sábado, 18 de março de 2023

Angola | MEIA CUCA E MEIAS DOSES DE VERDADE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A cerveja de barril é crua e se não for bem tratada vira um xarope intragável. A fábrica de Manoel Vinhas deu aos bebedores moderados uma alternativa aos “finos” lançando a garrafa de “meia cuca”. Um achado. Quem antes bebia garrafas de litro, passou a consumir aquelas garrafinhas gordinhas e sem pescoço. Claro que alguns bebedores deitavam abaixo uma grade inteira, a poupar. Mas foi um grande sucesso. 

A meia cuca continua a ser uma instituição ao dispor dos bebedores. O mercado da comunicação social ganhou meias doses de verdade. E essa inovação está a demolir o pilar da Comunicação Social. Em breve não fica pedra sobre pedra. A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) serviu meia dose de verdade ao apelar ao Presidente da República “que ordene ao ministro tutelar da comunicação social que esclareça quais os fundamentos legais que impedem a Camunda News e similares de exercerem o direito de informar”.

Esta meia dose é altamente indigesta. Porque a AJPD faz uma afirmação mentirosa, manipuladora e provocatória. Ninguém impediu a Camunda News de exercer o direito de informar. Mentira. Falso. 

Em declarações à Lusa (agência oficiosa da UNITA), David Boio, “dono” do portal disse que “fui chamado às autoridades para ser ouvido como declarante por causa de um programa do activista social ‘Gangsta’, acusado pelas autoridades de associação criminosa, instigação à rebelião, instigação à desobediência civil e ultraje ao Presidente da República”.

A dose é essa: Um “activista social” teve intervenções na Camunda News que as autoridades titulares da investigação e acção penal concluíram que configuram crimes graves como associação criminosa, instigação à rebelião ou instigação à desobediência civil”. Ninguém informa cometendo crimes graves. Ninguém honra o Jornalismo servindo-se dos Media para actividades criminosas que violam direitos protegidos pela Constituição da República. 

O “dono” da Camunda News revelou o menu à Lusa: “Eles chamaram-me para ir ao Serviço de Investigação Criminal (SIC) como declarante. Lá fui, mas eles na prática, mais do que estar a fazer questões sobre o tal processo, fizeram questões sobre o nosso portal”. Este ainda não sabe que se quer comer o dinheiro dos donos tem de assumir responsabilidades. Se um “activista social” comete crimes no seu portal, ele também responde. E sim, as autoridades têm o direito de saber o que é realmente aquele veículo dos crimes.

A meia dose de verdade também foi servida pela organização não-governamental OMUNGA. Leiam: "Foi com muita tristeza que a OMUNGA tomou conhecimento sobre o possível cancelamento do canal de TV digital da Camunda News na plataforma YouTube e demais redes sociais, ou seja, a Camunda News vai deixar de produzir e emitir conteúdos de natureza informativa e política por um período indeterminado”. Estão a ver onde está a meia dose? Se é verdade que “a Camunda News vai deixar de produzir e emitir conteúdos de natureza informativa e política”, isso nada tem a ver com uma decisão judicial. Foi o “dono” que assim decidiu. Ele lá sabe porquê.

A tutela também nada tem a ver com a decisão do “dono” da Camunda News. O diretor nacional de Informação do MTTICS, João Demba, desmentiu liminarmente que tivesse havido qualquer intervenção no processo dos serviços do ministério. Nem tinha que ter. Mas a dose completa da verdade não interessou. Assim vai a Liberdade de Imprensa. Foi transformada numa arma de arremesso contra o Jornalismo.

Mais uma meia dose de verdade. Talangongo Okola defendeu no portal da Irmandade Africâner e dos seus tentáculos que  “Angola precisa de novos actores políticos, comprometidos com bem comum a todos os níveis. Isto significa que esses actores têm de ser competentes; isto é, devem ter a capacidade de liderar um povo que nada tem a perder. Fora do MPLA, o homem com tais habilidades, chama-se Kamalata Numa”.

Leiam mais esta parte: “Kamalata Numa é a pessoa  certa para Angola que se quer mudar. Para uma nova Angola, longe do MPLA e de todas as suas artimanhas, somente Kamalata Numa teria coragem.  Numa, é destemido, frontal, líder e inteligente para repor a legalidade democrática em Angola. Ė dotado de coragem acima da média”.

