segunda-feira, 18 de abril de 2022

OS CHULOS DA GUERRA

Chris Hedges [*]

A mesma cabala de gurus belicistas, especialistas em política externa e funcionários do governo, ano após ano, desastre após desastre, presunçosamente esquivam-se da responsabilidade pelos fiascos militares que orquestram. Eles são multiformes, mudando habilmente conforme os ventos políticos, passando do Partido Republicano para o Partido Democrata e depois voltando, mudando de guerreiros frios para neoconservadores e para intervencionistas liberais. Pseudo intelectuais, exalam um snobismo enjoativo da Ivy League enquanto vendem medo perpétuo, guerra perpétua e uma visão de mundo racista, em que as raças inferiores só entendem a violência.

Eles são os chulos (pimps) da guerra, fantoches do Pentágono, um Estado dentro de um Estado, e o complexo militar-industrial financia generosamente os seus think tanks – Project for the New American Century, American Enterprise Institute, Foreign Policy Initiative, Institute for the Study of War, Atlantic Council e Brookings Institute. Tal como algumas espécies mutantes de bactérias resistentes a antibióticos, eles não podem ser derrotados. Não importa quão errados estejam, quão absurdas sejam suas teorias, quantas vezes mintam ou denigram outras culturas e sociedades como incivilizadas ou quantas intervenções militares assassinas correm mal. Eles são inamovíveis, os mandarins parasitas do poder que são vomitados nos últimos dias de qualquer império, incluindo o dos EUA, saltando de uma catástrofe auto-destrutiva para outra.

Passei 20 anos como correspondente estrangeiro relatando o sofrimento, a miséria e os ataques assassinos destes vigaristas das guerras projetadas e financiadas. Meu primeiro encontro com eles foi na América Central. Elliot Abrams – condenado por fornecer testemunho falso ao Congresso sobre o Caso Irão-Contras e posteriormente perdoado pelo presidente George H.W. Bush para que pudesse voltar ao governo e vender-nos a Guerra do Iraque – e Robert Kagan, diretor do gabinete de diplomacia pública do Departamento de Estado para a América Latina – eram propagandistas dos brutais regimes militares em El Salvador e Guatemala, bem como dos violadores e bandidos homicidas que compunham as forças sem princípios dos Contras que lutavam contra o governo sandinista na Nicarágua, financiadas ilegalmente. O trabalho deles era desacreditar as nossas reportagens.

“Tal como algumas espécies mutantes de bactérias resistentes a antibióticos, eles não podem ser derrotados”

Eles, e o seu círculo de companheiros amantes da guerra, passaram a pressionar a expansão da NATO na Europa Central e Oriental após a queda do Muro de Berlim, violando o acordo para não estender a NATO para além das fronteiras de uma Alemanha unificada e antagonizando imprudentemente a Rússia. Eles eram e são animadores de claque (cheerleaders) do Estado de apartheid de Israel, justificando crimes de guerra contra os palestinianos e confundindo os míopes interesses de Israel com os dos EUA. Foram os autores da política de invasão do Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia. Robert Kagan e William Kristol, com a sua típica falta de noção, escreveram em abril de 2002 que “a estrada que leva à verdadeira segurança e paz” é “a estrada que atravessa Bagdade”.

Vimos como isso funcionou. Este caminho levou à dissolução do Iraque, à destruição da sua infraestrura civil, incluindo a aniquilação de 18 das 20 centrais eléctricas e de quase todos os sistemas de bombagem de água e saneamento durante um período de 43 dias quando 90 000 toneladas de bombas foram despejadas sobre o país, à ascensão de grupos jihadistas radicais em toda a região e a Estados falidos.

A guerra no Iraque, juntamente com a humilhante derrota no Afeganistão, destruiu a ilusão da hegemonia militar e global dos EUA. Também infligiu aos iraquianos, que nada tinham a ver com os ataques de 11 de setembro, a matança generalizada de civis, a tortura e a humilhação sexual de prisioneiros iraquianos e a ascensão do Irão como potência proeminente na região.

A pressão para a guerra e o derrube de governos

Eles continuam a pedir uma guerra com o Irão, com Fred Kagan afirmando que “não há nada que possamos fazer além de atacar para forçar o Irão a desistir de ter armas nucleares”. Eles pressionaram pelo derrube do presidente Nicolás Maduro, depois de tentarem fazer o mesmo com Hugo Chávez, na Venezuela. Eles têm como alvo Daniel Ortega, seu antigo inimigo na Nicarágua.

Eles abraçam um nacionalismo cego que os proíbe de ver o mundo de qualquer perspetiva que não seja a sua. Nada sabem sobre os mecanismos da guerra, suas consequências ou inevitáveis reações. Nada sabem sobre os povos e culturas que tomam como alvo para regenerarem pela violência. Acreditam no direito divino de impor os seus “valores” aos outros pela força. Fiasco atrás de fiasco. Agora estão a alimentar uma guerra com a Rússia.

"O nacionalista é, por definição, um ignorante", observou o escritor jugoslavo Danilo Kiš:

“O nacionalismo é a linha de menor resistência, o caminho mais fácil. O nacionalista é imperturbável, ele sabe ou pensa que sabe quais são seus valores, quer dizer nacionais, quer dizer, os valores da nação a que pertence, éticos e políticos; ele não está interessado nos outros, não são da conta dele, são o inferno – são outras pessoas (outras nações, outra tribo). Eles nem precisam investigar. O nacionalista vê nas outras pessoas as suas próprias imagens – como nacionalistas”.

A administração Biden está cheia desses ignorantes, incluindo Joe Biden. Victoria Nuland, esposa de Robert Kagan, atua como subsecretária de Estado de Biden para assuntos políticos. Antony Blinken é secretário de Estado. Jake Sullivan é conselheiro de segurança nacional.

Eles vêm dessa cabala de pequenos monstros morais e intelectuais que inclui Kimberly Kagan, a esposa de Fred Kagan, que fundou o Institute for the Study of War, William Kristol, Max Boot, John Podhoretz, Gary Schmitt, Richard Perle, Douglas Feith, David Frum e outros. Muitos já foram republicanos convictos ou, como Nuland, serviram em administrações republicanas e democratas. Nuland foi a principal vice-assessora de política externa do vice-presidente Dick Cheney.

Eles estão unidos na exigência de orçamentos militares cada vez maiores e por um exército cada vez maior. Julian Benda chamou estes cortesãos do poder “os bárbaros autodidatas da intelligentsia”.

Certa vez, protestaram contra a fraqueza e o apaziguamento liberais. Mas rapidamente migraram para o Partido Democrata em vez de apoiar Donald Trump, que não mostrou nenhum desejo de iniciar um conflito com a Rússia e que chamou à invasão do Iraque “um grande, um avantajado erro”. Além disso, como apontaram corretamente, Hillary Clinton era uma colega neoconservadora. E os liberais perguntam-se por que quase metade do eleitorado, que insulta esses arrogantes agentes do poder não eleitos, como deveriam ser, votou em Trump.

Estes ideólogos não viram os cadáveres das suas vítimas. Eu vi. Incluindo crianças. Cada cadáver que vi na Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Gaza, Iraque, Sudão, Iémene ou Kosovo, mês após mês, ano após ano, expôs a sua falência moral, a sua desonestidade intelectual, a sua doentia sede de sangue.

O tempo histórico parou para eles no fim da Segunda Guerra Mundial. O derrube de governos democraticamente eleitos, pelos EUA durante a Guerra Fria na Indonésia, Guatemala, Congo, Irão e Chile (onde a CIA supervisionou o assassinato do comandante-chefe do exército, general René Schneider, e do presidente Salvador Allende); a Baía dos Porcos; as atrocidades e crimes de guerra que definiram as guerras no Vietname, Camboja e Laos; até os desastres que produziram no Médio Oriente desapareceram no buraco negro da amnésia histórica coletiva.

Julian Benda chamou esses cortesãos do poder "os bárbaros da intelligentsia”

A dominação global americana, afirmam, é benigna, uma força para o bem, “hegemonia benevolente”. O mundo, insistiu Charles Krauthammer, dá as boas-vindas ao “nosso poder”. Todos os inimigos, de Saddam Hussein a Vladimir Putin, são o novo Hitler. Todas as intervenções dos EUA são uma luta pela liberdade que torna o mundo um lugar mais seguro. Todas as recusas de bombardear e ocupar outro país são um momento de Munique de 1938, um recuo patético de enfrentar o mal conforme novos Neville Chamberlain. Temos inimigos no exterior. Mas o nosso inimigo mais perigoso está no interior.

Os belicistas constroem uma campanha contra um país como o Iraque ou a Rússia e depois esperam por uma crise – chamam-lhe o próximo Pearl Harbor – para justificar o injustificável.

Em 1998, William Kristol e Robert Kagan, juntamente com uma dúzia de outros neoconservadores proeminentes, escreveram uma carta aberta ao presidente Bill Clinton denunciando a sua política de contenção do Iraque como um fracasso e exigindo que ele fosse à guerra para derrubar Saddam Hussein. Continuar o “curso de fraqueza e deriva”, alertaram, era “colocar os nossos interesses e nosso futuro em risco”.

Grandes maiorias no Congresso, republicanos e democratas, apressaram-se a aprovar a Lei de Libertação do Iraque. Poucos democratas ou republicanos ousaram ser vistos como brandos com a segurança nacional. O ato afirmava que o governo dos Estados Unidos trabalharia para “remover o regime chefiado por Saddam Hussein” e autorizou 99 milhões de dólares para esse objetivo, algum deste montante usado para financiar o Congresso Nacional Iraquiano de Ahmed Chalabi, que se tornaria instrumental na disseminação das invenções e mentiras que justificaram a guerra do Iraque durante o governo de George W. Bush.

Os ataques de 11 de setembro deram ao partido da guerra a oportunidade que desejavam, primeiro com o Afeganistão, depois com o Iraque. Krauthammer, que nada sabia sobre o mundo muçulmano, escreveu:

“A maneira de domar as ruas árabes não é com apaziguamento e doce sensibilidade, mas com força bruta e vitória... A verdade elementar que parece iludir os especialistas repetidamente... é que o poder é sua própria recompensa. A vitória muda tudo, psicologicamente acima de tudo. A psicologia no [Oriente Médio] é agora de medo e profundo respeito pelo poder americano. É a hora de usá-lo”.

Retirar Saddam Hussein do poder, disse Kristol, “transformaria o cenário político do Médio Oriente”. Claro que sim, mas não de uma forma que tenha beneficiado os EUA.

“Para eles o tempo histórico parou com o fim da Segunda Guerra Mundial”

Eles anseiam por uma guerra global apocalíptica. Fred Kagan, irmão de Robert, um historiador militar, escreveu em 1999 que “A América deve ser capaz de combater o Iraque e a Coreia do Norte, e também ser capaz de combater o genocídio nos Balcãs e em outros lugares sem comprometer sua capacidade de combater dois grandes conflitos regionais. E deve ser capaz de contemplar a guerra com a China ou a Rússia num tempo mais considerável (mas não infinito) a partir de agora. [ênfase do autor].”

Eles acreditam que a violência resolve magicamente todas as disputas, até mesmo o pântano israelo-palestiniano. Numa entrevista bizarra imediatamente após o 11 de setembro, Donald Kagan, o classicista de Yale e ideólogo da direita, pai de Robert e Fred, apelou, junto com seu filho Fred, ao envio de tropas americanas para Gaza para que pudéssemos “levar a guerra a essas pessoas”.

Eles exigem há muito o estacionamento de tropas da NATO na Ucrânia, com Robert Kagan a dizer que “não precisamos nos preocupar com que o problema seja o nosso cerco e não as ambições russas”. Sua esposa, Victoria Nuland, foi denunciada numa conversa telefónica que veio a público em 2014 com o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, depreciando a UE e conspirando para remover o presidente legalmente eleito Viktor Yanukovych, instalando no poder políticos ucranianos obedientes, a maioria dos quais eventualmente tomou o poder.

