domingo, 22 de janeiro de 2023

Angola | UM POLÍCIA ALARGADO NA ÁFRICA AUSTRAL – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A política à angolana está constantemente a surpreender-me, apesar de estar vacinado contra surpresas, desde que vi um porco andar de bicicleta e, anos mais tarde, uma bicicleta andando de porco. Nas últimas eleições fiquei siderado com os números da abstenção que, somados aos brancos e nulos, deram a grande a maioria do eleitorado. O MPLA colocado na situação de sozinho contra todos não convenceu uma parte importante do seu eleitorado.

Quanto aos brancos e nulos, a perplexidade é ainda maior. Não devem ter lido o programa do MPLA. Ninguém se dá ao trabalho de ir às assembleias de voto e depois anular o papelinho ou ninguém escolher, se soubesse que o Programa de Governo do MPLA assentava em sete pontos fundamentais.

Primeiro, consolidar a Paz e o Estado Democrático de Direito. Prosseguir com a Reforma da Justiça, da Administração Pública, da Comunicações Social, da Liberdade de Expressão e da sociedade Civil.

Segundo, promover o desenvolvimento equilibrado e harmonioso do território.

Terceiro, desenvolvimento do capital humano ampliando o acesso aos serviços de Saúde, ao conhecimento e habilidades técnicas e científicas, promover a cultura e estimular o empreendedorismo e a inovação

Quarto, reduzir as desigualdades sociais, erradicando a fome e a pobreza extrema, promovendo a igualdade de género e solucionando os desafios multidimensionais e transversais à elevação da qualidade de vida das populações

Quinto, preservar o Ambiente e, ao mesmo tempo, modernizar e tornar eficientes as infra-estruturas do país.

Sexto, assegurar a estabilidade macroeconómica e apoiar o sector empresarial para acelerar a diversificação da economia.

Sétimo e último, assegurar a defesa da soberania, da integridade territorial e da segurança nacional e promover a imagem e o papel de Angla no contexto regional e internacional.

Um programa destes tinha de ser plebiscitado por uma maioria absolutíssima de eleitores. O qual não! No dia 24 de Agosto, com mais alguns milhões de eleitores do que em 2017, a abstenção foi de 55,8 por cento. Na eleição que ditou a primeira eleição de João Lourenço, a abstenção foi apenas de 23,5 por cento, quase metade. Alguém fez as contas? Não se assustem!

Nas últimas eleições (24 de Agosto passado) o MPLA teve menos um milhão de votos do que em 2017. E mais de oito milhões de eleitores abstiveram-se ou votaram branco e nulo (três por cento!). João Lourenço foi eleito em 2017 pelo seu partido. O seu nome, a sua figura, pouco ou nada contaram. Em 2022, foi o teste do algodão. O cabeça de lista foi responsável pela debandada de votos para a abstenção, votos brancos e nulos. Perdeu em Luanda. O seu nome e a sua figura foram tóxicos para o MPLA na capital do país.

O MPLA definiu a política de não alinhamento no seu primeiro Governo, em 11 de Novembro de 1975. Como os seus principais apoios internacionais na época: Argélia, Cuba, Jugoslávia, República Popular do Congo e, mais tarde, os seus parceiros da Linha da Frente: Botswana, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe. Com a União Soviética existia uma relação privilegiada, mais do que estratégica. No Programa de Governo apresentado aos angolanos nas eleições de 24 de Agosto, sobre esta matéria é dito que o MPLA vai promover a imagem e o papel de Angola no contexto regional e internacional. 

Em nenhum ponto foi proposto aos eleitores colocar Angola na situação de protectorado do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) e seus apaniguados do chamado “ocidente alargado”. O MPLA não disse aos eleitores que ia equipar as Forças Armadas Angolanas com armamento da OTAN (ou NATO) que é como quem diz, dos gringos. Nunca o MPLA disse aos eleitores que o seu Governo ia aliar-se aos esclavagistas, aos colonialistas e aos genocidas de ontem.

O cabeça de lista do MPLA nunca disse aos eleitores que tinha na sua agenda política fazer de Angola o polícia dos EUA na África Austral e ele próprio ia empunhar o chicote na condição de capataz do “ocidente alargado”. Nunca disse mas, pelos vitos, milhões de votantes no MPLA perceberam a tempo o que ia acontecer e não foram votar! Hoje sabemos que fizeram bem.

