sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

QUANDO SERÁ A PRÓXIMA INVASÃO RUSSA?

José Goulão | AbrilAbril | opinião

O assunto é sério. Ameaçadas pela irresponsabilidade militarista ao serviço de interesses que pretendem governar o mundo sem entraves, estão muitos milhões de vidas humanas.

E assim passou mais uma data, a de 16 de Fevereiro, marcada por Biden, Johnson, Von der Leyen e demais parceiros e aliados, para a invasão russa da Ucrânia. Mas as tropas da Rússia não compareceram à chamada, tal como acontecera em fins de Janeiro e vários outros dias de Fevereiro já anteriormente agendados sem que o visivelmente incumpridor Vladimir Putin lhes fizesse a vontade.

Agora há que aguardar por nova marcação de data porque a operação não acaba aqui, muito longe disso. Já repararam que várias televisões encabeçam o noticiário – chamemos-lhe assim – sobre a Ucrânia com a expressão «invasão russa», como se ela estivesse a acontecer? É verdade que a agência Bloomberg chegou a anunciá-la em directo e que vários meios ditos de comunicação, citando a «inteligência americana», assumiram o rigoroso compromisso de anunciar a invasão para a uma da manhã da última quarta-feira. E se a máquina de propaganda, especialmente a sempre diligente CNN, alimenta até à minúcia a rubrica «invasão russa» é porque tal episódio não aconteceu mas está para acontecer – pelo menos os seus operadores rezam por isso a todas as alminhas. De modo a que possam então descarregar os volumosos materiais sobre o acontecimento preparados antecipadamente e possam dar ainda mais gás aos seus agentes no terreno, comentadores, académicos, especialistas, analistas, ex-ministros, gurus, espiões e ex-espiões avençados que dizem todos o mesmo, desencantados por ora com o facto de Putin não lhes fazer a vontade, cultivando cada qual o respectivo linguajar histriónico.

Chama-se a isto «informar». Porém, o que está verdadeiramente em curso é uma barragem de propaganda de guerra com características terroristas – trata-se de manter o pânico nas populações, e não só as da Ucrânia e do Leste europeu – para reforçar a unipolaridade global através de uma nova ordem internacional «baseada em regras» definidas, bem entendido, em Washington. Se as razões que movem o império anglo-saxónico, manipulando os seus instrumentos NATO e União Europeia, já eram muitas até aqui, elas foram reforçadas com os frutos da recente cimeira entre a Rússia e a China. Putin e Xi-Jinping disseram nada mais nada menos que a amizade entre os dois países «não tem limites» e que a consistência das relações mútuas é superior à «das alianças políticas e militares da época da guerra fria». A dinâmica multipolar parece, deste modo, começar a sobrepor-se à estratégia unipolar dos agendamentos de guerra falhados, alimentando a histeria a que temos vindo a assistir e na qual se perde, não poucas vezes, a noção do ridículo.

O que tem falhado?

Esta estratégia de manter a marinar um potencial conflito enquanto se acumulam tropas e armas numa vasta região de um continente é extremamente perigosa. Sobretudo quando está à mercê de dirigentes que não têm escrúpulos em mentir e que usam como tropas de choque bandos de nazis, de mercenários e até de extremistas islâmicos, o que não é tão surpreendente como isso porque a Ucrânia tem acoitado grupos de chechenos e de outras origens pertencentes às redes transnacionais de desestabilização ao serviço das «guerras sem fim» dos Estados Unidos.

O que aparentemente tem falhado quando Biden, aliados e a propaganda globalista de guerra programam datas para a «invasão russa» parece ser a faúlha para acender o rastilho de modo a quebrar o impasse – ou aquilo que pretendem fazer parecer um impasse.

Os meios de manipulação insistem na ameaça que alegadamente representa a presença massiva de tropas russas na fronteira com a Ucrânia, que estão no interior do seu país e cercadas por contingentes militares de países vizinhos e outros nem tanto como são os Estados Unidos, o Canadá, Itália, Portugal, Espanha, todos eles manobrando a grandes distâncias das suas fronteiras nacionais.

