Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
Ricardo Salgado já foi o Dono Disto Tudo e os Espírito Santos já brincaram muito aos pobrezinhos na Comporta, declarando guerra aos mosquitos. Hoje há os Amorim, os Novos Donos Disto. São agora eles os Reis da Comporta que arrasam o tesouro ecológico que é a Costa Azul, gozando, claro, de um "estatuto especial" como é apanágio das monarquias.
Note-se que o troço entre Tróia e Melides tem 40 kms de costa selvagem (da pouca que sobra), um paraíso de praias adornadas por dunas, lagoas e sapais, casa-mãe de uma biodiversidade única. E para que é que Paula Amorim o quer abocanhar? Para negócio, claro. Empreendimentos para ultra-ricos.
A dona de uma fortuna de 5 mil milhões de euros (na Forbes, entre os mais poderosos do Mundo num país de pobres) prepara já um restaurante de luxo junto à Praia do Pêgo. Depois de ter expulsado o concorrente, o clã da Corticeira e da Galp Energia começou as obras destruidoras cujas autorizações só podem ter sido obtidas por tráfico de influências. Foi dada uma licença para o tal clube privado nivelar o areal em frente e colocar um deck que requer a escavação de toneladas de areia na linha de maré-cheia. E prepara-se um acesso exclusivo à praia que irá garantir exclusividade aos seus associados, transformando-a numa praia privativa. Isto é, violando a lei.
Pois é. Nos Hamptons de Portugal já se pode comprar roupa de luxo, inclusive na pequena Freguesia do Carvalhal, o sítio onde tudo acontece, inclusive festas muito privadas em mansões à porta fechada e encontros nos "spots" da moda, onde os preços triplicaram em pouco mais de um ano e onde se engole rápido aquilo que a natureza levou anos e anos e anos a arquitectar.
De resto, segue a construção de resorts, campos de golfe, palácios de férias, aldeamentos balneares, piscinas, jardins, estradas. Declaram-se "eco" e de luxo, mas liquidam habitats dunares e usurpam água, logo eco não são certamente. Já o ataque à nossa natureza não é um luxo a que nos queiramos (ou devêssemos) dar.
Também acabaram os estabelecimentos simples, lojas normais. Na própria vila da Comporta, os moradores que restam ficaram reduzidos a um único café frequentável (sem deixar um salário). Eis mais uma gema portuguesa privatizada para o turismo de elites. Nem sustentabilidade ambiental, nem social e cultural. Lembrem-se disso da próxima vez que vos exigirem salvar o planeta, não comerem carne, não andarem de avião.
Sustentabilidades. Coisas alheias a Vossa Majestade Sua Alteza Real Paula Amorim que ainda recentemente, falha de noção, disse que a sua vida tinha sido um sacrifício tendo que deixar de estudar aos 19 anos. Fantasias à parte, foi apenas preguiçosa para tirar um diploma e ainda adolescente sentou-se nas reuniões de administração do papá. Realmente, além da sustentabilidade, razoabilidade e verdade são coisitas que não abundam no Império que vai na quarta geração. Alguém lhes explique que a esmagadora maioria dos multimilionários são filhos de multimilionários, não restando hipóteses para mérito ou talento.
Claro que isto é só como a picadela de um dos tais mosquitos chatos, mas há que lutar pela conservação do património da Península de Tróia, exigindo que toda a área seja abrangida pela Reserva Natural do Estuário do Sado. Ou isso, ou vamos ser os pobrezinhos (brincadeiras à parte) até no acesso aos nossos recursos naturais. Sobretudo a esses.
Na imagem: Paula Amorim (no seu mar de Tróia?)
*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia
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