sábado, 3 de junho de 2023

Angola | CONFISSÕES SEM MARCA DE ORIGEM – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O venerando conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, em 2020 fez uma declaração que me deixou em estado de choque. Disse que há detidos, condenados, que podem ter de aguardar o acórdão dos seus recursos até 2027. Garantia aos detidos pelo menos sete anos de prisão. A não ser que a pena fosse menor e o calendário se encarregasse de lhe abrir as portas da prisão. Esta declaração tem tanto de corajosa como de inquietante. Reconhecer que a Justiça está nas mãos dos ponteiros do relógio é inquietante. Mas este reconhecimento partir do expoente máximo do Poder Judicial é de grande coragem.

Hoje Joel Leonardo anda nas bocas do mundo mas por outras razões. Está a ser vítima de gravíssimas violações da sua honra. A Procuradoria-Geral da República alimenta o massacre mediático de que é vítima, promovendo violações ao segredo de justiça. Até a Ordem dos Advogados de Angola colabora no festim. Espero que o venerando conselheiro presidente do Tribunal Supremo não tenha de ficar sete anos à espera de um acórdão, depois de condenado em primeira instância. Justiça não é vingança e até os vingativos têm direito à liberdade mesmo que a odeiam e espezinhem. 

O advogado Benja Satula fez uma declaração sobre a impunidade em Angola, que na época me surpreendeu pela coragem:

“Rapidamente saímos do oito e estamos a caminhar para o 80. Saímos de uma situação em que era gritante a impunidade e havia pessoas que eram completamente intocáveis, pessoas e negócios e setores da economia e da sociedade que eram impenetráveis. Hoje, estamos noutro extremo, estamos a julgar que tudo o que está ligado ao passado é mau e tem de ser combatido. Nisto, os Tribunais jogam um papel muito importante porque podemos entrar num absolutismo, num totalitarismo jurídico. Quem é constituído arguido é depois condenado porque estamos alinhados com o discurso do Presidente da República. E como estamos alinhados, não interessa se os prazos, os requisitos, os indícios estão preenchidos, basta a pessoa ser catalogada como corrupta. Corre-se o risco de o Tribunal não averiguar convenientemente, deixar a pessoa ficar detida e depois ser condenada”.

O Presidente da República disse ontem que não gostou do que viu nas obras do Hospital Pedalé. Hoje a TPA anunciou que uma empreiteira contratada para as obras foi afastada. Isto é assim? Não há contratos? Não há concursos? Não há compromissos? João Lourenço não é fiscal de obras. Não é mestre-de-obras. Sim, é Deus, mas que se saiba os deuses sabem pouco de construção civil. Na Mulher instalaram o parque de diversões mesmo ao lado do esgoto.

O empreiteiro é afastado depois de um inquérito técnico ao seu desempenho. E se os atrasos ou defeitos forem sua culpa, então parte-se para a rescisão do contrato. Como foi feito no Hospital Pedalé não pode. É absolutismo e indica o caminho perigosíssimo do totalitarismo jurídico. Digam isso a João Lourenço. Ele precisa de amigos e não de bajuladores.

Lisboa vai ser palco do lançamento do livro “Confissões de um Estadista” (José Eduardo dos Santos) dos autores Benja Satula e Solange Faria. O anúncio da obra diz que entre as confissões do anterior Presidente da República estão a guerra após 11 de Novembro de 1975, o 27 de Maio de 1977, as eleições de 1992, os “lobos ferozes que criou e ajudou a engordar”, a corrupção e outros temas palpitantes. O autor pôs a circular frases atribuídas ao estadista como esta: “Gostaria que me compreendessem, não é pura vaidade, mas é a dor que carrego, não ter permitido a união entre os meus filhos, o meu corpo pouco importa, a maior dor que carrego, é ver os meus filhos assim desavindos”. 

José Eduardo dos Santos fez as confissões aos autores, depois de morrer? É que as desavenças entre irmãos, a disputa do cadáver, apenas aconteceram depois da sua morte. Mais esta frase: “Aqui onde me encontro, a única coisa que anseio e desejo é ver os meus filhos unidos, o meu corpo não importa”. Premonição ou ficção? No mínimo, uma frase enigmática. Para não ser mais radical na qualificação. Tomei boa nota desta frase atribuída a José Eduardo dos Santos: “Abstenham-se de qualquer conflito que envolve o meu nome, não quero abrir feridas.” Esta parte sim, está mais de acordo com a sua personalidade. Foi sempre um homem de consensos e dava a vida pela paz e a concórdia.

Os autores, em vez de frases desgarradas das “confissões” deviam em primeiro lugar publicar um documento manuscrito onde o Presidente José Eduardo dos Santos declara que o conteúdo do livro é verdadeiro, corresponde a declarações suas e autorizou a publicação após a sua morte. Sem esse documento aquilo vale tanto como a carta da deputada Webba à grande família do MPLA.

O advogado Benja Satula corre o risco de ser considerado um impostor, um oportunista, por quem se sinta atingido pelas confissões do grande estadista angolano. E é pena porque a citação que fiz (extraída de uma entrevista que deu à Rádio Renascença) revela um homem honesto, lúcido e corajoso. Se fosse jornalista, tenho a certeza de que o livro nunca seria publicado. Salvo se o autor das confissões declarasse pelo seu punho, que tudo o que constava nas páginas da obra, correspondia ao que efectivamente disse. 

Os advogados têm argumentos que até o bom senso desconhece. Daí o livro. A única curiosidade que tenho é a quem vai servir a obra, além dos autores. Provavelmente não serve a ninguém. Mas pode ser mais uma acha atirada à fogueira do ressentimento, do ódio, da desconfiança, da vingança, da barbárie instalada no Poder Judicial. Correcção: As confissões do estadista servem e muito aos que apostaram em desmantelar a nossa Angola livre e independente. 

“A USAID não passa de uma agência da CIA para financiar os seus tentáculos e colaboracionistas em geografias em que os EUA têm interesses. Sabe-se bem que, juntamente com a Open Society, de George Soros, estiveram envolvidos na concepção, operacionalização e alteração inconstitucional de poderes democraticamente estabelecidos, através das "revoluções coloridas", pondo em prática o plano de Gene Sharp, da luta não violenta, mas que fez derramar sangue de inocentes e retornar às nossas memórias práticas de morte por enforcamento em hasta pública, por sodomização e arrasto por cavalo (carro), como aconteceu com Saddam Hussein e Muammar Kadafi”. 

Este texto foi apresentado como se fosse oriundo dos serviços da Presidência da República mas já foi desmentida a origem da divulgação, não o seu conteúdo que assino por baixo. 

*Jornalista

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