Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
Alguma razão haverá para o PSD ter querido reduzir-se a um cartoon de si mesmo. Um PSD a atirar a três alvos: a errar na liberdade de expressão, a atingir na censura prévia e a acertar em cheio no eleitorado do Chega (CH). E perguntar-se-á o eleitor base do PSD se foi para isto que Montenegro assumiu a liderança, se foi para mimetizar comportamentos a reboque da extrema-direita que a força de esperança de renovação social-democrata se distanciou de Rui Rio desde o primeiro dia, se é mesmo necessário esperar por D. Sebastião Coelho ou ser ultrapassado pela Direita xenófoba e racista em próximas eleições. O caminho é implacável e está a ser feito pela incapacidade de diferenciação prática entre boa parte das posições deste PSD e boa parte das teorias demagogas do partido de André Ventura. Há um processo de canibalização em curso e o PSD não devia encomendar a sua carne.
Todo o processo de reacção do PSD ao cartoon “Carreira de Tiro” na RTP é um manual de desacerto. Desde logo, porque dois olhos e um pensamento crítico indicariam prudência na percepção do objecto. Perante cartoons semanais de actualidade, produzidos livremente (e bem) pela estação pública, nenhum partido, deputado ou ministro pode emitir opinião que os condicione. Atacar um cartoonista é atacar o jornalismo livre e, como tal, decidam-se: “Je suis Charlie”, mas só de vez em quando? A intempestividade do líder da bancada parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, ao questionar o Conselho de Administração da RTP sobre um cartoon de política internacional relativo à violência policial em França, como se de Portugal se tratasse, é um tratado que Pavlov não desdenharia. Ou os ratinhos de Skinner numa casa de espelhos. Espelho, espelho meu, diz-me quem ouves.
Há um PSD que, estranhamente porque em autofagia, não perde uma oportunidade para concorrer com a loja de horrores da extrema-direita. Diga-se, em abono da verdade, que usa a porta que Rui Rio sempre deixou entreaberta com a teoria da “moderação”. Mas a reacção a reboque do CH é ainda pincelada com toques de censura prévia quando se pergunta se a televisão pública teve “conhecimento prévio do cartoon antes de o transmitir?” A sugestão de pré-visionamento de conteúdo jornalístico, ainda por cima ao abrigo da liberdade da crítica e do humor, encerra uma visão catastrófica do serviço público, da sua liberdade e independência e busca validação no tempo em que a televisão era a preto e branco e só para alguns. Quanto tempo mais veremos o maior partido da Oposição em carreira de tiro aos próprios pés?
* O autor escreve segundo a antiga ortografia
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Ler/Ver/Ouvir em SETENTA E QUATRO
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