– General alemão manifesta-se de modo claro e público contra a entrega de tanques Leopard à Ucrânia
– Os media principais da Alemanha ocultam críticas à sua submissão aos EUA
– A sua entrevista têve de ser publicada numa revista feminina!
Gen. Erich Vad [*] -- entrevistado por Annika Ross
Sr. Vad, o que pensa da entrega
dos Leopard à Ucrânia que o chanceler Scholz acaba de anunciar? [NR]
Isto é uma escalada militar, também na percepção dos russos – ainda que nem
Martens nem Leopards sejam balas de prata. As entregas de tanques não mudará a
situação militar geral no longo prazo. Mas nós estamos a deslizar para baixo.
Isto poderia desenvolver um impulso por si mesmo que não pudéssemos mais
controlar. É claro que foi e é certo apoiar a Ucrânia e é claro que o ataque de
Putin infringe o direito internacional – as agora as consequências devem
finalmente ser consideradas!
E o que poderiam ser as
consequências?
Quer alcançar uma disposição para negociar com as entregas dos tanques? Quer
reconquistar o Donbass ou a Crimeia? Ou quer derrotar a Rússia completamente?
Não há uma definição realista o estado final. E sem uma política geral e um
conceito estratégico, entregas de armas são puro militarismo.
O que significa isso?
Temos um impasse operacional, o qual não podemos resolver militarmente.
Incidentalmente, esta é também a opinião do Chefe do Estado Maior americano,
Mark Milley. Ele disse que a vitória militar da Ucrânia não é expectável e que
negociações são o único caminho possível. Qualquer outra coisa é um desperdício
sem sentido de vidas humanas.
O General Milley causou um bocado
de perturbação em Washington com a sua declaração e foi fortemente criticado em
público.
Ele falou uma verdade inconfortável. Uma verdade que, a propósito, mal foi
publicada nos media alemães. A entrevista de Milley à CNN não apareceu em
nenhum lugar de destaque, quando ele é o chefe do Estado Maior da nossa
principal potência ocidental. O que está a decorrer na Ucrânia é uma guerra de
atrito. E uma guerra com quase 200 mil soldados mortos e feridos de ambos os lados,
com 50 mil civis mortos e com milhões de refugiados. Milley traçou um paralelo
com a I Guerra Mundial que não poderia ser mais correto. Durante a I Guerra
Mundial, o chamado “Moinho de sangue de Verdun”, o qual foi concebido como uma
batalha de atrito, levou às mortes de quase um milhão de jovens franceses e
alemães. Eles tombaram para nada. Assim, a recusa a negociar das partes em
guerra levaram a milhões de mortes adicionais. Esta estratégia não funcionou
militarmente então – e tão pouco funcionará hoje.
O sr. tem sido atacado por apelar
a negociações.
Sim, assim como o Inspetor Geral das Forças Armadas Alemãs, General Eberhard
Zorn, que, tal como eu, advertiu contra a super-estimação das ofensiva
regionalmente limitadas dos ucranianos nos meses de verão. Peritos militares –
quem sabe o que está a acontecer entre os serviços secretos, o que se passa no
terreno e o que a guerra realmente significa – são amplamente excluídos do
discurso. Eles não se encaixam na formação de opinião promovida pelos media. Estamos
em grande medida a experimentar uma sincronização dos media que nunca senti
antes na República Federal da Alemanha. Isto é pura fabricação de opinião. E
não por conta do estado, como é conhecido em regimes totalitários, mas por pura
auto-delegação de poder (self-empowerment).
Eles estão a ser atacados em toda
a linha pelos media, desde o Bild até o FAZ e a Spiegel, e
com eles as 500 mil pessoas que assinaram a carta aberta ao chanceler iniciada pela Alice
Schwarzer.
Assim é. Felizmente, Alice Schwarzer tem o seu próprio meio independente para
poder lançar este discurso. Ele provavelmente não teria funcionado nos media
principais. A maioria da população está há muito tempo, de acordo com o
inquérito mais recente, contra novas entregas de armas. Contudo, nada disto é
relatado. Em grande medida já não há mais um discurso justo e aberto sobre a
guerra da Ucrânia e acho isso muito perturbante. Isso me mostra quão certo
estava Helmut Schmidt. Numa conversação com a chanceler Merkel, ele disse: a
Alemanha é e continuará a ser uma nação ameaçada.
Como avalia a política da
ministra dos Negócios Estrangeiros?
Operações militares devem sempre ir a par de tentativas de promover soluções
políticas. A unidimensionalidade da atual política externa é difícil de
suportar. Ela está muito fortemente focada nas armas. A principal tarefa da
política externa é e continua a ser a diplomacia, a reconciliação de
interesses, o entendimento e a gestão de conflitos. Sinto falta disso aqui.
Fico feliz por termos finalmente uma ministra dos Negócios Estrangeiros na
Alemanha, mas não basta apenas usar a retórica da guerra e andar por Kiev ou o
Donbass com um capacete e um colete à prova de bala. Isso é muito pouco.
Baerbock é membro do Verdes, o
antigo partido da paz.
Não entendo a mutação dos Verdes, de partido pacifista para partido da guerra.
Eu próprio não sei de qualquer Verde que tenha sequer feito o serviço militar.
Para mim, Anton Hofreiter é o melhor exemplo deste duplo padrão. Antje Vollmer,
por outro lado, que eu não contaria entre os Verdes “originais”, chama as
coisas pelos seus nomes. E o facto de que um único partido tenha tanta
influência política que possa manobrar-nos para uma guerra é muito preocupante.
Se o chanceler Scholz o houvesse
tomado do seu antecessor e o senhor ainda fosse conselheiro militar do
chanceler, que conselho lhe daria em Fevereiro de 2022?
Eu o teria aconselhado a apoiar militarmente a Ucrânia, mas de uma maneira
medida e prudente a fim de evitar efeitos de deslizamento para uma parte
E se o Leopard também for
entregue?
Então surge mais uma vez a questão do que aconteceria com as entregas dos
tanques. Para dominar a Crimeia ou o Donbass, os Martens e Leopards não são
suficientes. No leste da Ucrânia, na área de Bakhmut, os russos estão a avançar
claramente. Eles provavelmente conquistarão completamente o Donbass em pouco
tempo. Basta considerar a superioridade numérica dos russos sobre a Ucrânia. A
Rússia pode mobilizar mais de dois milhões de reservistas. O ocidente pode
enviar 100 Martens e 100 Leopards para lá, mas eles não mudarão em nada a
situação militar geral. E a questão mais importante é como acabar um tal conflito
com uma potência nuclear pronta para a guerra – recorde que a potência nuclear
mais poderosa do mundo! – sem entrar numa terceira guerra mundial.
O argumento é que Putin não quer
negociar e que ele precisa ser colocado no seu lugar para impedi-lo de devastar
a Europa.
É verdade que se deve assinalar aos russos: até aqui e não mais! Tal guerra de
agressão não deve estabelecer um precedente. Portanto é correto que a NATO
esteja a aumentar sua presença militar no leste que a Alemanha esteja
envolvida. Mas que Putin não queira negociar é inacreditável. Tanto os russos
como os ucranianos estavam prontos para um acordo de paz no começo da guerra,
no fim de Março e princípio de Abril de 2022. Então nada aconteceu. Finalmente,
durante a guerra, o acordo dos cereais foi finalmente negociado pelos russos e
ucranianos com o envolvimento das Nações Unidas.
Agora a morte continua.
Você pode continuar a desgastar os russos, o que significa centenas de milhares
de mortos – mas de ambos os lados. E isto significa mais destruição da Ucrânia.
O que resta deste país? Ele será arrasado. Em última análise, isso tão pouco é
uma opção para a Ucrânia. A chave para a resolução do conflito não está em
Kiev, nem em Berlim, Bruxelas ou Paris, está em Washington e Moscovo. É ridículo
dizer que a Ucrânia tem de decidir isso.
Com esta interpretação, na
Alemanha alguém é logo considerado um teórico da conspiração...
Eu próprio sou um trans-atlantista convicto. Digo-lhe honestamente, em caso de
dúvida, prefiro viver sob uma hegemonia americana do que sob uma hegemonia
russa ou chinesa. Esta guerra inicialmente foi apenas um conflito político
interno na Ucrânia. Ela começou em 2014 entre grupos étnicos que falavam russo
e os próprios ucranianos. Assim, era uma guerra civil. Agora, após a invasão da
Rússia, tornou-se uma guerra interestatal entre a Ucrânia e a Rússia. É também
uma luta pela independência da Ucrânia e da sua integridade territorial. Tudo
bem. Mas não é toda a verdade. É também uma guerra por procuração (proxy) entre
os EUA e a Rússia e acerca de interesses geopolíticos muito específicos na
região do Mar Negro.
Seria?
A região do Mar Negro é tão importante para os russos e a sua frota quanto o
Caribe ou a região do Panamá para os Estados Unidos. Tão importante quanto o
Mar do Sul da China e Formosa para a China. Tão importante quanto a zona de
proteção da Turquia, que eles estabeleceram contra os curdos em violação do
direito internacional. Contra este pano de fundo e por razões estratégicas, os
russos não podem sair de lá. Independentemente do facto de que num referendo a
população da Crimeia certamente votaria pela Rússia.
Então como é que isto vai
continuar?
Se os russos fossem forçados a retirar-se da região do Mar Negro pela
intervenção ocidental maciça, eles certamente recorreriam a armas nucleares
antes de abandonar o cenário mundial. Acho ingénuo acreditar que um ataque
nuclear por parte da Rússia nunca aconteceria. De acordo com o lema “Eles estão
a fazer bluff”.
Mas qual poderia ser a solução?
Alguém deveria simplesmente perguntar às pessoas na região, isto é, no Donbass
e na Crimeia, a quem elas querem pertencer. Seria preciso restaurar a
integridade territorial da Ucrânia, com certas garantias ocidentais. E os
russos também precisam de uma tal garantia de segurança. Portanto, nada de
adesão à NATO para a Ucrânia. Desde a cimeira de Bucareste, em 2008, ficou
claro que esta é a linha vermelha russa.
E o que pensa que a Alemanha pode
fazer?
Devemos dosear nosso apoio militar de modo a que não deslizemos para uma
Terceira Guerra Mundial. Nenhum daqueles que foram à guerra com entusiasmo em
1914 pensou depois que isto havia sido a coisa certa a fazer. Se o objetivo é
uma Ucrânia independente, deve-se também perguntar como deve ser uma ordem
europeia que inclua a Rússia. A Rússia não desaparecerá simplesmente do mapa.
Devemos evitar empurrar os russos para os braços dos chineses, mudando assim a
ordem multipolar em nossa desvantagem. Também precisamos da Rússia como uma
potência dirigente de um estado multinacional a fim de evitar a intensificação
de combates e guerra. E para ser honesto, não vejo a Ucrânia a tornar-se membro
da UE e certamente não um membro da NATO. Na Ucrânia, como na Rússia, temos
altos níveis de corrupção e domínio de oligarcas. O que nós na Turquia – corretamente
– denunciamos em termos de estado de direito, também temos de fazê-lo na
Ucrânia.
O que pensa, Sr. Vad, do que nos
espera em 2023?
Uma frente mais vasta pela paz deve ser construída
12/Janeiro/2023
[NR] O Washington Post informa que o anúncio da entrega de tanques Abrams M1 à Ucrânia é uma trapaça feita pelo governo Biden para dar cobertura política a Scholz. A entrega dos tanques americanos seria num futuro nebuloso ao passo que a entrega dos tanques Leopard deverá ser imediata.
[*] General de Brigada (R).
O original encontra-se em www-emma-de.translate.goog/artikel/erich-vad-was-sind-die-kriegsziele-340045?_x_tr_sl=de&_x_tr_tl=en&_x_tr_hl=en&_x_tr_pto=wapp
Esta entrevista encontra-se em resistir.info
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