sábado, 13 de maio de 2023

Portugal | A FOME DESCARADA

Inês Cardoso | | TSF | opinião

Deixemos os números, que nos mostram que a percentagem de alunos abrangidos pela Ação Social Escolar está a aumentar desde 2020. Foquemo-nos nas leituras de quem diariamente se angustia com as dificuldades de quem bate à porta das escolas. Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, em declarações ao "Jornal de Notícias", fala de "pobreza encapotada" e explica que as refeições ou o apoio para material são "uma aspirina" que atenua as dores de muitas famílias.

Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional de Pais, não tem dúvidas de que as necessidades vão continuar a aumentar. E vale a pena ir aos detalhes, sem rosto mas ainda assim capazes de nos atingirem como um murro no estômago. Sílvia Vidinha, diretora de um agrupamento de escolas em Viana do Castelo, exemplifica o que é viver com a corda na garganta: "Tivemos uma aluna que faltava sempre que tinha período por não ter dinheiro para pensos higiénicos".

Atentas aos sinais de alerta, muitas escolas estão a reforçar campanhas de recolha de bens e entrega de cabazes, da mesma forma que há autarquias a ativar programas de emergência. Mas Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores, aponta uma medida de fundo que passa pela intervenção do Governo: a revisão do limiar de elegibilidade para que mais alunos sejam abrangidos pela ação social escolar. Vale a pena recuperar a frase deste dirigente, preto no branco: "É preciso ser muito pobre para se ter direito aos escalões A e B".

Há outra leitura que é preciso sempre recordar, quando se fala do contexto socioeconómico dos alunos. Esse contexto determina de forma decisiva os resultados, contribuindo para condicionar o trajeto e as aspirações das crianças e jovens. Os alunos com ação social escolar apresentam resultados mais baixos nas provas nacionais de 9º ano e nos exames do Secundário, em todas as disciplinas.

Voltemos então aos números, desta vez os que pintam de otimismo as análises do Governo e de alguns economistas. O PIB real cresceu 2,6% no primeiro trimestre do ano, quando comparado com o mesmo período do ano passado. A inflação segue em linha descendente, estando nos 5,7%. São boas notícias, claro. Não basta, contudo, que os quadros macroeconómicos nos demonstrem que há crescimento. É preciso que as famílias o sintam todos os meses, quando chega a altura de pagar a prestação da casa, de fazer as compras no supermercado, de acertar o passo com as contas.

Para quem minimiza os alertas ou as dúvidas quanto ao facto de os números da economia não estarem a chegar à vida dos portugueses, a resposta é simples. Está em evidências como esta, a de termos quase 40% da nossa população escolar a precisar de apoios. Perguntem a quem todos os dias, nas escolas, dá de caras com a carência oculta. Ou, pior, com a fome que nenhum subterfúgio ou estatística económica pode mascarar.

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