Sem dúvida, o que está a mais na região não são as tropas russas mas as da NATO.

O que os dirigentes atlantistas e os seus megafones não explicam é que, segundo relatório da Missão Especial de Monitorização da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), o exército e a Guarda Nacional da Ucrânia reuniram 150 mil efectivos e armamentos avançados na linha que separa as forças do regime ucraniano dos territórios do Donbass, povoados sobretudo por ucranianos de origem russa, muitos deles com passaportes russos. Estas populações têm sido alvo de ofensivas e massacres sangrentos dirigidos preferencialmente contra civis; acções criminosas nas quais se destacam os nazis do batalhão Azov e do Sector de Direita dirigido pelo «fuhrer branco» Biletsky, unidades que, tal como a generalidade das forças militares e paramilitares da Ucrânia, têm sido financiadas, municiadas e treinadas por «conselheiros» de países da NATO.

Para que conste, embora o assunto seja omisso nos noticiários da «invasão russa», os países da NATO, nos quais se inclui Portugal, são aliados dos nazis «banderistas». Designação que deriva de Stepan Bandera, terrorista ucraniano que defendeu – e praticou – o extermínio de polacos, russos, e judeus, cujas ideias inspiraram muitos colaboradores dos nazis, como os que se alistaram na Legião Ucraniana e no batalhão Galícia, este um corpo das tropas de choque de Hitler (as famigeradas SS) que chacinou dezenas de milhares de soviéticos (russos e ucranianos), judeus e jugoslavos – e que agora é considerado «herói nacional» pelo regime de Kiev. As hordas ucranianas que lançaram a guerra civil contra o Leste a seguir ao golpe de 2014 executado com apoio dos Estados Unidos (sob controlo directo do então vice-presidente de Obama, Joseph Biden) e da União Europeia não são «neonazis», ao contrário do que se diz: são mesmo nazis da velha guarda, hitlerianos puros e duros, que têm feito de Kiev a Meca do nazi-fascismo europeu e americano.

Uma das suas proezas, significativamente silenciada em todo o Ocidente civilizado e defensor feroz dos direitos humanos, é o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa, em 2 de Maio de 2014. No seguimento de confrontos provocados por grupos de nazis contra manifestantes que protestavam contra o golpe de Estado na Ucrânia, mais de 400 pessoas tiveram de refugiar-se nessas instalações, a que os bandos ao serviço de Kiev pegaram fogo, sem deixarem os bombeiros intervir ou os sitiados escapar. Quarenta mortos e centenas de feridos foi o saldo da chacina, veiculada por meios de comunicação e governos ocidentais como tendo sido causada pelas próprias vítimas.

Guerra pública e privada

O exército ucraniano e a Guarda Nacional nazi têm vindo a ser reforçados gradualmente com outros meios, o principal dos quais resulta da aliança da CIA com o criminoso de guerra Eric Prince, norte-americano proprietário da organização de mercenários Academi/Blackwater. O projecto, divulgado recentemente pela insuspeita revista Newsweek, prevê um investimento de 10 mil milhões de dólares para a criação de um exército privado na Ucrânia em conjunto com a empresa britânica Lancaster 6 (que gere grupos de mercenários no Médio Oriente e em África); e a instalação do maior escritório de espionagem em Kiev, o qual, embora privado, será gerido pela CIA. Este dispositivo de guerra privada, segundo as mesmas fontes, usará a Ucrânia como base para operações secretas através da Europa, Rússia e outras regiões.

A Academi/Blackwater tornou-se mais conhecida depois de divulgados os episódios de tortura, assassínios em massa ou selectivos e sevícias sexuais cometidos no Iraque sob cobertura dos invasores ocidentais. O Pentágono e as instituições de espionagem norte-americanas recorrem às empresas de mercenários para realizarem actos que lhes são formalmente proibidos, sobretudo tortura e execuções extrajudiciais.

O dispositivo de guerra ao serviço do regime de Kiev tem vindo a ser reforçado constantemente e pode considerar-se uma ameaça arrasadora para as populações ucranianas da região Leste do país que, à luz dos Acordos de Minsk, têm direito a uma autonomia a estabelecer segundo leis ucranianas.

Kiev diz que não concorda com um único artigo dos Acordos de Minsk – mas assinou-os juntamente com os representantes das populações do Leste sob testemunho da Rússia, da França e da Alemanha1. A propósito dessa posição do regime ucraniano, o presidente russo disse ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, durante a recente visita ao Kremlin, que Kiev «goste ou não dos acordos, tenha paciência pois vai ter de os cumprir».

Enquanto Kiev amplia as proporções do dispositivo militar ameaçando o Donbass, a Rússia informou que está a retirar tropas da Crimeia e outras zonas fronteiriças com a Ucrânia uma vez concluídos, na data prevista, os exercícios militares que aí decorriam.

Realidades paralelas

A NATO, porém, nega esse facto e o secretário-geral Stoltenberg, em transição para o cargo de governador do banco central da Noruega, diz mesmo que a Rússia tem agora um dispositivo mais alargado. Provas? Não são necessárias. Um douto analista da CNN neste burgo explica: «há sempre uma grande diferença entre o que Putin diz e a realidade». Nem mais. Todos sabemos que, pelo contrário, Biden e a realidade estão sempre sintonizados, até na definição do calendário da «invasão russa».

Na verdade, percebe-se que é preciso manter a porta da «invasão» aberta para que a estratégia de guerra não morra de inanição.

Terá faltado, até agora, a provocação, a faúlha que incendeie o rastilho capaz de fazer a parte russa repensar e tomar uma atitude diferente da que tem mantido perante o jogo perigoso praticado por Estados Unidos, NATO e União Europeia. As chamadas operações de «falsa bandeira» são uma especialidade norte-americana já desde finais do século XIX. A insistência na marcação de datas para a «invasão russa» pode ter a ver com a montagem de uma operação em que uma provocação súbita altere completamente os dados no terreno. Kiev lançou recentemente um drone sobre as regiões Leste – por sinal exibindo nas asas os símbolos da força aérea de Hitler – mas os militares das não reconhecidas repúblicas de Lugansk e Donetsk lidaram bem com o problema e abateram o aparelho.

No entanto, tudo pode mudar de um momento para o outro. Há várias semanas que o ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, advertiu que «empresas norte-americanas de âmbito militar estão a preparar uma provocação com o uso de produtos químicos desconhecidos». A ideia até nem é original: tem sido posta em prática na Síria pelos «Coletes Brancos», um ramo do terrorismo jihadista apoiado pela CIA.

Para já, a guerra com data marcada pelos senhores das guerras passou sem um tiro.

Biden, porém, tenderá a procurar uma saída para a estratégia onde se meteu e que tem como objectivos, entre outros, que se esqueça a proposta de segurança colectiva apresentada em 17 de Dezembro pela Rússia; e acabar com o «poder tirânico» de Moscovo sobre o abastecimento de combustíveis fósseis à Europa, se for necessário destruindo à bomba o gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha.

O presidente norte-americano pode sempre cantar vitória na «crise» ao dizer que os russos foram obrigados a recuar perante as falas grossas e as posturas ameaçadoras da NATO – como os papagaios de turno já ensaiam no seu palavreado. No entanto, este não era o plano A do actual chefe do império; ele queria e quer a guerra, com ou sem data marcada: por isso não aceita ouvir falar numa Europa indivisivelmente segura, sem que a segurança de um país ameace a de qualquer outro; ou numa Europa livre de armas de destruição massiva. Por isso aposta na guerra e no terrorismo, militar e da propaganda, para tentar construir a sua «paz», que é a de povos permanentemente aterrorizados e domesticados pela iminência de conflitos armados, seja hoje, amanhã ou quando Biden mandar e os seus cães de fila, públicos ou privados, de chefes de governo a mercenários, obedecerem. Construir a «paz» através da guerra – eis a chave da «crise» na Ucrânia e também no Afeganistão, Síria, Iémen, Iraque, Somália, Sahel, Líbia, Taiwan, Irão, tudo bons exemplos de quão pacíficos são o império e a NATO como seu instrumento de expansão e terror.

Evasão em vez de invasão

Bem, pelo menos, segundo o que é possível averiguar, na Ucrânia, até ao momento, não houve uma invasão mas sim uma evasão. Uma fuga de diplomatas e cidadãos estrangeiros actuando na Ucrânia, ordenada por Biden e seus súbditos fiéis para reforçar o clima de pânico e histeria decorrente de uma agressão militar que não há meio de acontecer.

Os factos revelam que foram muitas as pessoas que não obedeceram nem estão dispostas a isso. O jornal sueco de grande circulação Aftonbladet cita o caso de um empresário de Estocolmo proprietário de uma empresa de tecnologia em Kiev segundo o qual não há razões para abandonar esta cidade porque a vida decorre normalmente e os únicos russos que vê são os cidadãos ucranianos com essa origem que integram o quadro de pessoal do seu empreendimento bem-sucedido. O mesmo imigrante na capital ucraniana sublinhou que estes factos recentes associados à «crise» lhe permitem concluir que a diferença entre o ambiente em que se vive e o criado pela comunicação social é abissal, como se os jornais e televisões fabricassem uma realidade paralela.

O próprio presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, chegou a dizer mais ou menos o mesmo fazendo apelo aos tutores estrangeiros para não alimentarem o pânico no seu país, onde a vida decorre com normalidade e não há qualquer invasão russa à vista.

Zelensky foi rapidamente chamado à ordem, como se percebe através da sua mais recente performance: fazendo coro com Biden, afirmou-se «convicto» de que a invasão russa começaria no passado dia 16.

União Europeia, triste colónia

Quem tem dado provas de uma exaltante unidade e de arrepiante coerência é a União Europeia.

Depois da caótica reunião de ministros de Negócios Estrangeiros titulada presencialmente pelo secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, e à distância pelo próprio presidente Biden, os actuais maquinistas do «eixo-franco-alemão», Macron e Scholz, foram separadamente a Moscovo cuidar da solução «pacífica» para a «crise ucraniana». Regressaram de mãos a abanar. Em primeiro lugar, não representavam sequer uma União Europeia, desfeita em frangalhos, nem tinham qualquer mandato do presidente dos Estados Unidos, pelo que o presidente Putin não lhes encontrou capacidades e poder de decisão para tentar solucionar um problema criado pelo próprio Ocidente. Além disso, não acrescentaram nada de novo em termos de propostas e, sobretudo, não deram qualquer resposta à proposta russa de tratado de segurança colectiva. Provavelmente por não quererem e, sobretudo, por não poderem, apesar das credenciais que pretenderam exibir e que apenas lhes permitem ameaçar a Rússia com «sanções infernais». Dizer que «a NATO está em morte cerebral», como fez Macron há algumas semanas, não é coisa que convença Putin numa Rússia com mísseis nucleares apontados e cercada por centenas de milhares de tropas estrangeiras, centenas de tanques, caças de última geração, navios de guerra e submarinos atómicos.

A missão de Olaf Scholz foi talvez ainda mais penosa que a de Macron. Chegou a Moscovo depois de ter sido humilhado em Washington pelo presidente Biden, mesmo estando este diminuído nas suas faculdades, como já é impossível disfarçar. O chanceler Scholz permaneceu mudo e quedo enquanto o anfitrião da Casa Branca lhe garantia que, em caso de invasão russa, o gasoduto Nord Stream 2 tem os dias contados e para garantir que isso aconteça os Estados Unidos recorrerão a «todos os meios». Ora conhecemos bem o significado da expressão «todos os meios» pronunciada pelo presidente dos Estados Unidos.

