"O que ameaça é a falta de
responsabilidade dos nossos governantes", responde académico. Outro diz
que prestígio alcançado
O destino final é Moçambique, mas o Ruanda parece ser paragem obrigatória para alguns países e multinacionais com interesses na pérola do Índico.
Por exemplo, esta semana, o número um da multinacional Total, Patrick Pouyanné, foi recebido pelo Presidente Paul Kagame, e o próximo embaixador dos EUA em Moçambique, Peter Vrooman, também procura Kigali. Em meados de 2021, o Zimbabué agiu da mesma forma quando se preparava para se juntar à Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM).
Para Calton Cadeado, especialista em paz e segurança, a tendência "só pode ser um sinal de que o Ruanda tem uma influência sobre Moçambique, que tem uma voz audível no país e influência no processo de tomada de decisões e formulação de políticas. Mais do que isso seria colocar muita importância no Ruanda acima de Moçambique na formulação dos seus próprios interesses nacionais."
"Ruanda não está lá por altruísmo"
Desde julho de 2021 que o
Ruanda ajuda Moçambique a combater a insurgência
Por um lado, a passagem de Pouyanné por Kigali antes de pousar em Maputo só vem aumentar essas suspeitas, nunca antes assumidas por nenhuma das partes. Por outro lado, a proeminência do Ruanda num assunto relevante de soberania nacional levanta questionamentos: há riscos de Moçambique ceder em "caras" contrapartidas para o Ruanda, como por exemplo no setor do gás?
O sociólogo Elisio Macamo reconhece que "o protagonismo que o Ruanda está a ter suscita realmente algumas preocupações por parte de todos os moçambicanos, ou pelo menos devia ser esse o caso".
Macamo desconfia: "É possível imaginar que haja contrapartidas que tenham a ver com a comercialização do gás. O Ruanda claramente não está lá por altruísmo. Aliás, o próprio Presidente deu a entender, quando informou sobre a presença do Ruanda, que essa presença era feita no contexto de acordos entre Estados que deveriam ficar secretos".
Ruanda, futuro "exportador" de segurança para multinacionais?
Em Kigali, a Total e as autoridades ruandesas assinaram um memorando de entendimento visando o desenvolvimento de uma colaboração no setor da energia. A par disso, destaca-se o facto de o Ruanda ser o país que mais se evidencia no apoio militar em África e até na ONU. Em Moçambique, mostrou resultados nunca antes conseguidos pelas forças locais.
Este desempenho pode alavancar o Ruanda a categoria de fonte de serviços mercenários para as multinacionais em África?
"Provavelmente, um dia o Ruanda terá a operar [mercenários] fora do seu território nacional e noutras partes do mundo, esse é um cenário que não podemos ignorar. Da mesma forma que temos a Wagner a operar em África, também teremos os serviços dos ruandeses. E isso pode ser alcançado através do prestígio que estão a ter aqui em Moçambique", responde Cadeado.
O pesquisador da Universidade Joaquim Chissano afirma que "é um negócio de economia de mercado que tem de ser visto como um negócio. Já não há limites como num passado distante, pois os Estados por si só já não conseguem prover a segurança que se precisa. E, no caso do Ruanda, é um serviço que está a ser desenhado hoje ainda sob a chancela do Estado".
"Temos de refletir sobre a atitude do nosso Governo"
Durante alguns anos, Moçambique se escudou na sua soberania para não recorrer a ajuda militar externa para Cabo Delgado. Mas hoje o Ruanda ganha um protagonismo sem igual em assuntos de cariz nacional.
Porém, para o académico da Universidade de Basileia, Elísio Macamo, "o protagonismo do Ruanda não ameaça a nossa soberania, o que ameaça é a falta de responsabilidade dos nossos governantes. É evidente que o Ruanda faz o que é do seu interesse, é por isso que está lá".
Por fim, convida à reflexão: "Agora, a questão é que visão de país está por detrás do nosso Governo de pedir ajuda aos ruandeses para proteger a soberania nacional. Temos de refletir sobre a atitude do nosso Governo."
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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