a outros importantes problemas como os ambientais e demográficos, o combate à fragmentação da sociedade, a necessidade de uma postura ofensiva na União Europeia e a gestão dos impactos do perigoso contexto internacional.
O desfecho de 2021, com a não aprovação do OE, não foi assim tão surpreendente. Além disso, na política como em muitas áreas da vida em sociedade, como é o caso das relações de trabalho, a rutura não é um mal absoluto, desde logo, porque ela pode ser necessária para reformular e projetar novos compromissos entre os atores envolvidos. A convergência com tensão interna, gerida com sabedoria e determinação, trará sempre virtualidades bem dinâmicas à sociedade.
A 30 de janeiro, derrotemos a Direita, reforcemos com objetividade a Esquerda, e assumamos que nesta grande área vai ter de se aprofundar e articular a mobilização e a ação social e política.
*Investigador e professor universitário
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