domingo, 16 de outubro de 2022

Portugal | ABRIRAM-SE AS PORTAS DO INFERNO

Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

O manto de suspeições que se abateu, nas últimas semanas, sobre altos representantes da Igreja Católica portuguesa no âmbito das denúncias e investigações a crimes sexuais sobre menores praticados ou omitidos por responsáveis clericais tem sido demonstrativo da forma inábil (para sermos simpáticos) como a instituição tem lidado com o problema. Encolheres de ombros, declarações desgarradas ora a negar conhecimento ou envolvimento, pedidos de perdão que servem apenas para aplacar o impacto circunstancial dos relatos de vítimas que vão transpirando para o altar da praça pública... Tudo reações óbvias e esperadas. O mínimo exigido.

É certo que ninguém está moralmente blindado para se defender de acusações tão grotescas como as que temos lido e ouvido por estes dias. Mas se a Igreja fez o que se impunha ao patrocinar uma comissão que recebe as queixas, as encaminha para as autoridades judiciais e faz, na escassa medida do possível, um retrato do que terão sido décadas de vergonha, também seria de esperar que, pelos indícios já reunidos, tivesse tomado uma posição formal e colegial que desse respaldo mediático à sua bem-intencionada tentativa de remediar males que não têm remédio.

É de prever que apenas uma parte residual dos abusadores seja efetivamente punida, em virtude, sobretudo, do desfasamento temporal entre os crimes e a sua publicitação (e decorrente prescrição), o que torna ainda mais necessária uma estratégia de responsabilização contundente. Ainda que seja cedo para podermos estabelecer balizas compensatórias definitivas, era importante que a Igreja Católica portuguesa encontrasse formas de indemnizar as vítimas. Em França e no Canadá, por exemplo, o clero vendeu propriedades e pediu dinheiro aos fiéis para compensá-las. Nenhum dinheiro do Mundo cura feridas em permanente carne viva, mas o perdão também se pode exercer dessa forma material, no que isso puder ajudar a mitigar a dor de tantas crianças abusadas, dando-lhes maior conforto. Agora que as portas do Inferno se abriram, esta torrente catártica não vai parar. É bom que não pare.

*Diretor-adjunto

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