quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

"QUAIS SÃO OS OBJECTIVOS DA GUERRA?"

– General alemão manifesta-se de modo claro e público contra a entrega de tanques Leopard à Ucrânia

– Os media principais da Alemanha ocultam críticas à sua submissão aos EUA

– A sua entrevista têve de ser publicada numa revista feminina!

Gen. Erich Vad [*] -- entrevistado por Annika Ross

Sr. Vad, o que pensa da entrega dos Leopard à Ucrânia que o chanceler Scholz acaba de anunciar? [NR]
Isto é uma escalada militar, também na percepção dos russos – ainda que nem Martens nem Leopards sejam balas de prata. As entregas de tanques não mudará a situação militar geral no longo prazo. Mas nós estamos a deslizar para baixo. Isto poderia desenvolver um impulso por si mesmo que não pudéssemos mais controlar. É claro que foi e é certo apoiar a Ucrânia e é claro que o ataque de Putin infringe o direito internacional – as agora as consequências devem finalmente ser consideradas!

E o que poderiam ser as consequências?
Quer alcançar uma disposição para negociar com as entregas dos tanques? Quer reconquistar o Donbass ou a Crimeia? Ou quer derrotar a Rússia completamente? Não há uma definição realista o estado final. E sem uma política geral e um conceito estratégico, entregas de armas são puro militarismo.

O que significa isso?
Temos um impasse operacional, o qual não podemos resolver militarmente. Incidentalmente, esta é também a opinião do Chefe do Estado Maior americano, Mark Milley. Ele disse que a vitória militar da Ucrânia não é expectável e que negociações são o único caminho possível. Qualquer outra coisa é um desperdício sem sentido de vidas humanas.

O General Milley causou um bocado de perturbação em Washington com a sua declaração e foi fortemente criticado em público.
Ele falou uma verdade inconfortável. Uma verdade que, a propósito, mal foi publicada nos media alemães. A entrevista de Milley à CNN não apareceu em nenhum lugar de destaque, quando ele é o chefe do Estado Maior da nossa principal potência ocidental. O que está a decorrer na Ucrânia é uma guerra de atrito. E uma guerra com quase 200 mil soldados mortos e feridos de ambos os lados, com 50 mil civis mortos e com milhões de refugiados. Milley traçou um paralelo com a I Guerra Mundial que não poderia ser mais correto. Durante a I Guerra Mundial, o chamado “Moinho de sangue de Verdun”, o qual foi concebido como uma batalha de atrito, levou às mortes de quase um milhão de jovens franceses e alemães. Eles tombaram para nada. Assim, a recusa a negociar das partes em guerra levaram a milhões de mortes adicionais. Esta estratégia não funcionou militarmente então – e tão pouco funcionará hoje.

O sr. tem sido atacado por apelar a negociações.
Sim, assim como o Inspetor Geral das Forças Armadas Alemãs, General Eberhard Zorn, que, tal como eu, advertiu contra a super-estimação das ofensiva regionalmente limitadas dos ucranianos nos meses de verão. Peritos militares – quem sabe o que está a acontecer entre os serviços secretos, o que se passa no terreno e o que a guerra realmente significa – são amplamente excluídos do discurso. Eles não se encaixam na formação de opinião promovida pelos media. Estamos em grande medida a experimentar uma sincronização dos media que nunca senti antes na República Federal da Alemanha. Isto é pura fabricação de opinião. E não por conta do estado, como é conhecido em regimes totalitários, mas por pura auto-delegação de poder (self-empowerment).

Eles estão a ser atacados em toda a linha pelos media, desde o Bild até o FAZ e a Spiegel, e com eles as 500 mil pessoas que assinaram a carta aberta ao chanceler iniciada pela Alice Schwarzer.
Assim é. Felizmente, Alice Schwarzer tem o seu próprio meio independente para poder lançar este discurso. Ele provavelmente não teria funcionado nos media principais. A maioria da população está há muito tempo, de acordo com o inquérito mais recente, contra novas entregas de armas. Contudo, nada disto é relatado. Em grande medida já não há mais um discurso justo e aberto sobre a guerra da Ucrânia e acho isso muito perturbante. Isso me mostra quão certo estava Helmut Schmidt. Numa conversação com a chanceler Merkel, ele disse: a Alemanha é e continuará a ser uma nação ameaçada.

