Mutenya desceu com o seu rebanho para a Quihita naquele ano de fome e tristeza. O gado perdeu a esperança de comer e beber. Os homens abandonaram a terra. Só nas margens do grande rio, pastores ainda tinha restos de abundância. Todos riam de felicidade e saboreavam a vida. Indiferentes à desgraça que envolvia a terra, cantavam felizes:
tulye, tunyane, tulovole: k’ondyembo katyi-ko. Vamos comer, fartemo-nos! Vamos divertir-nos até mais não: no além não há disto!
O pobre pastor Mutenya andou com o Sol até à terra de ninguém, sem nunca encontrar pasto seco ou mulola de água barrenta. Ele sabia que para lá do horizonte havia água e abundância de comida. O rebanho havia de ficar saciado. Mutenya só queria consolar o seu olhar com um imenso campo verdejante. Mas só encontrou carcaças de animais mortos pela fome e a sede.
Talvez amanhã venha a chuva e com ela as pastagens. Talvez. Mas Mutenya foi travado pelo ombindihi. Nem ele nem o gado conseguiram passar para a terra da abundância. Ficou ali, à espera da última sede e da fome silenciosa.
Do outro lado das montanhas nasceu Mutaleni, a menina frágil que um sortilégio deixou em perigo, naquele mundo de fome e sede. Quando deu o primeiro vagido de vida a mãe gritou:
- Não lhe façais mal! Mutaleni, hamumulingi!
Mas o mal invadiu a terra dos Gambos, secou os regatos, queimou as pastagens, afugentou o bambi. Mutaleni cresceu assim, com seus passos guiados por aquele sortilégio. Foram os seus pensamentos e a sua força que a conduziram para longe, onde o pastor Mutenya foi travado pelo ombindihi.
Os dois encontraram-se na terra queimada, quando o vento levantava poeira e abafava os lamentos do gado agonizante. Deram as mãos e esperaram um novo dia:
- Ombulu weile okukwa, ombandye weile okutuvendamena! A raposa veio uivar desgraças, o mabeco veio espreitar-nos! – Disse Mutenya à menina marcada pelo sortilégio da desgraça.
Ela não se assustou. Apenas sorriu. Desde o primeiro dia de vida que se sujeitou a violências e tristezas. Nada podia vir de pior.
Mutaleni subiu com o pastor Mutenya à alta colina para de lá ver o rasto da chuva. Mas não choveu. Ali ficaram à espera de um canto alegre, de um grito de dor, da ventania carregando nuvens de uma tempestade. Nada aconteceu. Para enganar o silêncio, Mutaleni cantava:
Tyitwi-twi, hoi n’epele!
N’onyenga in’omalunda yapya.
Tyikwendye, hoi n’omuwa!
N’omuvi un’onondunge…
Ó passarinho peito-celeste
Não voes atrás da quimera
Os nossos campos também têm
Masango maduro
Ó rapaz novo
Não vás atrás da menina formosa!
A feia também tem o seu encanto…
O tempo corre tão lento que exaspera o cágado sábio. O Sol queima como o fogo do lar cozendo o pirão. A água anda tão longe como a felicidade. Mas dois jovens podem ser tão fortes como a correnteza do rio grande. Melhores dias hão-de vir, se não chegar primeiro a sombra da morte.
Mutenya esperou a chuva e as pastagens, ao lado de Mutaleni. Pensou mil vezes regressar a casa, mas ela sempre o demoveu:
- Voltas sem gado e sem sangue nas veias?
E eles foram ficando ali, no alto da colina, que desvendava a terra dos Gambos. Porque sabiam que ninguém deve ter pressa para regressar ao lar.
- É sábio ficar nesta colina, à espera da chuva e das pastagens. Filho ausente de casa, mais amado é pelo pai e pela mãe! – Dizia Mutaleni com sua voz dolente.
Omona uheli p’epata, evohe n’ovoina vemuhole vali! Todo o filho pródigo tem um lugar especial no coração dos pais.
Um dia os ventos ouviram a prece lançada no grito lancinante da mãe de Mutaleni, quando acabada de nascer:
- Mutaleni, hamumulingi!
De repente, o alto da colina foi varrido por um vento quente, que soprava das alturas da Chela. Do chão subiram em voo desordenado, folhas secas e ramos partidos. Em breve começou a chover. O gado que sobreviveu lançou seus mugidos de alegria.
Os dois jovens ficaram de mãos dadas à espera que a terra ficasse verde de abundância, enamorados pelos dias por nascer.
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