A dose completa da verdade é esta. Abílio Kamalata Numa é um criminoso de guerra. Se for necessário eu faço uma lista dos seus crimes mais graves. Abílio Kamalata Numa é um desertor recalcitrante. Quando serviu as forças armadas do regime racista da África do Sul desertava dos locais dos combates e colocava-se a dezenas de quilómetros. Só aparecia para a fotografia quando tudo estava acabado. Se quiserem, dou os números das páginas e os títulos dos livros de autores sul-africanos onde esse comportamento é relatado. 

Abílio Kamalata Numa estava no acampamento de Jonas Savimbi quando acabou a sua longa carreira de criminoso de guerra. Ele fugiu antes da chegada das FAA e só se apresentou quando já estava perdoado dos seus crimes e para receber as estrelas e mordomias de general das FAA. A UNITA vai de mal (Adalberto da Costa júnior) a pior (Abílio Kamalata Numa). Cuidado com as meias doses de verdade!

Manuel Rui Monteiro escreve esta meia dose de verdade no Jornal de Angola: “No Governo de Transição, o MPLA propôs a celebração popular do 1º de Maio. Era a primeira vez depois do jugo colonial. E o Conselho de Ministros votou contra sob a batuta do alto-comissário, um hipocondríaco sempre a fumar (…) num nojento calhamaço atira-se a mim que havia estudado na União Soviética para preparar sublevações, (…) Saí disparado do conselho e fui directamente falar com Agostinho Neto. Vá de imediato procurar o Alberto Van-Dúnem (O Beto) para ele organizar uma boa manifestação pacífica, fale também com o Resende das Comissões de Bairro. E foi um 1º de Maio que nunca vou esquecer”. 

Cuidado com a falta de rigor. O general Silva Cardoso não era apenas o “alto-comissário” mas também o presidente do Colégio Presidencial, integrado por Lopo do Nascimento (MPLA, Jonny Pinock Eduardo (FNLA) e José Ndele (UNITA).

A manifestação do 1º de Maio de 1975 não foi a primeira depois do jugo colonial. A primeira foi em 1974. Os trabalhadores foram mobilizados através da distribuição de panfletos e boca a boca pelos activistas do MPLA. A concentração foi na Mutamba. À frente estavam duas mulheres com uma grande tarja onde se lia: Viva Angola Livre e Independente”. As duas manifestantes eram Rita Lara (prima der Lúcio Mara) e Maria Orquídea, professora e farmacêutica, directora da farmácia Orquídea no Bairro Popular. Chegou a polícia e prendeu as duas. Os manifestantes marcharam para o Palácio da Cidade Alta e exigiram a libertação das manifestantes. O que aconteceu duas horas depois. A família Lara sempre nos momentos quentes da luta pela liberdade.

Manuel Rui Monteiro considera-se difamado porque o general Silva Cardoso escreveu um livro onde afirma que ele estudou na União Soviética. Não me parece que essa imprecisão tenha a ver com difamação. Ele é que sabe. Para quem quer que Nossa Senhora converta a Rússia, pode ser que sim. Mas a dose completa da verdade é esta: Quase todos os nossos generais que venceram todas as guerras em todas as frentes estudaram na União Soviética. O Presidente da República, João Lourenço, estudou na União Soviética. Não acredito que se sintam difamados por eu dar esta informação.

A parte mais complicada tem a ver com a meia dose da organização da manifestação do 1º de Maio de 1975. Não sei se Manuel Rui Monteiro, ministro da Informação do Governo de Transição, foi ter com Agostinho Neto depois da reunião do conselho de ministros. Não sei o que ambos disseram. Mas sei que a histórica manifestação do 1º de Maio de 1975 foi organizada pelo Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro e pelos comités Amílcar Cabral (CAC) e Henda. Foram as estruturas do Poder Popular que puseram aquela multidão na rua.

Servir meia dose de verdade sobre este acontecimento tem pelo menos um problema. Um dos activistas desse 1º de Maio foi Filomeno Vieira Lopes, então dirigente dos CAC. Afastá-lo da manifestação e sua organização é retirar gravidade ao seu papel de apêndice da UNITA que hoje assume. Não. O Filomeno Vieira Lopes, um dos organizadores desse 1º de Maio sob a bandeira do MPLA, ao aceitar ser hoje um apêndice da UNITA entrou voluntariamente na minha lista de leprosos morais. Tem um percurso político asqueroso.

*Jornalista

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