sexta-feira, 15 de abril de 2022

E SE ZELENSKY NOS PEDIR PARA ENTRARMOS NA GUERRA À RÚSSIA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Quando o presidente da Ucrânia falar no Parlamento português, como está previsto acontecer daqui a uns dias, não vai pedir apenas um reforço do fornecimento de armas ao seu país, nem unicamente um aumento de sanções à Rússia.

Volodymyr Zelensky vai pedir aos deputados que levem Portugal a apoiar uma intervenção direta da NATO contra a Rússia e que essas tropas da Aliança Atlântica ajudem os ucranianos, no terreno, a combater as tropas russas. Ou seja, vai pedir que Portugal, membro da NATO, entre em guerra com a Rússia.

É isto que ele tem dito em inúmeras intervenções públicas, como aconteceu no Parlamento Europeu, logo no início da guerra, e em outros parlamentos nacionais. E é perfeitamente natural, na aflição de defender o seu país do ataque russo, que entenda que deva confrontar os políticos do ocidente com essa exigência.

Depois de fazer esse apelo, no final do seu discurso, o que irá certamente acontecer é que quase toda a sala de deputados portugueses se irá levantar em ovação, aplaudindo de pé as palavras de Zelensky - é a reação mais natural, dada a carga emocional que a qualidade do seu discurso transmite e a indignação que a situação humanitária na Ucrânia provoca, impulsionando todos nós para manifestações de solidariedade incondicional.

Nesse momento, no momento em que aplaudirem, vibrantes, o discurso de Zelensky, que estarão os deputados portugueses a aplaudir? Estarão a aplaudir, também, a parte do discurso do líder ucraniano que empurra Portugal, via NATO, a entrar em guerra com a Rússia.

Estarão a aplaudir, também, entusiasmados, o apoio à entrada no conflito dos seguintes países, todos membros da NATO: Albânia, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos, Estónia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Macedónia do Norte, Montenegro, Noruega, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, República Checa, Roménia e Turquia.

Com a Ucrânia e a Rússia isso significaria que os deputados portugueses estarão também a aplaudir a possibilidade do conflito escalar, rapidamente, para uma luta entre 32 países o que é, literalmente, uma III Guerra Mundial - e o mais provável é que muitos outros países decidam ir atrás desse movimento, amplificando ainda mais a mortandade. E, de repente, em reação, a Rússia até pode conseguir apoios que agora não tem...

Estarão, ainda, a aplaudir uma escalada no conflito tão elevada que correrá o risco de levar os russos a utilizar armas nucleares - e Portugal passaria a ser um dos possíveis alvos.

Poder-se-á dizer que não é assim, que o aplauso dos deputados portugueses não será interpretado como um apoio a essa parte do discurso de Zelensky, restringindo-se a uma manifestação de simpatia para com a causa ucraniana, ignorando as propostas bélicas do presidente desse povo.

Isso tem outro problema, menos grave, mas pouco digno de um Parlamento democrático: transforma um assunto tão sério como a guerra na Ucrânia, com 4,5 milhões de refugiados e milhares de mortos, num assunto tratado com ligeireza e superficialidade pelos deputados.

Se assim fosse, os nossos parlamentares fariam a triste figura de se mostrarem prontos para aparecerem na fotografia a aplaudir o líder ucraniano, prontos para dizerem palavras bonitas sobre a heroicidade do povo ucraniano, prontos para acusarem Putin dos mais terríveis atos, prontos para tirarem dividendos políticos locais pela utilização da imagem e do discurso do globalizado Zelensky.

Porém, simultaneamente, os deputados portugueses evidenciariam indisponibilidade para assumirem as consequências lógicas e coerentes dessa atitude, transformando toda essa operação mediática numa hipócrita feira de vaidades.

Pode ainda dizer-se que o aplauso dos deputados portugueses ao pedido que Volodymyr Zelensky lhes fará de intervenção direta da NATO nos combates contra os russos não tem valor algum, que uma decisão dessas os ultrapassa, estará sempre nas mãos do Departamento de Estado norte-americano, nas dos governos do Reino Unido, Alemanha e França e que Portugal limitar-se-á a seguir as ordens dos poderosos do ocidente. Bem, nesse caso fico mais descansado, porque acredito que por ali, apesar de tudo, não se pretende a III Guerra Mundial - mas os deputados portugueses cairão, lamentavelmente, no ridículo e o povo ucraniano pouco ou nada ganhará com o espetáculo vazio que, em nome dele, será montado em São Bento.

*Jornalista -- Pedro Tadeu – DN 13 Abril 2022 — 00:13

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