Biden não se deu sequer ao trabalho de enumerar alternativas de abastecimento energético à Europa, que já vive uma crise no sector mesmo sem guerra, sabendo-se que os Estados Unidos estão ansiosos por fornecerem o seu gás de xisto – o mais poluente de todos – a preços que multiplicam várias vezes os do gás russo. Mais um bom negócio para a União Europeia, sobre cujos povos recairá o grosso das consequências quando os seus dirigentes eleitos e não-eleitos impuserem a Moscovo as tais sanções ordenadas por Washington e que, tudo o indica, serão concretizadas de qualquer maneira, sob qualquer outro pretexto ainda que não haja guerra.

Quanto aos efeitos de um castigo desse tipo a Moscovo registe-se aqui a frase do embaixador da Rússia em Estocolmo numa resposta ao mesmo jornal sueco Aftonbladet: «Estamo-nos nas tintas para as vossas sanções». Dizem especialistas em russo que «nas tintas» é uma versão polida das palavras do diplomata, que são mais de índole fisiológica.

Diga-se também que Biden foi ingrato para com a subserviência de Scholz, como se a este não bastassem as dores de cabeça a que é sujeito, na sua coligação, pela chefe «verde» Annalena Baerbock, transformada em ministra dos Negócios Estrangeiros e que parece deixar a figura do seu antecessor Oskar Fischer – um dos carrascos da Jugoslávia, para quem não se recorda – a perder de vista em matéria de truculência, manobrismo e autoritarismo. Assim vão os «verdes» federalistas na era do neoliberalismo.

Segundo o que noticiou a cadeia norte-americana NBC, e com as devidas reservas, Biden terá dito do actual chanceler alemão «que ele não é Angela Merkel». E de Macron «que ele quer ser De Gaulle». O que nos Estados Unidos não é propriamente um elogio pois sabe-se que a CIA, através da Organização do Exército Secreto (OAS), tentou assassinar o general e presidente francês pelo menos sessenta vezes porque este, em gesto que seria hoje uma traição inconcebível, expulsou de Paris a sede da NATO e retirou a França da estrutura militar da aliança.

A «crise ucraniana» revelou, preto no branco, que a União Europeia está nas ruas da amargura. O chefe da «política externa» da União, Josep Borrell, desapareceu do mapa durante estas semanas, não fez parte da romaria a Moscovo e foi visto pela última vez na linha da frente contra o Donbass, ao lado dos mercenários da Blackwater/Academi e dos nazis do batalhão Azov. Gente recomendável a quem apresentar credenciais.

Pelo que a União Europeia assume-se cada vez mais como aquilo para que nasceu: ser uma dócil colónia dos Estados Unidos, obedecendo nesse quadro a Washington e às estruturas da NATO. Mesmo que isso custe os olhos da cara aos povos europeus.

Acresce que o processo expõe ainda a hipocrisia, a falsidade e a submissão a elites económicas e financeiras da estratégia de «economia verde» e de «sustentabilidade» ambiental da União Europeia. Afinal a «transição energética» é uma patranha, uma história de encantar para audiências hipnotizadas, sólida e nova muleta para uma publicidade irresponsável e enganadora, quase tanto como as castas políticas dominantes nos 27.

Afinal os combustíveis fósseis estão – alguém o duvida? – no centro desta como de outras crises. A União não pode viver sem importações massivas de petróleo e gás natural; empresas europeias concorrem com outras de todo o mundo por novas fontes de petróleo e gás, rapinam sem dó as riquezas de outros países transformados em terra queimada para esse efeito: Iraque, Líbia, Síria, o próprio Iémen. E esquadrinham os mares, por exemplo o Mediterrâneo, em autênticas guerras por antigos, novos e prováveis campos petrolíferos e de gás natural. Não o fazem por desporto ou para deitar dinheiro fora: o petróleo e o gás natural são para usar enquanto existirem

A corrida às fontes energéticas poluentes, aos fornecimentos de petróleo e gás estão no centro de estratégias militares e políticas em todo o mundo. O «verde» pode esperar, entretêm-se e «educam-se» as massas recorrendo à propaganda supostamente ecológica para sossegá-las e anestesiá-las com promessas sobre metas de contenção da subida das temperaturas globais para não serem cumpridas. Uma propaganda fácil e elementar para quem é tão eficaz em propaganda de guerra. Entretanto as alterações climáticas cavalgam, os gelos dos polos fundem-se, os mares sobem de nível, grandes tempestades atingem frequências, dimensões e capacidades destruidoras invulgares. Também o verdadeiro combate às alterações climáticas pode esperar.

