quinta-feira, 27 de julho de 2023

Portugal | Uma nova esperança para professores (e médicos)

Cristina Figueiredo, editora de política da SIC | Expresso (curto)

Marcelo Rebelo de Sousa não tem tido agenda pública nos últimos dias; talvez tenha tirado uns dias de férias (em Monte Gordo, segundo atestam diversas testemunhas e abundantes selfies nas redes sociais). Mas estar de férias, no caso do Presidente da República, não significa deixar de trabalhar (“estar adormecido não é o mesmo que estar a dormir”, como diria Camilo José Cela): desde domingo, enviou felicitações à seleção feminina de futebol e palavras de solidariedade aos seus homólogos da Grécia e de Itália, evocou um escritor falecido, promulgou uma lei do Parlamento e três decretos do Governo e… largou uma mini-bomba sobre a pacatez estival de um país à beira da Jornada Mundial da Juventude (cinco dias em que “nothing else matters”) ao vetar o diploma do Governo sobre a progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário. Afirma Marcelo que o texto até tem “aspetos positivos – alguns dos quais resultantes de aceitação de sugestões da Presidência da República”, mas o que ele não compreende é que o articulado feche definitivamente a porta à possibilidade de recuperação dos 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço congelados desde os anos da troika, ainda para mais criando uma disparidade de tratamento entre os professores do continente e os das ilhas (onde os Governos Regionais já acordaram em lhes devolver, progressivamente, a integralidade do tempo de serviço).

“Os professores, tal como os profissionais de saúde, têm e merecem ter uma importância essencial na nossa sociedade e em todas as sociedades que apostam na educação, no conhecimento, no futuro”, argumenta o Presidente, para quem “não foi por acaso que países exemplos de liderança na educação o foram”: “Escolheram os melhores e pagaram-lhes aquilo que não pagavam a tantos outros e respeitáveis trabalhadores do setor público, mesmo de carreiras especiais”. Marcelo insiste (e com a insistência segue um recado clarinho para o reputado taticista político que é António Costa): “Apostar na educação é mais do que pensar no curto prazo, ou em pessoas, situações, instituições, do passado próximo ou do presente, ou calcular dividendos políticos”. E mais uma vez, não vá dar-se o caso de os destinatários não terem percebido cabalmente a mensagem: “Não há nem pode haver comparação entre o estatuto dos professores, tal como o dos profissionais de saúde, e o de outras carreiras, mesmo especiais. Governar é escolher prioridades. E saúde e educação são e deveriam ser prioridades se quisermos ir muito mais longe como sociedade desenvolvida e justa”.

Da esquerda à direita, a oposição foi unânime em saudar o veto presidencial, que entende como uma maneira de o Governo (a começar no primeiro-ministro que, no já longínquo ano de 2019, chegou a ameaçar demitir-se caso a Assembleia da República aprovasse, como quase aconteceu, o descongelamento total do tempo de serviço suspenso desde os anos da troika) ter mesmo de voltar atrás e devolver aos professores a esperança que este diploma, tal como está, lhes tira. Costa, ao que o Expresso apurou, foi avisado pelo próprio Presidente do veto quando estava a embarcar, em Timor, de regresso a Lisboa. Até esta hora não se lhe conhece - nem a ele, nem ao Governo, nem ao PS - qual foi a reação. Mas é factual que está perante um dilema: ou dá o braço a torcer ou prolonga a luta com os professores (que marcou, de maneira indelével, o último ano letivo). E, já agora, é bom que estenda o raciocínio às negociações com os médicos (que terminam hoje mesmo uma greve de três dias mas que ameaçam voltar à luta na próxima semana). Marcelo já deixou claro: professores e médicos não são, nem devem ser olhados como, funcionários públicos iguais aos outros.

OUTRAS NOTÍCIAS CÁ DENTRO…

Ainda que o “manifesto de Marcelo, como lhe chama o Paulo Baldaia no Expresso da Manhã, se circunscreva a professores e médicos, há mais frentes de luta a desenharem-se nas ruas, quem sabe se também à espera de uma mão presidencial que ajude a sua voz a chegar a S. Bento. Hoje é o sindicato da PSP que inicia, em Faro, um conjunto de ações de protesto contra a falta de respostas do Governo aos “problemas graves” do setor. As ações decorrem em vários pontos do país e deverão prolongar-se até segunda-feira.

Sobre a Operação Picoas, que investiga um esquema que terá lesado o Estado em mais de 100 milhões de euros e desviado cerca de 250 milhões de euros da Altice, o Público revela que, nos três dias de interrogatório, o empresário bracarense Hernâni Vaz Antunes confessou quase tudo aquilo de que é acusado (suspeitas pelas quais está, juntamente com o co-fundador da Altice Armando Pereira, em prisão domiciliária). Em causa crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.

Já desta manhã, a notícia SIC de que o juíz Carlos Alexandre voltou a ordenar o arresto da pensão (de 26 mil euros mensais) de Manuel Pinho (decisão que tinha sido revogada pela Relação). O antigo ministro da Economia de Sócrates está em prisão domiciliária há mais de um ano e meio.

