Mais uma vez, o que ficou verdadeiramente exposto foram as taras da gestão privada e o facto de a TAP ter sido sempre gerida como se de uma empresa privada se tratasse.
A audição a Alexandra Reis deixou
perfeitamente claro que esta nunca deixou de se considerar numa empresa
privada. Tendo sido contratada para directora da TAP durante a gestão privada
(com um ordenado mensal de 12 mil euros) e tendo sido cooptada (primeiro) e
eleita (depois) para a administração da TAP por proposta do accionista privado
(com um salário base de 25 mil euros), Alexandra Reis (o Governo e a restante
administração) escolheu ignorar que a 2 de Outubro de
A «defesa» de Alexandra Reis assentou no facto de o apoio jurídico que recebeu não a ter alertado para as implicações de tal decisão. Como a ignorância da lei não justifica a sua violação, falta validade a esta «defesa». Mas falta também muita credibilidade, principalmente vindo de alguém que, como reconheceu ontem, leu o Decreto-Lei 39B-2020 quando foi publicado, onde se explicitavam as obrigações e excepções a que a TAP ficava obrigada. Por outro lado, três meses depois, assim que chegou à NAV, pediu para assinar o tal contrato de gestão pública que nunca assinou na TAP, considerando uns meses depois estar habilitada a aceitar a tarefa de supervisionar as 143 empresas do Sector Empresarial Público na Secretaria de Estado do Tesouro.
Mais uma vez, o que ficou verdadeiramente exposto foram as taras da gestão privada e o facto de a TAP ter sido sempre gerida como se de uma empresa privada se tratasse. Os gestores da TAP contratavam gabinetes e pareceres jurídicos uns atrás dos outros, gastando milhões de euros públicos, em vez de recorrerem aos serviços jurídicos da própria empresa, e faziam-no, entre outras razões, para afastar quaisquer responsabilidades futuras sobre si próprios. Aliás, como fizeram com a contratação de seguros de responsabilidade civil, usando o dinheiro público para se libertarem de qualquer responsabilidade pessoal. Mais uma vez, um comportamento perfeitamente usual nas empresas privadas, mas completamente ilegal numa empresa pública.
No dia em que se conheceram as indemnizações pagas aos administradores da Galp que saíram da empresa em 2022 (867 mil, 488 mil e 450 mil euros), toda a audição mostrou a saciedade que só o facto de a TAP ser uma empresa pública torna ilegal a indemnização de Alexandra Reis, que a mesma terá de devolver. O que não se entende são aqueles que pensam que a solução passa por privatizar a TAP, ou seja, por legalizar o que se quer impedir que aconteça.
É que se é importante que as empresas estratégicas sejam públicas, não é menos importante que a tutela dessas empresas, necessariamente exercida pelo poder político eleito pelos portugueses, se comporte à altura das responsabilidades que o povo lhes confiou, o que, manifestamente, não acontece com a TAP há demasiados anos.
A questão, introduzida por Bruno Dias, sobre a presidência da NAV, ilustra bem que esse problema não se reflecte apenas na TAP. É que antes de Alexandra Reis ser nomeada para presidente da NAV, a empresa esteve quase um ano sem presidente e reduzida a uma administração de dois membros, criando inúmeros problemas ao seu funcionamento. Após a saída de Alexandra Reis, a empresa voltou à mesma situação em que ainda permanece. Uma situação que parece não preocupar o Governo, nem a oposição (com excepção do PCP, que já colocou a questão diversas vezes), enquanto a comunicação social passa ao lado desta questão.
Entretanto, enquanto o povo é convidado a viver na espuma dos dias – basta ver a cobertura desta comissão de inquérito, centrada nos casos e com um guião dirigido no sentido de facilitar nova privatização da TAP – os problemas de fundo agravam-se e as suas causas são iludidas.
Este é o quarto de uma série de artigos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, cuja divulgação iniciámos esta segunda-feira, e que estão disponíveis aqui.
AbrilAbril | Na imagem: Alexandra Reis / António Cotrim / Agência Lusa
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