quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Angola | DESCOBERTA DA ÍNDIA E CONTAS A DESCOBERTO

Artur Queiroz*, Luanda

Há muito, muito, muito tempo havia um homem muito rico, muito rico, muito rico chamado Sô Vasco. Comprou caravelas de nau, pôs todas na água, correu com corrida, correu com corrida e um dia encontrou no meio do mar um homem muito grande, muito feio, que saiu da água e berrou:

- Xé Sô Vasco, vais aonde?

O Sô Vasco se assustou muito e respondeu baixinho:

- Sô Adamastor, faz favor, deixa só o branco chegar na Índia!

E ele deixou. Foi assim que os portugueses aportaram a Calecute, em 1498. Depois, segundo Fernando Pessoa, ficaram à boa vida. Porque antes, já tinham chegado à foz do rio Zaire (1482 e 1486) e navegaram com as caravelas de nau até às quedas de Ielala, em Matadi. Naquele tempo Banana e Boma eram mais importantes. E foram cidades angolanas até à Conferência de Berlim. 

Banana, em 1885 ainda era uma cidade angolana. O governo da colónia decretou que a partir de 31 de Dezembro de 1882, os navios da Empresa Nacional de Navegação que navegassem entre a Costa Oeste de África e Portugal deviam escalar no porto do Banana em ambos os sentidos. 

Com a Conferência de Berlim, Portugal cedeu à Bélgica as suas possessões na margem direita do rio Zaire. Em 19 de Fevereiro de 1885 a Península do Banana passou a ser território belga. Mas os angolanos foram protegidos e puderam continuar a residir na cidade. Os pais do músico e compositor angolano Liceu Vieira Dias, nacionalista da primeira hora, ainda lá viviam em 1919, ano do nascimento do ícone da música popular angolana.

Já estou a misturar tudo. Volto ao início. O engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior foi a Portugal buscar caravelas de nau para chegar ao poder. O problema é que no caminho vai encontrar milhões de adamastores que lhe vão perguntar:

- Xé Sô Adalberto à civil, vais aonde?

- Sô Povo Angolano, faz favor, deixa só o português chegar no poder. De novo! 

Cada angolana é uma barreira intransponível. Cada angolano um gigante invencível. Não chegarão. Não passarão. Não mais roubarão diamantes de sangue. Nem vão pôr minas nas lavras e nos caminhos de acesso. Nem vão partir barragens, portos, aeroportos, pontes, pontões, pontecos e tudo o que seja obra pequenina, média, grande ou gigantesca. Nunca mais.

Adalberto da Costa Júnior fugiu para Portugal porque está implicado na greve golpista do 10 de Janeiro. Com medo das declarações dos detidos às autoridades, foi proteger-se debaixo das asas dos patrões. E pior. Neste momento, o líder da UNITA, o deputado Simão Albino António Dembo e o secretário-geral do Galo Negro, Álvaro Chikwamanga, são suspeitos de criar um esquema para financiamento ilegal do partido. Um problema mesmo muito grave que dá cadeia!

Adalberto da Costa Júnior, Simão António Dembo e Álvaro Chikwamanga sacaram meio milhão de dólares “a descoberto”, numa instituição bancária em Luanda. A conta é titulada pelos três e os três podem movimentá-la. Tudo indica que se tratou de um financiamento ilegal do partido UNITA, protagonizado por três altos dirigentes da organização. Isto pode acabar muito mal para o engenheiro à civil Adalberto, porque não tem qualquer tipo de imunidade. Por isso se recolheu a Portugal e agora vive em Lisboa à espera de dias melhores.

O Presidente do MPLA, João Lourenço, denunciou em Menongue que a UNITA tem uma agenda clara de “atingir o poder a qualquer preço”. Pelos vistos, o financiamento ilegal do partido é uma via. Por muito boas que sejam as caravelas de nau que vai trazer do ultramar, Adalberto da Costa Júnior não passará. 

Em Angola, pelo menos 61 por cento dos eleitores vão ser barreiras intransponíveis aos golpistas, Vamos ser todos adamastores intransigentes e inexpugnáveis. E dentro da UNITA muitos militantes, alguns dirigentes e grande parte dos votantes, não querem o regresso das caravelas de nau. O Sô Vasco da Costa Júnior está condenado à derrota. 

O engenheiro à civil já mostrou que está mesmo disposto a tudo para chegar ao poder “mesmo que para isso tenha de desrespeitar a Constituição da República, a Lei e todos os princípios nos quais assenta o Estado democrático de direito”, como denunciou o presidente do MPLA. A parte mais importante da nossa agenda política vai ser impedir os golpes de Adalberto da Costa Júnior. É uma questão de cidadania. É o mínimo que se exige a quem está com a democracia.

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana