Daniel Oliveira* | TSF | opinião
O que explica o encarecimento do custo de vida? Pode apontar-se os abusos "aqui e ali" dos supermercados, onde o preço de muitos produtos disparou muito acima de 20% de inflação; podem culpar-se os "impostos, como dizem sempre alguns, seja qual for o assunto", mas "Espanha pôs o IVA a 0% para bens essenciais e uns ficaram ao mesmo preço, outros ainda subiram mais".
Para Daniel Oliveira, "quando aumenta é generalizado e sempre muito acima da inflação geral não é possível que as explicações sejam tão variadas". Certo é que "o dinheiro foi parar ao bolso de alguém, mas não foi ao dos consumidores."
No seu espaço de opinião semanal na antena da TSF, Daniel Oliveira assume que os custos de produção e distribuição aumentaram, mas questiona porque é que esse aumento está a ser transferido integralmente para os consumidores.
"Como se explica que as grandes superfícies, as energéticas ou a banca tenham simpáticas margens de lucro? Não seria normal que lhes acontecesse o que acontece a outras empresas, que assumem uma parte desses custos, reduzindo as suas margens ou pelo menos mantendo essas margens estáveis?", questiona.
A resposta, afirma o jornalista, foi reconhecida pelo Banco Central Europeu, que descobriu, "seguramente sem espanto, que o aumento das margens de lucros tem um peso relevante na inflação" e "que o aumento dos custos, em vez de contrair essas margens, as dilatou".
"Não apenas esse aumento de custos está a ser exclusivamente refletido nos consumidores finais, como ainda pagamos por cima o aumento dos lucros", aponta Daniel Oliveira. E "o que pode o aumento das taxas de juro contra isto? rigorosamente nada".
O que acaba por acontecer em Portugal, é que "com os mais pobres a serem esmagados pela inflação descontrolada dos produtos alimentares e a classe média a ser esmifrada com o aumento das taxas de juro, enquanto os lucros das distribuidoras e da banca disparam, assistimos a uma transferência de dinheiro de baixo para cima".
Apesar de o BCE reconhecer que os salários não estão a contribuir significativamente para a inflação, enquanto os lucros estão a contribuir muito, "Christine Lagarde referiu 14 vezes os salários e apenas uma a margem de lucro numa das suas últimas conferências de imprensa". A explicação é simples, nota Daniel Oliveira: "Apesar de ter o poder de definir políticas monetárias e financeiras, a presidente do BCE responde a quem tem poder - e quem tem poder vive das margens de lucro, não vive dos salários".
Por sua vez, o vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, "que como Lagarde tem uma carreira política em governos da direita liberal", (...) alertou para os excessos de exigência dos sindicatos". "Os trabalhadores estão a perder salário real, os lucros estão a aumentar, mas o problema é os sindicatos pedirem demais", ironiza Daniel Oliveira.
Para o comentador, "estamos a viver a primeira grande crise inflacionista depois da queda do poder sindical na Europa, resultado das políticas de liberalização do mercado de trabalho, que não por acaso, pessoas como Guindos e Lagarde defenderam nos seus governos".
Isto quando na década de 1970 os trabalhadores europeus ficavam com 70% do produto, e os lucros levavam pouco mais de 20%. Hoje ficam com 56% e os lucros levam mais de um terço e o caminho daqui para a frente será ainda pior, alerta Daniel Oliveira. "A não ser que quem vive do seu salário volte a perceber que sozinho nada pode exigir. Que o desprezo que tem pelos sindicatos foi incutido por quem o quer ver assim, de mãos e pés atados".
Texto: Carolina Rico
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