Artur Queiroz*, Luanda
O país está em choque ante a evidência da podridão da Justiça que levou à asfixia do primado da Lei. Valor mais alto se levantou: As ordens superiores! O Estado de Direito foi capturado pelos ordenantes. A magistratura judicial é abandalhada, desprestigiada e publicamente corrompida por um Decreto Presidencial impensável mas também inadmissível. É hora de mudar corrigindo o que está péssimo e apoiando quem no Poder Judicial quer fazer bem.
Uma coisa é destruir a credibilidade dos Tribunais e dos agentes da Justiça. Outra é demolir o sistema e desonrar os seus servidores para não terem que dar ordens superiores. Esse caminho desagua na ditadura e reduz os Tribunais a instrumentos de agressão e repressão. A magistratura judicial fica reduzida ao papel de redigir sentenças encomendadas.
Nada melhor do que ilustrar com um exemplo concreto o início da demolição do Poder Judicial por outros órgãos de soberania. O Dr. Carlos São Vicente foi preso em 22 de Setembro de 2020, sem provas. Ilegalmente. Ao abrigo do código das ordens superiores. O Procurador-Geral da República, Hélder Pita Grós, ainda se opôs. Porque pouco antes tinha assumido por escrito que o detido não tinha cometido qualquer crime. Imperou a ordem superior. Agora o Poder Judicial está a ser demolido para acabar com as ordens superiores. Passam a ser directas e, se for necessário, a chicote.
Na instrução contraditória, a
Defesa do Dr. Carlos São Vicente demonstrou que a acusação era vazia e sem
provas. Por isso pediu o arquivamento do processo. O juiz de instrução decidiu
remeter o auto para Tribunal com base no código das ordens superiores. Antes do
julgamento do Dr. Carlos São Vicente, os edifícios da AAA começaram a ser
ocupados e em alguns casos vandalizados. Uma antecipação à decisão judicial que
tem apenas como cobertura a lei das ordens superiores. Até hoje ainda não
existe uma sentença transitada
O ministro da Justiça na época, Francisco Queiroz, deu um exemplo de amor acrisolado à lei das ordens superiores e mandou ocupar o edifício sede da AAA com um Cartório e um Guiché Único. Os funcionários da empresa foram escorraçados como se estivessem na zunga de rua. O assaltante é jurista de formação. Justificou o assalto dizendo envergonhadamente que recebeu ordens superiores. Pode dar essa cadeira na Faculdade de Direito como professor convidado.
Após a prisão do Dr. Carlos São Vicente, em 22 de Setembro de 2020, as suas contas bancárias, as da sua família e das sociedades AAA foram bloqueadas. Com base na lei das ordens superiores. Todo o seu património foi apreendido com base no artigo único da lei ordens superiores. A família que estava ocasionalmente no estrangeiro não pôde regressar a Luanda porque ficou sem dinheiro para a viagem. E se tivesse, não tinha casa porque a morada de família foi apreendida por força da lei ordens superiores. Resultado: A família de Agostinho Neto ficou sem tecto e foi impedida de regressar à Pátria que ele ajudou a libertar!
O Tribunal da Comarca de Luanda, sem qualquer prova, condenou o Dr. Carlos São Vicente. Uma juíza que votou contra a sentença, detalhou as ilegalidades que justificaram o seu voto. Soube agora que a magistrada judicial foi ameaçada por ter ousado contrariar a lei da ordem superior. É uma heroína. Honrou o Poder Judicial. Recusou a violação da separação de poderes. Pôs o Estado de Direito acima dos seus interesses pessoais. Merece a homenagem de todas e todos os democratas.
A Defesa recorreu da sentença mas o Tribunal da Relação de Luanda e o Tribunal Supremo nada fizeram para repor o primado da Lei. O Código das Ordens Superiores está acima de tudo e de todos. Menos do ordenante e seus paus mandados. O processo está cheio de irregularidades e inconstitucionalidades. Por isso a Defesa recorreu para o Tribunal Constitucional. Uma coisa é certa. Nesta instância só conta a Constituição da República. E na Lei Fundamental não cabe o código da ordem superior.
É fácil repor a Justiça. Em vez de lerem os recados das ordens superiores olhem para as contas auditadas da AAA. Isso basta para demolir a acusação de peculato. Nas contas auditadas de 2001 e 2002 vê-se claramente que o Dr. Carlos São Vicente, através da AAA (Angola) Investors comprou 49 por cento da AAA Serviços Financeiros Lda. e pagou USD 8.234.450,06. As contas auditadas de 2004 mostram que comprou mais 21 por cento passando a deter 70 por cento e pagou USD 10.888.500,00. As contas de 2012 registam um aumento do capital social da AAA Seguros SA que foi apenas subscrito e realizado pela AAA Activos Lda. tendo pago USD 30.000.000,00. A AAA Activos passou a deter 87,89 por cento que adicionado a mais 1,0 por cento do Dr. Carlos São Vicente e 1,0 por cento da AAA Pensões SA perfaz 89,89 por cento.
Estes números estão certíssimos. Foram auditados. E assim é impossível acusar o Dr. Carlos São Vicente de peculato. Porque ele era o dono da AAA. Adquiriu legalmente as acções e pagou-as. O Professor Doutor Catedrático da Universidade de Coimbra, Manuel da Costa Andrade, é categórico no seu parecer de 5 de Maio de 2022: Diz que não há elementos de facto e de Direito que permitam condenar o Dr. Carlos São Vicente. Melhor dito: Não há factos que justifiquem o cumprimento das ordens superiores. A sentença do Tribunal da Comarca de Luanda é ilegal. Não há crime sem Lei.
A prisão preventiva do Dr. Carlos São Vicente terminou em 22 de Setembro de 2022. Mas não foi libertado. O excesso de prisão preventiva já vai em cinco meses. Porquê? Entrou um pedido de Habeas Corpus em 16 de Novembro de 2022. Devia ser respondido em cinco dias, até 22 de Novembro do ano passado. Estamos em 23 de Fevereiro de 2023 e não há resposta. O prisioneiro tem mais de 60 anos e três doenças crónicas. A detenção no Estabelecimento Prisional de Viana põe em perigo a sua vida. As ordens superiores repuseram a pena de morte em Angola.
Uma das três doenças crónicas de que padece o Dr. Carlos São Vicente pode matá-lo a qualquer momento. É esse o objectivo de quem mandou prendê-lo e encomendou a sentença. É hora de corrigir a injustiça das ordens superiores. É hora de libertar um inocente.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário