sábado, 26 de fevereiro de 2022

Angola | A SEITA E O SEU PROFETA

Artur Queiroz*, Luanda

A Praia Morena tinha um bar simpático rodeado de bancos altos para quem gosta de beber ao balcão, à conversa com o barista e os vizinhos. Um senhor alemão do sisal, mal acostumado, sentou-se e pediu um uísque sem mais nada, porque se aquilo fosse bom com gelo e outras mixórdias, o fabricante tinha metido tudo na garrafa. Acontece que naquele altar só existia Sbel, o fabuloso uísque do Lobito. Servido generosamente num balão de vidro, o cliente emborcou uma golada e de imediato cuspiu tudo berrando guturalmente: Querem me matar! Não gostou da melhor bebida espirituosa do mundo, fabrico nacional.

Leio o editorial do Jornal de Angola e logo às primeiras palavras berro desalmadamente: Querem matar-me! A propósito da cimeira África-União Europeia leio isto: “Saudamos, por isso, o facto de a União Europeia ter fornecido  mais de 130 milhões de doses à África, tornando-se, claramente, num dos maiores doadores do continente”. Gostava de saber como é possível viver de cócoras vidas e vidas, anos após anos, séculos após séculos. Doadores? Os ladrões de ontem, os esclavagistas e colonialistas de séculos hoje são doadores? Tenham dó deste velho repórter a cair da tripeça.

- Kayila muntu mbizi, lumbu ki mosika dya yo, unlongi loa, se kadya lumbu yawonso. Tradução mais ou menos: Se oferecermos a alguém um peixe, ele tem garantida uma refeição. Mas se o ensinarmos a pescar, ele come todos os dias. Lá no Jornal de Angola sabem disso. Mas só no último parágrafo do editorial escrevem:  “Ao lado dos actos de solidariedade, das iniciativas para o reforço da cooperação e, muito particularmente nesta altura em que se impõe respostas precisas contra a Covid-19, faz todo o sentido que se pense e materialize o processo de produção de vacinas e de outros produtos médicos e farmacêuticos em África para satisfazer as necessidades básicas do continente”.

Isso mesmo. Os esclavagistas e colonialistas de ontem, os rapinadores e ocupantes de hoje que quebrem as patentes e instalem em todo o continente africano fábricas de produtos farmacêuticos, desde vacinas até medicamentos contra a malária. Se a cimeira África-União Europeia só serve para prolongar a dependência eternamente, não merece um editorial de cócoras do jornal de Angola.

Raúl Dinis escroque e burlão condenado, diz que o MPLA quer matá-lo. Nem pensar. Muitos anos de vida ao vigarista militante. Porque ele agora é o mais esforçado defensor da UNITA e do engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior. Não vem longe o dia em que todos irão com a corrente de lixo para as profundezas das fossas da História. Se alguém o quer matar, só pode ser quem ele burlou. 

Carlos Kandanda, outro opinante da UNITA, acaba de me fazer um favor que dificilmente conseguirei pagar. O homem escreveu no órgão oficial do Galo Negro (Club K) aquilo que eu ando a dizer há décadas: A UNITA é uma seita. Começa por afirmar que a “guerra civil angolana” vem desde a luta anti colonial “e o desfecho final, em termos militares, foi em 2002”. Reparem no pormenor “em termos militares”. Porque para eles, a “guerra civil” continua até a seita se impor aos angolanos, no dia de São Nunca, pela tardinha.

O homem conseguiu escrever milhares de palavras sem nunca dizer que Jonas Savimbi lutou ao lado das tropas portuguesas, contra a Independência Nacional. E essa confissão está escrita pelo punho do próprio chefe da seita em cartas trocadas com os militares portugueses, que serviu esforçadamente. Numa carta trocada com o capitão Benjamim de Almeida até lamenta que o general comandante da Zona Militar Leste não ande mais depressa com a integração das forças da UNITA no Exército Português. 

Este Carlos Kandanda, megafone do Galo Negro, escreve isto: O Pensamento Estratégico de Jonas Savimbi tornou-se um Farol da Liberdade e do combate incessante pela democracia. Os Ideais do Jonas Savimbi deixaram de ser uma propriedade exclusiva da UNITA. É, pois, um Património Universal da Humanidade, e do Povo Angolano, em especial. Note-se que, na qualidade de político, Jonas Malheiro Savimbi foi um Profeta, que deixou uma Obra Sagrada”.

E mais esta: “O Dr. Jonas Savimbi, além de ser um Líder politico e militar, era um educador politico consequente. Dedicava uma boa parte do seu tempo a ensinar, a estudar, a pesquisar, a analisar e a conceber bem os fenómenos internos e externos da sociedade angolana”. 

O pobre Kandanda ainda não ouviu falar dos generais da UNITA assassinados pelo criminoso de guerra. Nunca lhe disseram que o seu “farol da liberdade” violou prisioneiras, abusou sexualmente de meninas, atirou com as elites femininas da UNITA e seus filhos ainda crianças para as fogueiras da Jamba, enterrou viva a Senhora Savimbi, mãe de três dos seus filhos, só porque ela ousou implorar-lhe que aceitasse o Protocolo de Lusaka e tomasse posse do cargo de Vice Presidente da República. Nunca lhe disseram que ele era íntimo de PW Botha, o chefe máximo do regime de apartheid de Pretória. Enfim, o Kandanda não sabe que Savimbi passou a vida lutando contra Angola. 

O Profeta Savimbi é um cruel criminoso de guerra e a sua Obra Sagrada, a UNITA,  é uma seita satânica que carrega às costas os cadáveres de milhares e milhares de angolanas e angolanos inocentes no passado e no presente. Aqui é que bate o ponto. Os propagandistas do Galo Negro esqueçam essa aldrabice da alternância, enquanto os partidos políticos da posição não tiverem força e legitimidade popular para assumir o poder pela via das eleições.

A UNITA não é um partido político, nunca foi. No início era uma unidade especial das tropas colonialistas e dos FLECHAS da PIDE/DGS. Depois de 1974 deu cor negra aos independentistas brancos. Falhada a operação da independência unilateral e de afastar o MPLA do processo de descolonização, a UNITA passou a ser uma espécie de biombo atrás do qual se escondiam os invasores sul-africanos. Uma organização africana, dirigida por africanos, associou-se de armas e bagagens ao regime racista de Pretória, que a ONU declarou ser um crime contra a Humanidade. Uma seita não pode nunca ser parte da alternância. Só um partido político. 

Então temos que esperar, pacientemente, que os partidos da Oposição cresçam até disputarem eleições com condições de vencerem. Ninguém vai votar numa seita que tem como profeta um criminoso de guerra cruel. Só votam mesmo os da seita. E esses não chegam para alternar. Aliás, mesmo com o truque da esquina à qual chamam Ferente Patriótica Unida, vão ver isso mesmo. A UNITA terá muita dificuldade para conseguir a mesma votação de 2017. Vai perder muitos votos para todos os partidos, inclusive para o MPLA. Esperem para ver.

* Jornalista

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