Entre o ridículo e a morte

A NATO, entretanto, mantém a prontidão e aumenta a presença e a frequência de jogos de guerra no Leste da Europa. A «crise da Ucrânia», enquanto for alimentada, servirá sempre de pretexto para conservar o ambiente de terror e manter aberta a porta do insaciável expansionismo atlantista.

Será necessário, por outro lado, proporcionar condições para que Biden e os seus comparsas saiam do imbróglio da «invasão iminente» em que se meteram, tentando salvar a face. A fuga para a frente com o objectivo de apressar a inclusão da Ucrânia na NATO exige agora ou uma invasão propriamente dita ou um recuo arrogante assegurando uma «vitória» baseada no mito de que foi possível fazer «debandar os russos». Porém, o secretário geral atlantista, Jens Stoltenberg, garante que não existem retiradas de tropas russas das manobras que estavam a ser executadas junto à fronteira. Por este andar, segundo a NATO, alguns países estão proibidos de defender militarmente as suas fronteiras mesmo que estejam cercados pelo mais hegemónico exército do mundo.

E porque salvar a face será uma tarefa desprestigiante em caso de recuo atlantista, o discurso da invasão vai manter-se e as acções para provocá-la continuarão latentes. Os mais recentes episódios de troca de tiros na linha divisória entre o regime de Kiev e o Donbass revelam o empenho da aliança militar ocidental em manter a tensão a alto nível, tornando as condições mais propícias para uma provocação incendiária. A fixação de datas de invasão pode ser até uma manobra de diversão.

Desconhece-se a panóplia das hipóteses de resposta a adoptar por Moscovo no caso de uma provocação eficaz, embora haja a noção, acompanhando a propaganda de guerra, de que as «sanções infernais» ocidentais serão para impôr sejam quais forem as circunstâncias. A questão será encontrar o pretexto, mas isso não tem sido problema para os Estados Unidos e a NATO – recordemo-nos do discurso de Collin Powell em 2003 na ONU sobre as armas de destruição massiva do Iraque que nunca chegaram a aparecer.

A porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, ironizou a situação e deixou claro mais uma vez que Moscovo não tem planos para intervir militarmente na Ucrânia ao convidar os Estados Unidos e a NATO a divulgarem de uma vez o «calendário das invasões russas» porque ela tem «de marcar férias antecipadamente».

Em boa verdade, o comportamento burlesco do Ocidente – ou melhor, da sua casta dirigente político-militar – está mesmo a pedir comentários deste estilo.

Mas o assunto é sério. Ameaçadas pela irresponsabilidade militarista ao serviço de interesses que pretendem governar o mundo sem entraves – tal é o alcance da estratégia globalista unipolar ainda dominante – estão muitos milhões de vidas humanas. Os senhores da guerra e a propaganda ao seu serviço – ilegal nos termos do direito internacional – passam por cima dessa potencial tragédia de proporções imprevisíveis e parecem num caminho sem retorno, apesar do clima de nonsense que envolve certas situações, como a «crise ucraniana».

Trata-se, porém, de gente e interesses sem limites, que não se incomodam com o ridículo e a disseminação de mentiras desde que consigam manter as pessoas sob a pressão terrorista e possam fazer guerras sempre que seja necessário construir «a paz». Exemplos há muitos.

*José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

Nota:

1.  O texto integral dos acordos de Minsk II, que Kiev assinou mas sistematicamente se recusou e recusa a cumprir, pode ser consultado no site Peacemaker da ONU.

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