Como avalia a política da ministra dos Negócios Estrangeiros?
Operações militares devem sempre ir a par de tentativas de promover soluções políticas. A unidimensionalidade da atual política externa é difícil de suportar. Ela está muito fortemente focada nas armas. A principal tarefa da política externa é e continua a ser a diplomacia, a reconciliação de interesses, o entendimento e a gestão de conflitos. Sinto falta disso aqui. Fico feliz por termos finalmente uma ministra dos Negócios Estrangeiros na Alemanha, mas não basta apenas usar a retórica da guerra e andar por Kiev ou o Donbass com um capacete e um colete à prova de bala. Isso é muito pouco.

Baerbock é membro do Verdes, o antigo partido da paz.
Não entendo a mutação dos Verdes, de partido pacifista para partido da guerra. Eu próprio não sei de qualquer Verde que tenha sequer feito o serviço militar. Para mim, Anton Hofreiter é o melhor exemplo deste duplo padrão. Antje Vollmer, por outro lado, que eu não contaria entre os Verdes “originais”, chama as coisas pelos seus nomes. E o facto de que um único partido tenha tanta influência política que possa manobrar-nos para uma guerra é muito preocupante.

Se o chanceler Scholz o houvesse tomado do seu antecessor e o senhor ainda fosse conselheiro militar do chanceler, que conselho lhe daria em Fevereiro de 2022?
Eu o teria aconselhado a apoiar militarmente a Ucrânia, mas de uma maneira medida e prudente a fim de evitar efeitos de deslizamento para uma parte em conflito. E o teria aconselhado a influenciar o nosso mais importante aliado político, os EUA. Porque a chave para resolver a guerra jaz em Washington e Moscovo. Gostei do curso do chanceler nos últimos meses. Mas os Verdes, o FDP e a oposição burguesa estão a aplicar demasiada pressão – ladeada por uma música mediática em grande prte unânime – que o chanceler dificilmente pode absorvê-la.

E se o Leopard também for entregue?
Então surge mais uma vez a questão do que aconteceria com as entregas dos tanques. Para dominar a Crimeia ou o Donbass, os Martens e Leopards não são suficientes. No leste da Ucrânia, na área de Bakhmut, os russos estão a avançar claramente. Eles provavelmente conquistarão completamente o Donbass em pouco tempo. Basta considerar a superioridade numérica dos russos sobre a Ucrânia. A Rússia pode mobilizar mais de dois milhões de reservistas. O ocidente pode enviar 100 Martens e 100 Leopards para lá, mas eles não mudarão em nada a situação militar geral. E a questão mais importante é como acabar um tal conflito com uma potência nuclear pronta para a guerra – recorde que a potência nuclear mais poderosa do mundo! – sem entrar numa terceira guerra mundial.

O argumento é que Putin não quer negociar e que ele precisa ser colocado no seu lugar para impedi-lo de devastar a Europa.
É verdade que se deve assinalar aos russos: até aqui e não mais! Tal guerra de agressão não deve estabelecer um precedente. Portanto é correto que a NATO esteja a aumentar sua presença militar no leste que a Alemanha esteja envolvida. Mas que Putin não queira negociar é inacreditável. Tanto os russos como os ucranianos estavam prontos para um acordo de paz no começo da guerra, no fim de Março e princípio de Abril de 2022. Então nada aconteceu. Finalmente, durante a guerra, o acordo dos cereais foi finalmente negociado pelos russos e ucranianos com o envolvimento das Nações Unidas.

Agora a morte continua.
Você pode continuar a desgastar os russos, o que significa centenas de milhares de mortos – mas de ambos os lados. E isto significa mais destruição da Ucrânia. O que resta deste país? Ele será arrasado. Em última análise, isso tão pouco é uma opção para a Ucrânia. A chave para a resolução do conflito não está em Kiev, nem em Berlim, Bruxelas ou Paris, está em Washington e Moscovo. É ridículo dizer que a Ucrânia tem de decidir isso.

