domingo, 13 de fevereiro de 2022

CONTOS TRADICIONAIS ANGOLANOS -- Crónica do Império de Matamam

Seke La Bindo

Nas terras de aquém e além Cunene existia um mundo onde todos viviam felizes. As pastagens abundavam e o grande rio ajudava as sementes do massango a reproduzirem-se em abundância. O império começava nas terras dos Ova-Tylenge-Muso, os humbes autênticos, a quem Augusto Bastos chamou “os quilenges de raça pura”. E estendia-se até aos confins da Terra, onde começavam os desertos. 

Os pastores seguiam os seus rebanhos cantando “ndili p’otyiavo  tyongombe, hinkhi ondyala”: estou junto à teta da vaca, não morro de fome. 

As donzelas viviam os dias colhendo frutos e entoando suas canções alegres. Os caçadores tinham tanta caça que usavam flechas com ponta de cera e nunca falhavam o tiro. O império de Matamam era a terra bem-amada.

Um dia de sol ardente, a menina Ondyelwa subiu a uma frondosa e gigantesca omu-tya para colher frutos maduros. E lá do alto da árvore viu um grande exército aproximar-se. Os guerreiros vestiam peles, eram os temíveis Yaka, com o general Zimbo à frente. A donzela correu para a ombala e deu a notícia.

O guerreiro Yaka percorreu África desde o Magrebe até ao Cabo da Boa Esperança. Um dia chamou os seus companheiros de armas e decidiu partir em direcção ao norte. Chegou ao império de Matamam quando os camponeses colhiam o massango e o gado estava gordo e luzidio. 

Segundo os cronistas, os Humbes são filhos do Evale e eram Ambós. Perderam a sua independência quando o guerreiro Zimbo atacou com suas flechas e lanças com pontas de ferro. Nos últimos momentos antes da queda do império, o rei de Matamam mandou o povo preparar-se para o combate, mas as flechas dos guerreiros tinham pontas de cera, não faziam sangue nem roubavam vidas. 

Os guerreiros de Zimbo vinham armados com lanças e flechas com pontas de ferro. E em breve ruiu o império da abundância. Ainda houve alguma resistência por parte dos caçadores de Sokovala e Musandyi, no Empulu, mas também estes foram derrotados pelos Yaka.

Do império em ruínas nasceram dois grandes reinos: Huíla ou Muíla e Lu-Nkumbi. O historiador Cadornega também chama Hila à Huíla ou Muíla.

Em breve regressou a prosperidade aos novos reinos e o povo vivia feliz. As donzelas não queriam casar com a floresta, mas também não se submetiam aos rapazes vaidosos e arrogantes. E nas suas brincadeiras cantavam: “katuliheke omalunda/n’om’ovipembe mulimwa/ katuliheke ovakwendye/n’op’onombwale palalwa”: não nos deixamos seduzir por terrenos fortes/em terra arenosa também se cultiva/não nos deixamos seduzir por rapazes novos/com velhos também podemos casar.

Os reis Kanina e Gonga fizeram do reino da Huíla um paraíso onde nem nos anos mais difíceis havia fome. 

O reino de Lu-Nkumbi era governado pelo grande Humbi-Inene, o sábio. O povo vivia feliz. Depois subiu ao trono o rei Ngonga Kahangu, que também conduziu os assuntos do reino com muita sabedoria. Ele foi o iniciador de uma linhagem de Sobas Grandes do Sul que governaram o reino com inteligência e ponderação. O rei foi proclamado pelos seus vassalos como um homem de bom coração: “una omutima omuwa”. 

Durante muitos anos, os reis conseguiram evitar a guerra nos seus domínios. Este reino ia desde o Cunene às margens do Caculuvar, o paraíso da caça grossa, onde abundava a mansa gunga. 

A grande desgraça nestes reinos não foi a guerra. 

Um dia os jovens Quipungos e Quilengues-Humbes partiram do seu chão, deixando o gado à sua sorte. Até cometeram o sacrilégio de vender vacas cobertas. Foram à procura das terras onde era sempre dia, mesmo quando a noite estava longe da madrugada. Partiram aos milhares para Benguela e Lobito, onde apenas existe sal e mar. 

Outros foram para o Lubango, a cidade guardada pelas alturas da Chela. Ou chegaram ao deserto, no Namibe. Os pastores passaram a ser pescadores e assim se deu o segundo fim do império de Matamam. 

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