Artur Queiroz*, Luanda
Nito Alves afinal era metodista.
Mandou os seus esbirros perseguir e escorraçar ministros e seguidores das
igrejas que na época existiam
Sabem quem defendia, com unhas e dentes, a liberdade religiosa? Agostinho Neto, Lúcio Lara, Pedro Maria Tinha (Pedalé), formado na Igreja Católica ou Manuel Pedro Pacavira que nunca deixou de ir à missa na igreja da Sagrada Família, aos domingos. Um dia foi baptizar um familiar e convidou-me. Disse-lhe que só entrei na Sé de Luanda porque ia acompanhar o Zeca Bailundo (artista plástico Zé Rodrigues) quando ia desenhar a sua madrinha, Nossa Senhora dos Remédios, que o salvou de uma doença fulminante, era ainda bebé.
Na época do golpe de estado militar (27 de Maio de 1977) ninguém ousava professar uma religião, ninguém entrava nos templos. Salvo o Samuel Aço que não abdicava da sua religião. O templo (sinagoga?) era na então Rua Coronel Artur de Paiva. Peço perdão e muita desculpa se estou a errar, mas eu, muito antes de Nito Aves e os assassinos do 27 de Maio, não entrava nas igrejas fossem quais fossem porque estou de relações cortadas com o dono da casa.
Quem se estava nas tintas para a repressão religiosa era o meu amigo Orlando Rodrigues. Nunca abdicou da sua fé. Na segunda fase da Grande Batalha de Luanda (contra as tropas zairenses e os grupos de extermínio da FNLA), num clima de guerra generalizado nas ruas da capital, ele e outros camaradas foram proteger o convento de freiras na Samba. Zelou que ninguém perturbasse a clausura daquelas servas de Deus. Provavelmente por causa disso, nunca chegou a ministro. Mas ganhou a minha estima e consideração. Eternamente. Orlandini, és o maior, camarada!
O cóccix de Nito Alves foi hoje a enterrar. O caixão saiu do Estado-Maior do Exército e estava coberto com a Bandeira Nacional. Tudo certo. Se Rafael Marques, traidor de alguns dos nossos Generais, foi condecorado, um assassino golpista, covarde, falso comandante, bem pode ser honrado pelos companheiros de armas dos assassinados. Bem pode ser envolvido na Bandeira Nacional que ele fez tudo para rasgar e arrear dos mastros da Pátria ocupada por forças estrangeiras. Não se lembram? Então eu vou avivar-vos a memória.
Já decorriam os preparativos do golpe de estado e o Presidente Agostinho Neto falava com o Presidente Carter. Das conversações resultou a Emenda Clark, que impunha o fim da ajuda secreta às forças que se opunham ao Governo da República Popular de Angola, como biombos da África do Sul ou do Zaire de Mobutu.
A 25 de Fevereiro de 1977,
Agostinho Neto teve um encontro público com os embaixadores acreditados
Portanto, dois meses antes do golpe de estado militar Nito Alves, Monstro Imortal, Bakalof, Sianouk, Zé Van-Dúnem e outros assassinos golpistas sabiam que estava em preparação uma operação militar estrangeira de grande envergadura para destruir a República Popular de Angola. Continuaram a conspirar e desencadearam o golpe. É legítimo concluir que eram aliados dos invasores e agressores estrangeiros.
E o golpe? Rui Coelho, professor, foi preso em Luanda por envolvimento ao nível da direcção. Disse no seu depoimento perante o Tribunal Popular Revolucionário: “Defendemos que o MPLA deve estar ligado ao Partido Comunista da União Soviética. Confesso que estou convencido da existência de anti-sovietismo a nível do aparelho de Estado e do MPLA. Colaborei na elaboração das teses que Nito Alves escreveu para apresentar em sua defesa ao comité central. Ele considera que o partido está dominado por forças direitistas, por social-democratas aliados aos maoistas”.
Bakalof, da dirtecçãomdo golpe, não esteve com meias medidas e disse ante o Tribunal Marcial: “O partido está nas mãos de contra-revolucionários. Por isso, tínhamos que expulsá-los e derrubar o Governo”. O jornal Diário de Lisboa”, na edição de 30 de Junho de 1977, mais de um mês depois do golpe de estado militar, Mário Pinto de Andrade escreveu a seguinte mensagem:
“Considero-me sempre um militante do MPLA. Em primeiro lugar lamento profundamente a expressão criminosa e facínora que tomou a intentona de 27 de Maio, devido ao oportunismo e ambições políticas do grupo de Nito Alves e que levou à perda irreparável de comandantes e camaradas tão determinantes na luta de libertação nacional. Estou de acordo com as decisões tomadas pelo Bureau Político do MPLA e com as declarações do camarada presidente Agostinho Neto. Todos nós esperamos que o MPLA saia reforçado desta prova. Reconhecemos que o MPLA, temperado neste tipo de luta, vai com certeza triunfar mais uma vez sobre todas as formas de oportunismo político, mascaradas de verbalismo esquerdista”.
Leiam agora a declaração do Presidente Neto aos microfones da Rádio Nacional, sem cortes nem manipulações: “Os divisionistas que dirigiram o fraccionismo fugiram da capital. Mas nós vamos capturá-los. Haverá o veredicto do MPLA. Haverá, portanto, Justiça. Neste momento em que estamos a combater contra forças que nos atacam do exterior, é muito estranho que os esquerdistas, os ultra-revolucionários, venham combater-nos também. É muito estranho. Quero dizer mais uma vez que não haverá para aqueles que se introduziram numa luta contra o MPLA, qualquer espécie de contemplação. Qualquer espécie de perdão. Não haverá mais tolerância. Nós vamos proceder de uma maneira firme e dura”.
Para o ministro do golpe de estado, Francisco Queiroz, não manipular e explorar a ignorância, informo que na época, o partido estava acima de tudo, era a vanguarda revolucionária. Quando Agostinho Neto afirmou que “haverá o veredicto do MPLA” sobre os actos dos golpistas, estava a dizer que a Justiça Popular Revolucionária estava garantida.
Os assassinos golpistas e seus familiares provavelmente queriam que o Chefe de Estado mandasse distribuir chocolates e champanhe às bandidas e bandidos. Agora sim, têm essas distinções e favores. A direcção do MPLA lá sabe porquê.
No dia 10 de Junho de 1977
realizaram-se os funerais das vítimas do golpe de estado. No dia 13 de Junho de
2022, no mesmo cemitério, foram sepultados os ossos dos seus assassinos. Com
honras militares. Embrulhados na Bandeira Nacional que tudo fizeram para rasgar
e arrear. O que vimos hoje em Luanda foi o negócio das ossadas,
Monstro Imortal era comandante. E foi patenteado como oficial superior. Era vice-chefe do Estado Maior General das FAPLA. Nito Alves não era nada. Nem comandante, nem militante do MPLA. Sabem porquê? Foi expulso no dia 21 de Maio de 1977. Hoje a reportagem da TPA só filmou o espectáculo de quem nada valia. A claque do comandante foi ignorada. Nem quando nos enterram os ossinhos há igualdade. Se pudesse falar, o comandante Monstro estava a vociferar: “Eu vou bocar às massas!” Acho que o ministro do 27 de Maio comeu o dinheiro devido aios figurantes de Monstro Imortal e Sianouk. Do Ramalhete nem vou falar. Foi o bufo que orientou os matadores. Simplesmente repugnante.
Todas estas barbaridades são cometidas para garantir em 24 de Agosto mais 0,20 por cento dos votos ou, no máximo, um deputado! Pelos vistos, ninguém faz contas aos votos que estão a perder e aos deputados que vão desaparecer do Grupo Parlamentar.
*Jornalista
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