Com esta interpretação, na Alemanha alguém é logo considerado um teórico da conspiração...
Eu próprio sou um trans-atlantista convicto. Digo-lhe honestamente, em caso de dúvida, prefiro viver sob uma hegemonia americana do que sob uma hegemonia russa ou chinesa. Esta guerra inicialmente foi apenas um conflito político interno na Ucrânia. Ela começou em 2014 entre grupos étnicos que falavam russo e os próprios ucranianos. Assim, era uma guerra civil. Agora, após a invasão da Rússia, tornou-se uma guerra interestatal entre a Ucrânia e a Rússia. É também uma luta pela independência da Ucrânia e da sua integridade territorial. Tudo bem. Mas não é toda a verdade. É também uma guerra por procuração (proxy) entre os EUA e a Rússia e acerca de interesses geopolíticos muito específicos na região do Mar Negro.

Seria?
A região do Mar Negro é tão importante para os russos e a sua frota quanto o Caribe ou a região do Panamá para os Estados Unidos. Tão importante quanto o Mar do Sul da China e Formosa para a China. Tão importante quanto a zona de proteção da Turquia, que eles estabeleceram contra os curdos em violação do direito internacional. Contra este pano de fundo e por razões estratégicas, os russos não podem sair de lá. Independentemente do facto de que num referendo a população da Crimeia certamente votaria pela Rússia.

Então como é que isto vai continuar?
Se os russos fossem forçados a retirar-se da região do Mar Negro pela intervenção ocidental maciça, eles certamente recorreriam a armas nucleares antes de abandonar o cenário mundial. Acho ingénuo acreditar que um ataque nuclear por parte da Rússia nunca aconteceria. De acordo com o lema “Eles estão a fazer bluff”.

Mas qual poderia ser a solução?
Alguém deveria simplesmente perguntar às pessoas na região, isto é, no Donbass e na Crimeia, a quem elas querem pertencer. Seria preciso restaurar a integridade territorial da Ucrânia, com certas garantias ocidentais. E os russos também precisam de uma tal garantia de segurança. Portanto, nada de adesão à NATO para a Ucrânia. Desde a cimeira de Bucareste, em 2008, ficou claro que esta é a linha vermelha russa.

E o que pensa que a Alemanha pode fazer?
Devemos dosear nosso apoio militar de modo a que não deslizemos para uma Terceira Guerra Mundial. Nenhum daqueles que foram à guerra com entusiasmo em 1914 pensou depois que isto havia sido a coisa certa a fazer. Se o objetivo é uma Ucrânia independente, deve-se também perguntar como deve ser uma ordem europeia que inclua a Rússia. A Rússia não desaparecerá simplesmente do mapa. Devemos evitar empurrar os russos para os braços dos chineses, mudando assim a ordem multipolar em nossa desvantagem. Também precisamos da Rússia como uma potência dirigente de um estado multinacional a fim de evitar a intensificação de combates e guerra. E para ser honesto, não vejo a Ucrânia a tornar-se membro da UE e certamente não um membro da NATO. Na Ucrânia, como na Rússia, temos altos níveis de corrupção e domínio de oligarcas. O que nós na Turquia – corretamente – denunciamos em termos de estado de direito, também temos de fazê-lo na Ucrânia.

O que pensa, Sr. Vad, do que nos espera em 2023?
Uma frente mais vasta pela paz deve ser construída em Washington. E este ativismo sem sentido na política alemã deve finalmente chegar ao fim. Caso contrário, ao acordarmos numa manhã estaremos no meio da Terceira Guerra Mundial.

12/Janeiro/2023

[NR] O Washington Post informa que o anúncio da entrega de tanques Abrams M1 à Ucrânia é uma trapaça feita pelo governo Biden para dar cobertura política a Scholz. A entrega dos tanques americanos seria num futuro nebuloso ao passo que a entrega dos tanques Leopard deverá ser imediata.

[*] General de Brigada (R).

O original encontra-se em www-emma-de.translate.goog/artikel/erich-vad-was-sind-die-kriegsziele-340045?_x_tr_sl=de&_x_tr_tl=en&_x_tr_hl=en&_x_tr_pto=wapp

Esta entrevista encontra-se em resistir.info

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