segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Angola | DESPERDÍCIO E ESBANJAMENTO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Cacuso é a cidade de Pungo-Andongo e das Pedras Negras. Território das barragens de Capanda e Laúca, que fornecem energia eléctrica a Angola. O comboio passa por ali, depois da estação de Lucala, no Cuanza Norte. No antigamente era uma vila pequena, com poucos habitantes. Hoje tem mais de 120 mil. Duas novas escolas recebem mais de 1200 alunos. O Instituto Superior Politécnico Cardeal D. Alexandre do Nascimento responde às necessidades da juventude da cidade que acaba o ensino médio. Em 2014, nasceu no município uma grande unidade agroindustrial que produz álcool e açúcar.

Uma cidade que cresceu tanto em tão pouco tempo precisa de quadros técnicos para acompanharem o crescimento. As autoridades nacionais lançaram o projecto “200 casas por município” exactamente para garantir alojamento digno a médicos, professores, enfermeiros e outros quadros técnicos, médios e superiores. A cidade de Cacuso foi contemplada. E lá estão, 124 moradias, todas com três quartos, portanto com capacidade para alojar uma família média ou três solteiros. Foram distribuídas, mas as pessoas contempladas, aos poucos abandonaram-nas porque nunca foi ligada a água e a luz.

Cacuso é o município de Angola mais electrificado! Sendo uma comunidade do rio Cuanza, água também não devia ser problema. Mas foi. No bairro existem dois grandes depósitos, instalados em duas plataformas bem elevadas, para a água chegar às habitações por gravidade. Estão em ruínas. Nos arrumamentos existem postes para a iluminação pública. Mas sem candeeiros. As 124 casas concluídas, habitadas e posteriormente abandonadas, foram vandalizadas e saqueadas. Quase todas ficaram sem portas e janelas. As chapas do telhado foram roubadas. Os tectos falsos também desapareceram. Nas ruas cresce o capim. O abandono é total. 

Apenas uma moradia continua ocupada, porque o morador arranjou um gerador e fez um reservatório para a água. Mas nem todos têm essa capacidade financeira. Como ninguém consegue viver sem água nem luz, 123 casas foram abandonadas. Hoje só restam as paredes porque até as louças sanitárias foram roubadas.

A senhora administradora de Cacuso disse hoje à TPA que em 2023 vai fazer tudo para que as ligações de água e luz às casas sejam feitas. Por favor, excelência, não faça isso. Vai torrar muito dinheiro. Porque quando as ligações domiciliárias ficarem concluídas, nem os mosquitos e as moscam beneficiam dessa obra. Todas as casas precisam de telhados, tectos, portas, janelas, louças sanitárias. E isso custa uma fortuna.  Quando esses “acabamentos” estiverem prontos, já as canalizações e as redes eléctricas foram saqueadas ou vandalizadas. E volta tudo à estaca zero.

Combate à corrupção é punir quem deixa destruir 124 moradias novinhas e que fazem tanta falta para alojar quadros técnicos na cidade de Cacuso. Combate à corrupção é responsabilizar as autoridades provinciais que com o seu desleixo e negligência deixaram destruir um bairro inteiro que custou milhões ao Estado. Combate à corrupção é demitir o ministro e secretários de Estado da tutela. Combate à corrupção é responsabilizar os quadros locais do partido MPLA no município de Cacuso que viram o fogo e deixaram arder. Tenho uma má notícia para quem nos governa. O que aconteceu em Cacuso acontece todos os dias em todo o país.

A estrada tem uns buracos. Ninguém remenda. Como passam por lá, dia e noite, milhares de viaturas ligeiras e pesadas, os buracos transformam-se em crateras. E ao fim de algum tempo a via fica intransitável. Ainda bem. Faz-se novo concurso (se for para o Grupo Carrinho é ajuste directo) e adjudica-se a construção de uma estrada nova. Assim entra nos bolsos dos corruptos muito dinheiro em comissões.

Tomboco. O Programa Água para Todos contemplou o município com um Centro de Captação e Tratamento de Água. Estava tudo pronto, os equipamentos montados e nada. O novo governador descobriu que está tudo vandalizado. Destruído. Imprestável. Milhões foram para o lixo antes de irem por água-abaixo. Até hoje, ninguém foi prestar contas à Justiça. Ninguém foi responsabilizado politicamente. Nada. Pode? Não pode!

Não venham desculpar-se com os cofres vazios e a falta de verbas. Isso são desculpas de mau pagador. De quem quer fazer de todos nós, atrasados mentais. Mesmo que seja verdade que os cofres estão vazios, é fácil fazer as ligações domiciliárias no Tomboco e em Cacuso. Basta que sua excelência o Presidente da República ordene que sejam desviados fundos de outras áreas.

Eu defendo que os eleitos sejam bem remunerados e tenham todas as regalias. Se queremos políticos de elevado nível ao serviço da coisa pública, eleitos ou não, temos de lhes garantir boas condições. Muita gente considera que é despesismo inaceitável os deputados terem direito a um automóvel de luxo. O Estado não tem nada que lhes dar viaturas de serviço. Discordo. 

Acho que todas e todos devem continuar a usufruir dessa regalia. Mas em vez de um Lexus de 160 mil dólares, podem receber um automóvel familiar que não custe mais do que 25 mil dólares. Se o fizerem, sobra muito dinheiro para a rede de água e luz nas moradias de Cacuso. É isso mesmo. Combater o desperdício generalizado é uma forma expedita de combater a corrupção. E nem precisam de fechar a torneira ao Grupo Carrinho.

Os Media deram-nos uma notícia sensacional. O Vietname está muito interessado no turismo angolano. O Ministério do Turismo lançou uma campanha na TPA promovendo o sector. Por favor, tirem Cacuso e Tomboco dos destinos turísticos. Primeiro resolvam a maka da água e da luz. Os turistas têm a mania de tomar banho e estão habituados a energia eléctrica nas suas casas. Se a coisa falha depois sabe-se e os turistas que hoje enchem os nossos hotéis em todo o país, graças à campanha publicitária do meu amigo Filipe Zau, bazam e nunca mais regressam. 

Quer dizer, fazer campanhas publicitárias a um produto que não está em condições de ser vendido é um desperdício. Há que combater sem tréguas o esbanjamento de fundos. Porque quem esbanja e desperdiça dinheiros públicos fica com um pé na corrupção. Ou mesmo com os dois.

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana