segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Angola | DO LUTO QUE MARCA A VIDA EM LUTA!

Martinho Júnior, Luanda

À medida que a irracionalidade humana consome cada vez mais rapidamente o que o planeta consegue repor, somos todos nós que, em vida e nas futuras gerações, estamos e estaremos antecipadamente e desde o berço, em luto!

01- Essa é a insofismável verdade transversal que condiciona a vida particularmente desde os tempos da Revolução Industrial, desde quando o homem tem-se esquivado em conhecer e equacionar, para alguma vez reverter, a aceleração da tendência para o fim da própria espécie humana!

Quando se sente a amplitude dolorosa dessa falta de respeito para com a Mãe Terra e para com a humanidade, somos mesmo todos nós que, consciente ou inconscientemente, em vida assumimos cada vez mais precariedade e estamos e estaremos a, por tabela, assumir uma carga de antecipado luto de que nos deveríamos de há muito saber prevenir!

Ética e moralmente a lógica com sentido de vida, com toda a impotência que nos devora, assume substantivamente essa cada vez mais pertinente dialética, em especial neste momento em que a Angola, contrariando muitas tendências globais, sob o ponto de vista da antropologia cultural, na prática e apesar do que lhe tem sido tão nefasto, avança numa autêntica revolução cultural que se sustenta na vanguarda dos Programas Mínimo e Maior do MPLA, rasgando os horizontes dum passado que foi trincheira de luta para toda a África Austral e Central, para com todo um continente e para com toda a humanidade! 

Reconhecer esse legado não é só para patriotas: é para todos os que sabem do imenso que condiciona a liberdade na sua relatividade contemporânea e por isso há uma palavra de referência para o Comandante Fidel, ao nível da projecção do estatuto de estadista que alcançou em diálogo aberto com o futuro, conforme por exemplo sua clarividente intervenção a 12 de Junho de 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, há 30 anos, no anfiteatro que constitui a cidade maravilhosamente magnética do Rio de Janeiro, no Brasil!...

02- “Amanhã será demasiado tarde” foi, é e será uma constatação gerada na e pela sensibilidade socialista de vanguarda, o que confere ao socialismo uma maturidade que a humanidade tarda em alcançar por causa da irracionalidade de suas práticas capitalistas e de consumo que conduzem ao abismo irreversível em razão do qual estamos em luto desde que nos finais do século XIX se impôs o Império colonial britânico em função da Revolução Industrial, o império que abriu espaço às revoluções tecnológicas que de forma utilitarista tão opressivamente se distendem até nossos dias!

Por essa razão o crédito ao socialismo está de forma premente em aberto à medida que se põe em causa a segurança vital, por que é cada vez mais urgente que haja progressos no sentido do respeito para com a Mãe Terra e para com toda a humanidade e não será nunca por via dum capitalismo neoliberal exacerbado que conduziu ao império da hegemonia unipolar eminentemente anglo-saxónico, que isso pode ser alguma vez possível.

Assim é necessário também equacionar as tendências em Angola no preciso momento de abertura à mudança de paradigma:

O facto de se darem passos no sentido da realização do Programa Maior do MPLA reconstruindo o país, construindo as barragens que providenciarão a indispensável energia e água para todos os angolanos, o esteio que provocará mudanças sensíveis nas culturas e comportamentos produtivos de todos os angolanos, não basta…

O socialismo e o trabalho devem ser reequacionados como tal numa ampla perspectiva de futuro, perante a exaustão dos recursos imposta pela devassidão que simbolicamente teve também seu berço, sem a participação de africano algum, na Conferência colonial de Berlim que ocorreu entre 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885!...

… Por alguma razão para além das provas substantivas, devemos evocar África como berço da humanidade!...

Não basta, assim como não basta fazer a história sobre o passado de luta do povo angolano e dos povos africanos, ainda que se tenham obtido pela força das armas as bandeiras de independência e da dignidade!... 

É necessário ao advogar o Sul Global, avaliar e saber como se deve assumir essa independência, essa dignidade e essa soberania num ambiente em que o luto afinal prevalece, desde nossos próprios berços, marcando-nos indelevelmente a vida!

Essa é a razão essencial para recolhidamente evocar a memória dos nossos e dos nossos antepassados, em especial os combatentes heroicos das causas universais, com o espírito dum novo país com 47 anos que ansiava, anseia e vai continuar a ansiar, lutar para se resgatar do subdesenvolvimento crónico que advém do passado, senão perder-se-ia o valor e o sentido de vida de tantas gestas que houve, o sentido que nos chega iluminando o caminho como perenes Vietname… as vidas, quantas delas, que se empenharam com o sacrifício de seu próprio ser-singular ceifado em plena juventude!

Ao evocar essa memória, a história pode e deve ser um instrumento pedagógico que nos obriga à filosofia da lógica com sentido de vida!

A lógica com sentido de vida vai buscar ao socialismo e aos anseios de então sua inspiração, por que é desse modo que sentimos e reconhecemos o luto que nos advém do berço e isso é algo que não se pode renunciar por que não é um caso de política, ou de negócio: é fruto do encontro singular e colectivo com a respiração palpável e cada vez mais sôfrega da Mãe Terra e com o fluido dinâmico e dialético que anima a própria humanidade!

03- A paz por si pouco serve, se não for equacionado o peso dialético da encruzilhada que se propicia com a mudança de paradigma e também não serve suficientemente se não for feito o balanço sério da memória dos que desapareceram fisicamente, fazendo a leitura do que lhes ia na alma, quantas vezes no próprio momento em que desapareceram, entre o troar das armas e o acre cheiro a pólvora!

Essa convicção resulta duma cultura que é também de respeito para com eles, pagando com eles uma dívida ética e moral para com um continente-berço que pouco a pouco, com a solidariedade apontada desde a primeira hora pelo socialismo revolucionário cubano, é também uma dívida de toda a humanidade que deve definitivamente renunciar aos prejuízos que são causados à Mãe Terra, como deve renunciar duma vez por todas ao poder colonial (e neocolonial) que tornou possível e torna possível a continuidade da Conferência de Berlim!

Não há mais que haver equívocos, não há mais como haver equívocos e por isso até os mortos na sua perda e nas convicções que os animavam, devem ser filtrados no relativismo dessa memória, iluminando o que se deve fazer no presente e no futuro, quando o que é retrógrado é ainda tão avassalador e tão omnipresente!

Só assim o amor, o progresso, o respeito pela Mãe Terra e a sensibilidade global para com toda a humanidade, podem deixar de ser palavras em vão!...

“Amanhã será demasiado tarde”…

Círculo 4F, Martinho Júnior, 1 de Agosto de 2022

Imagem do Monumento ao Soldado Desconhecido em Luanda, inaugurado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, segundo foto por mim recolhida a 21 de Abril de 2018.

Texto de referência:

DISCURSO PRONUNCIADO EN RÍO DE JANEIRO POR EL COMANDANTE EN JEFE EN LA CONFERENCIA DE NACIONES UNIDAS SOBRE MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO, EL 12 DE JUNIO DE 1992. – http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1992/esp/f120692e.html; vídeo – https://www.youtube.com/watch?v=I_rPcJIuW44

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