Eles fizeram lobby para que as tropas dos EUA fossem enviadas para a Síria para "ajudar" os rebeldes “moderados” que procuravam derrubar Basha al-Assad. Em vez disso, a intervenção gerou o Califado. Os EUA acabaram bombardeando as próprias forças que haviam armado, tornando-se a força aérea de facto de Assad.

A invasão russa da Ucrânia, como os ataques de 11 de setembro, é uma profecia auto-realizada. Putin, como todos os outros alvos, só entende de força. Podemos, garantem-nos, vergar militarmente a Rússia à nossa vontade.

“É verdade que agir com firmeza em 2008 ou 2014 significaria arriscar um conflito”, escreveu Robert Kagan na última edição da Foreign Affairs sobre a Ucrânia, lamentando a recusa dos EUA em confrontar militarmente a Rússia mais cedo. Ele escreveu:

“Mas Washington arrisca um conflito agora; as ambições da Rússia criaram uma situação inerentemente perigosa. É melhor para os Estados Unidos arriscar o confronto com potências beligerantes quando estão nos estágios iniciais de ambição e expansão, não depois de já terem consolidado ganhos substanciais. A Rússia pode possuir um arsenal nuclear temível, mas o risco de Moscovo usá-lo não é maior agora do que teria sido em 2008 ou 2014, se o Ocidente tivesse intervido na época. E sempre foi extraordinariamente pequeno: Putin nunca alcançaria seus objetivos destruindo-se a si mesmo e ao seu país, juntamente com grande parte do resto do mundo”.

Em suma, não se preocupe em entrar em guerra com a Rússia, Putin não usará a bomba. Não sei se essas pessoas são estúpidas ou cínicas ou as duas coisas. Elas são generosamente financiados pela indústria de guerra. Eles nunca são retirados dos media pela sua repetida idiotice. Eles entram e saem do poder, estacionados em lugares como o Conselho de Relações Exteriores ou o Instituto Brookings, antes de serem chamados de volta ao governo. Eles são tão bem-vindos na Casa Branca de Obama ou Biden quanto na Casa Branca de Bush.

A Guerra Fria, para eles, nunca acabou. O mundo permanece binário, nós e eles, o bem e o mal. Nunca são responsabilizados. Quando uma intervenção militar rebenta em chamas, eles estão prontos para promover a próxima. Estes Dr. Strangeloves, se não os impedirmos, vão acabar com a vida como a conhecemos no planeta.

11/Abril/2022

Ver também:

  Guerre en Ukraine : Chris Hedges censuré par YouTube

[*] Jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer. Foi correspondente estrangeiro por 15 anos para o The New York Times, onde atuou como chefe da sucursal do Médio Oriente e da sucursal nos Balcãs. Anteriormente, trabalhou no exterior para The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e National Public Radio. É o apresentador do programa The Chris Hedges Report.

Nota do autor: Agora não há como continuar a escrever uma coluna semanal para ScheerPost e produzir o meu programa de televisão semanal sem a vossa ajuda. Os muros estão a fechar-se com surpreendente rapidez para o jornalismo independente, com as elites, incluindo as do Partido Democrata, clamando por mais e mais censura. Bob Scheer, que administra o ScheerPost com um orçamento apertado e eu não renunciaremos ao nosso compromisso com o jornalismo independente e honesto, e nunca colocaremos o ScheerPost atrás de um acesso pago, cobraremos uma assinatura por ele, venderemos seus dados ou aceitaremos publicidade. Por favor, se puder, inscreva-se em chrishedges.substack.com para que eu possa continuar postando minha coluna de segunda-feira no ScheerPost e produzir meu programa de televisão semanal, The Chris Hedges Report.

O original encontra-se em consortiumnews.com/2022/04/11/chris-hedges-the-pimps-of-war/

Imagem: As prostitutas da guerra, cartoon de Mr Fish

Este artigo encontra-se em resistir.info

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