segunda-feira, 12 de junho de 2023

Portugal | AS DESIGUALDADES SÃO CUMULATIVAS

As desigualdades sociais estão a armadilhar crescentemente o desenvolvimento humano, o progresso da sociedade e a democracia.

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Trata-se de um enorme problema no plano global e, muito concretamente, no nosso país. Muitos estudos se têm produzido e o Instituto Nacional de Estatística (INE), assim como outras entidades nas diversas áreas estatísticas, têm identificado e trabalhado indicadores que vão permitindo debate social e político sobre a matéria, e a adoção de algumas políticas públicas. Contudo, muitas vezes, são estudos parcelares, ou até feitos em bolha sobre focos muito específicos. Estes até obtêm impacto no plano comunicacional, mas facilitam políticas que atacam os direitos universais. Hoje, nesta matéria como noutras, a ilusão de uma alta especialização constitui, amiúde, a outra face do incremento da ignorância.

É imprescindível uma visão global sobre as desigualdades sociais em todas as suas áreas e na sua imensa imbricação. Isso é feito no Relatório sobre os Indicadores de Desigualdades Sociais, acessível no portal do INE. Trata-se de um relatório trabalhado, desde o final de 2017, por um Grupo de Trabalho (GT) constituído no âmbito da Secção Permanente de Estatísticas Sociais do Conselho Superior de Estatística, com envolvimento dos parceiros sociais (a ideia inicial partiu do representante da CGTP-IN), da Academia e de organismos da Administração Pública, e presidido por Renato Carmo.

O Relatório, bem enquadrado e suportado no plano teórico, tem um alcance maior do que a generalidade dos estudos sobre esta matéria. Beneficiou daquela ampla representação no GT e do caráter inovador adotado na análise dos indicadores de desigualdades, feito em cinco temáticas/áreas de desigualdades sociais (de forma integrada, mas com aprofundamentos específicos) para leituras globais: trabalho, emprego e proteção social; educação e formação; fiscalidade; habitação; e saúde.

O GT deitou mão de todos os indicadores, identificou novos e definiu muito bem os indicadores-chave. Esta via permitiu-lhe chegar a visões multidimensionais integradas. Neste trabalho é reforçada a constatação de que as desigualdades são multidimensionais e cumulativas. Quem está em desvantagem numa das áreas analisadas, em regra, está em desvantagem em todas. E neste estudo ainda falta o campo da justiça e outros.

Só teremos políticas públicas eficazes com a sociedade informada e inconformada com políticas avulsas para encanar a perna à rã. As desigualdades sociais são multidimensionais e cumulativas.

*Investigador e professor universitário

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