Pedro Tadeu* Diário de Notícias | opinião
Como sobre a guerra na Ucrânia é difícil distinguir o trigo do joio, a notícia da propaganda, a análise da manipulação, não sei se há razões para termos esperança na aproximação de uma solução pacífica, resultante da evolução de ontem nas negociações entre ucranianos e russos.
Somando o que dizem os media do ocidente e os da Rússia, parece que os ucranianos entregaram um documento onde propõem:
1 - A Ucrânia desiste de entrar na NATO.
2 - A Ucrânia aceita não ter armas nucleares ou outras de destruição em massa no seu território.
3 - A Ucrânia não terá bases militares estrangeiras.
4 - A Ucrânia manterá um estatuto de neutralidade militar.
5 - A Ucrânia propõe que um conjunto de países prometa, se o seu território for novamente atacado por qualquer potência, uma intervenção militar para a proteger, num mecanismo semelhante ao que a NATO garante entre os seus membros (o artigo 5.º do tratado da Aliança Atlântica). As listas de países possíveis incluem Rússia (!), Reino Unido, China, EUA, Turquia, França, Canadá, Itália, Polónia e Israel.
6 - A Ucrânia quer aderir à União Europeia e não aceita objeções da Rússia.
7 - A Ucrânia não abdica da soberania sobre Crimeia, Donbass e Luganks, mas compromete-se a não usar a força militar para recuperar o domínio desses territórios.
A Rússia, por seu lado, terá feito estas cedências:
1 - Aceitar uma eventual entrada da Ucrânia na UE se isso não alterar o seu estatuto de neutralidade militar.
2 - Abrandar desde já os combates em Kiev e Chernigov com retirada significativa de militares russos dessas zonas.
3 - Começar a preparar um encontro direto entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky
4 - Não colocar agora em cima da mesa as pretensões de "desnazificação" da Ucrânia, nem da proteção legal à língua russa no país.
Isto parece o princípio de um caminho para a paz, talvez, mas o simples facto de nestas listas não parecer haver uma solução viável e satisfatória para ambas as partes sobre Donbass, Luganks e Crimeia leva-me a recear que tudo isto seja pouco sério... vamos ver.
Um poema escrito por um italiano em 1914, durante a I Guerra Mundial, explica claramente as razões do meu ceticismo.
Passado a canção, com um título que em português quer dizer "Canção para Embalar na Guerra" (Ninna nanna della guerra), a letra da melodia de baloiçar bebés associa à figura do diabo dois poderosos europeus da época: o Imperador da Alemanha e Rei da Prússia, Guilherme II e Francisco José da Áustria, os monarcas que iniciaram essa guerra.
Os dois são definidos como "loucos", gente capaz de enviar o seu povo para a morte, enchendo a cabeça das multidões com ideais nacionalistas, e religiosos que são, depois, traídos quando a motivação económica (a verdadeira causa da guerra, segundo o poeta) já não tem razão de ser.
A canção garante, no final, que quando os "ladrões das bolsas de valores" tiverem os "recursos" que ambicionam, os soberanos em guerra lembrar-se-ão que são parentes, assinarão um tratado de paz e farão belos discursos "às pessoas que foram poupadas aos canhões".
O poeta, que assina com o nome Trilussa, morreu em 1950, feito Senador pelo poder democrático da República italiana, posterior à queda do fascismo de Mussolini.
Olho para os pontos em discussão nas conversações de paz na Ucrânia e, tentando alimentar a esperança de que aquilo que ali está é o início da paz, sobressalto-me por perceber que, como Trilussa em 1914, estou certo da minha indignação nos dias dos discursos de um futuro tratado de paz: "Se era só isto que era preciso, porque não pouparam aquelas pessoas aos canhões?!".
* Jornalista
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