Os EUA e o seu pseudónimo OTAN (ou NATO) apoiaram politica e militarmente o regime fascista e colonialista de Lisboa durante toda a Guerra Colonial. Os vampiros do “ocidente alargado” seguiram a mesma política mas com uma presença ainda mais efectiva no terreno. Os EUA e os genocidas do “ocidente alargado” apoiaram sem hesitações o regime racista de Pretória, declarado pela ONU como um crime contra a Humanidade. São autores materiais desse crime gravíssimo que não prescreve! Um dia vão pagar. 

Os EUA e os genocidas do “ocidente alargado” apoiaram as invasões de tropas estrangeiras a Angola, entre o 25 de Abril de 1974 e a Independência Nacional. Os oficiais da CIA, os militares portugueses renegados, os mercenários de várias nacionalidades marcharam sobre Luanda, pelo Norte. Não passaram do Morro da Cal. Mas mataram e destruíram. Fizeram tudo para que a Independência Nacional fosse protagonizada pelos seus títeres. Apoiaram e armaram o regime racista de Pretória nas invasões ao Sul de Angola.

Após a Grande Batalha do Ntó, quando as forças invasoras de Mobutu e os mercenários arregimentados pela CIA foram esmagados, os chefes da Cabinda Gulf (Chevron) abriram as torneiras do petróleo e fugiram de helicóptero para o Zaire. Causaram um terrível desastre ambiental. A mancha de “crude” já chegava a Ponta Negra. Os genocidas nunca pediram perdão pelos crimes que cometeram em Angola.

O Jornal de Angola noticiou que Antony Blinken esteve à conversa, ao telefone, com o Presidente João Lourenço na quinta-feira. Mas que confiança é esta? Desde quando o membro de um governo estrangeiro fala directamente ao telefone com o Chefe de Estado? O líder de um país que libertou África e o mundo do regime de apartheid? O Presidente João Lourenço tem de explicar ao Povo Angolano quem o mandatou para transformar genocidas em amigos do peito. A situação é mesmo muito grave.

A direcção do MPLA não pode aceitar que o seu cabeça de lista, eleito Presidente da República, tenha tal comportamento. O Presidente Yoweri Museveni, do Uganda, disse, a propósito do “ocidente alargado”, que os africanos sabem bem quem escravizou, quem dominou, quem roubou, quem matou e quem ajudou à libertação de África. O Presidente de Angola não sabe. O Bureau Político do MPLA tem que lhe explicar. Se não aprender, retira-lhe a confiança e vamos para eleições antecipadas, antes que seja demasiado tarde. 

E no próximo pleito eleitoral, João Lourenço pode bem ser o cabeça de lista da UNITA. Não lhe fica mal, pelo contrário, condiz com a sua ideologia e práticas políticas. Se for rejeitado (têm lá tanto refugo…) tem sempre a hipótese de ressuscitar o P-JANGO.  

Como é possível Antony Blinken ser tu cá tu lá com o Presidente da República de Angola? É hora de acabar com as afrontas e as faltas de respeito a todos os que se bateram pela Independência, Soberania Nacional e Integridade Territorial.

Um aviso. Países como a Namíbia ou África do Sul não vão aceitar que Angola seja o polícia dos EUA na África Austral como Israel faz esse papel no Médio Oriente. Mas Angola não é Israel. Alguém tem que explicar isto a João Lourenço, o mais urgentemente possível. Mas quem? 

Vou contar um episódio verídico. A maioria dos membros do Bureau Político do MPLA queria eleições gerais no prazo estipulado, apesar de Savimbi ter ido para a guerra depois das eleições de 1992. O Presidente José Eduardo não queria, porque a UNITA seria esmagada. E foi protelando. Um dia, os dirigentes do MPLA foram apresentar-lhe cumprimentos de Ano Novo  e Paulo Jorge, disse isto ao líder:

- Camarada, este ano que vai entrar tem de ser ano de eleições gerais! Na próxima reunião do Bureau Político isso vai ser discutido e tem de ser decidido.

O Presidente José Eduardo marcou mesmo as eleições. Há hoje alguém no Bureau Político do MPLA que impeça o Presidente João Lourenço de se meter em aventuras de “ocidente alargado” e receber ordens de Blinken? Oxalá que sim.

*Jornalista

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