quarta-feira, 8 de junho de 2022

PRECARIEDADE E BAIXOS SALÁRIOS MARCAM O EMPREGO EM PORTUGAL

Os baixos salários empurram cada vez mais trabalhadores para a pobreza. Entre 2015 e 2020, a percentagem de trabalhadores pobres aumentou de 10,9% para 11,2%, mesmo após transferências sociais. 

Catarina Morais | AbrilAbril | opinião

Os trabalhadores continuam a enfrentar muitos problemas no quadro do aprofundamento da exploração capitalista. Para a esmagadora maioria, os baixos salários – em queda real devido ao agravamento do custo de vida –, a precariedade, os longos e desregulados horários de trabalho, a inexistente ou insuficiente protecção no desemprego e a pobreza são a realidade do seu dia-a-dia.

A maioria do emprego criado é precário. No 1.º trimestre de 2022, 70% dos postos de trabalho criados têm vínculos precários, tal como aconteceu em 2021.

A precariedade mantém-se como uma das mais elevadas da União Europeia, nomeadamente entre os jovens trabalhadores. Cerca de 36% dos jovens com menos de 35 anos têm contratos não permanentes face a 16% entre o total dos trabalhadores, sendo especialmente atingidos os jovens trabalhadores com menos de 25 anos (60%).

Considerando apenas o sector privado, o peso da precariedade é ainda maior, já que 32,5% dos trabalhadores têm vínculos precários. Encontramos níveis de precariedade acima de 40% nas Actividades administrativas e dos serviços de apoio (55%), na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca (48%), na Construção (47%), no Alojamento, restauração e similares (43%)1.

Os salários são em geral baixos, concentrando-se crescentemente a maioria dos trabalhadores nos escalões de remuneração em torno do salário mínimo nacional ou nos escalões de remuneração imediatamente acima, não havendo valorização das profissões e carreiras.

Mais de um quarto (26%) dos trabalhadores do sector privado aufere apenas o salário mínimo nacional, sendo as mulheres e os jovens trabalhadores principalmente afectados, ganhando 29% daquelas e 40% destes apenas 627 euros líquidos por mês.

O peso dos trabalhadores a receber o salário mínimo é particularmente elevado no Alojamento, restauração e similares (45%), na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca (44%), nas Actividades imobiliárias (35%), na Construção (cerca de 35%), nas Actividades de saúde humana e apoio social (29%) e no Comércio (27%).

O peso dos trabalhadores a receber o salário mínimo tem vindo a aumentar, tendo passado de 17% em 2015 para 26% em Julho de 20212, devido ao bloqueio da contratação colectiva.

Mais de 2,1 milhões de trabalhadores recebem remunerações base iguais ou inferiores a 800 euros, o que corresponde a mais de metade dos trabalhadores (57%). Até aos 1000 euros são cerca de 2,7 milhões de trabalhadores, ou seja, quase três quartos do total (72,5%).

De acordo com informação da Segurança Social, reportada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)3, o valor médio mensal das remunerações base brutas declaradas por trabalhador foi de 1058 euros no 1.º trimestre de 2022.

Os salários médios são mais baixos em várias das actividades onde o salário mínimo nacional tem mais peso. No 1.º trimestre de 2022, a remuneração média base bruta era de 696 euros/mês nas Actividades administrativas e dos serviços de apoio, de 713 euros na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, de 743 euros no Alojamento, restauração e similares e de 831 euros na Construção, só para referir os mais baixos. Mesmo considerando o total das remunerações (incluindo subsídios de Natal, férias e outros; prémios regulares e irregulares; diuturnidades, etc.) nestes sectores não se ultrapassavam os 1100 euros.

Os trabalhadores com contratos precários recebem 20% a menos do que os trabalhadores com vínculos permanentes, com os jovens a ser especialmente atingidos. As mulheres trabalhadoras recebem 14% a menos que os homens trabalhadores porque são ainda mais exploradas por via das discriminações de que são alvo4.

Os baixos salários empurram cada vez mais trabalhadores para a pobreza. Entre 2015 e 2020, a percentagem de trabalhadores pobres aumentou de 10,9% para 11,2% mesmo após transferências sociais, com mais 107 mil a entrarem na pobreza nesse período devido aos salários de miséria que auferem, perfazendo um total de mais de meio milhão de trabalhadores pobres.

A situação actual de escalada de preços exige um aumento de todos os salários. Os dados do INE confirmam que os trabalhadores estão a perder poder de compra, porque os seus salários não acompanharam até agora as subidas dos preços. No 1.º trimestre de 2022 as remunerações base declaradas à Segurança Social tiveram uma descida real de 2,5% do seu poder de compra em relação ao mesmo período de 20215.

Os trabalhadores enfrentam também muitos constrangimentos no que diz respeito ao tempo de trabalho. Portugal é um dos países da União Europeia onde se trabalha habitualmente mais horas por semana a tempo completo: 41 horas semanais, em média, em 2021, para os trabalhadores por conta de outrem do conjunto dos sectores. Mas na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca o tempo de trabalho habitual chega às 43 horas6.

Cerca de 60% dos trabalhadores trabalham entre 36 e 40 horas, e 17% trabalham 41 ou mais horas. Perto de 1 milhão e 800 mil assalariados trabalham por turnos, à noite, ao sábado ou domingo, ou numa combinação destes tipos de horários, abrangendo 44% dos trabalhadores. Nos Serviços esta percentagem ultrapassa os 47%, na Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca é de 40% e na Indústria de 33%.

Por sua vez, a cobertura da protecção social no desemprego é insuficiente, abrangendo menos de 45% do número real de desempregados no 1.º trimestre de 20227 e estando a diminuir em relação ao ano passado, à medida que os efeitos do prolongamento do subsídio de desemprego previstos para 2021 se esgotam. Os jovens são os mais prejudicados porque não conseguem sequer aceder aos subsídios devido à precariedade dos vínculos laborais. Esta continua a ser a principal causa de desemprego: cerca de 40% dos trabalhadores desempregados que se inscreveram nos centros de emprego ao longo do mês de Abril fizeram-no porque o seu contrato a prazo terminou.

O valor médio das prestações de desemprego foi de 548 euros em Abril, não alcançando sequer a linha de pobreza (554 euros) e tendo tido uma queda real de 3% em relação a Abril de 2021, tornando cada vez mais difícil a situação dos trabalhadores desempregados e das suas famílias.

Baixa cobertura e valores prestacionais reduzidos justificam que a percentagem de trabalhadores desempregados que vive em situação de pobreza, mesmo após transferências sociais, tenha subido de 42% em 2015 para 46,5% em 2020, ou seja, abrangendo um em cada dois desempregados.

Notas:

1.Quadros de Pessoal de 2020, GEP/MTSSS

2.Fonte: MTSSS, Instituto de Informática (com base nas Declarações de Remuneração à Segurança Social) e cálculos do GEP/MTSSS. Dados de Julho de 2021. Retirado do relatório Retribuição Mínima Mensal Garantida, Novembro de 2021, GEP/MTSSS.

3.INE, Remuneração bruta mensal média por trabalhador – Março de 2022.

4.INE, Inquérito ao Emprego – 1.º trimestre de 2022

5.Idem nota 3.

6.Fonte: Eurostat, Labour Force Survey e INE, Inquérito ao Emprego.

7.Fonte: II, MTSSS e INE, Inquérito ao Emprego. Desemprego real: cálculos da CGTP-IN.

VER QUADROS ESTATÍSTICOS JUNTO AO TEXTO NO ORIGINAL -- AbrilAbril

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