segunda-feira, 3 de julho de 2023

Portugal - UE | VOANDO SOBRE UM NINHO DE JUROS

Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Os juízos populares, pela sua ligeireza, nem sempre constituem a melhor das bússolas, mas há casos em que a sua eficácia nos faz pensar. Vem isto a propósito de uma frase solta que escutei há dias ao balcão de um café da boca de um circunspecto cidadão que assistia, pelo televisor, às declarações de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, sobre a necessidade de continuar a carregar nas taxas de juro. Disse ele: “Os banqueiros só estão preocupados com a economia dos números e não com a economia das pessoas”. António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e outros políticos portugueses, dos mais variados quadrantes ideológicos, parecem estar de acordo, numa invulgar unanimidade que só por manifesta má vontade ou desonestidade intelectual pode ser explicada com a vontade de quererem ser momentaneamente populares. A verdade é que a Europa não está a saber lidar com este dilema: o banco que dita as regras diz uma coisa e os governos parecem querer fazer outra. Os juros são para manter nos próximos tempos e os apoios públicos às famílias devem parar, reclama o BCE; nada disso, ripostam os governos, os apoios às famílias são para manter.

Ora, este braço de ferro não é apenas simbólico, na medida em que estratégias de desenvolvimento económico tão nos antípodas podem gerar efeitos indesejados de anulação. E se juntarmos a isto o facto de, no próximo ano, termos eleições europeias, está bom de ver que a resistência dos governos não vai abrandar. Os gurus da macroeconomia garantem que não há outra forma de fazer abrandar a inflação e repor alguma estabilidade. Mas nenhum decisor consciente e responsável pode enfiar a carapuça de aluno obediente e ignorar os efeitos destrutivos desta política do BCE que está a enfraquecer as famílias e a catapultar os lucros astronómicos da Banca. A ditadura das previsões económicas está a fazer demasiadas vítimas. 

*Diretor adjunto

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