O incêndio em Almodôvar, que obrigou ao corte da A2 ontem à tarde, foi dado como dominado pouco depois das 22h00, mas ainda se mantêm no local mais de duas centenas de bombeiros, para prevenir o reacendimento. Hoje prevê-se uma descida das temperaturas máximas e céu nublado mas há, ainda assim, risco máximo de incêndio em 60 concelhos do interior norte e centro e do Algarve.

A seleção feminina de futebol joga contra o Vietname, no segundo jogo do grupo E no Mundial da Nova Zelândia (perdeu por 1-0 contra os Países Baixos, no primeiro desafio). O início do desafio está marcado para as 8h30 (da manhã). Análise à equipa adversária aqui.

…E LÁ FORA

Más notícias para quem tem crédito à habitação. O Conselho de Governadores do Banco Central Europeu reúne-se hoje e deverá decidir uma nova subida das taxas de juro em 25 pontos base. Nos EUA, depois do Fed ter decidido subir a taxa para 5.5%, os juros já estão acima da inflação.

Nas últimas da guerra da Ucrânia, soube-se que Kim Jong Un, líder norte-coreano, reuniu com Sergei Shoigu, ministro da Defesa russo. Entretanto, os serviços secretos ucranianos reivindicaram a autoria do ataque à ponte de Kerch (que liga a Crimeia à Rússia), em outubro de 2022. E o presidente de Cabo Verde, José Maria das Neves, anunciou que o seu país não vai participar na cimeira Rússia-África, em protesto contra a invasão russa da Ucrânia. Moçambique e Guiné-Bissau já têm confirmada a presença na cimeira.

Em Espanha não há maneira de se deslindar o imbróglio gerado pelos resultados eleitorais de domingo. Apesar de ter vencido, já é claro que o PP não vai conseguir formar Governo (e já se começa a discutir a sucessão de Feijóo na liderança do partido) e que o atual primeiro-ministro, Pedro Sanchéz, terá de chegar a acordo com os independentistas catalães para se conseguir manter no cargo. A questão é: a troco de quê?

Morreu a cantora irlandesa Sinéad O’Connor, que todos conhecemos pela sublime interpretação da canção de Prince “Nothing compares 2u”. Tinha 56 anos e as causas da morte ainda são desconhecidas. A Blitz recorda a sua última aparição pública, em março deste ano, assim como o dia, em 1992, em que rasgou uma foto do Papa em direto na televisão e republica uma entrevista que ela deu ao Expresso, em outubro de 2020.

FRASES (especial veto)

“Apostar na educação é mais do que pensar no curto prazo, ou em pessoas, situações, instituições, do passado próximo ou do presente, ou calcular dividendos políticos” - Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

“O senhor Presidente da República, com o direito de veto que hoje exerceu, atesta a incapacidade e a incompetência do Governo” - Luís Montenegro, presidente do PSD

“Se vamos ter [um Orçamento do Estado] sem cativações, é um bom momento para resolver este problema dos professores” - André Ventura, presidente do Chega

“Este episódio da devolução é mais um episódio nesta nova era de relacionamento do Presidente da República e primeiro-ministro” - João Cotrim Figueiredo, deputado da IL

“João Costa [ministro da Educação] chumbou no exame de Marcelo Rebelo de Sousa, do Presidente da República, e chumbou bem” - Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE

“Exigimos que o Governo e o PS, revejam a sua posição de intransigência e percebam finalmente que não é contra os professores e educadores que se defende a Escola Pública” - Comunicado do PCP

PODCASTS A NÃO PERDER (sugestões da equipa multimédia)

Qual o contributo de José Mattoso para a historiografia portuguesa? Como era como professor? E que legado deixou? Oiça o A História Repete-se com Henrique Monteiro, Lourenço Pereira Coutinho e o medievalista Bernardo Vasconcelos e Sousa.

O caso do salário dos médicos é o mais flagrante, mas o Estado paga o suficiente para recrutar os melhores? Oiça a análise de João Silvestre, editor de Economia do Expresso, Sónia Lourenço, jornalista do Expresso, e João Bilhim, ex-presidente da Cresap e professor jubilado do ISCSP, no Money Money Money

Génio da melancolia e da guitarra, Elliott Smith é o centro deste episódio de PBX, de Inês Meneses e Pedro Mexia. Quem canta, os seus males aproxima?

O QUE ANDO A LER

Não sei quantos anos tem Ana Bárbara Pedrosa (pelas fotografias ainda é jovem), mas não interessa. A sua escrita está carregada de maturidade, de profundidade, de sobriedade e, não menos importante, de realidade. Li o seu terceiro romance (saiu há pouco mais de três meses) num só dia, com aquela voracidade boa que sempre acontece com os livros que nos prendem: “Amor Estragado” - o título já é em si um spoiler - não é uma história bonita, tão pouco com final feliz (a primeira frase do livro, aliás, vai direta ao infeliz epílogo). Está tão bem redigida que nos conseguimos sentir dentro da cabeça dos dois narradores, irmãos. O amor de que fala o título é em primeiro lugar o deles. E ficamos mais impressionados pelo revés desse amor filial do que aviltados pela trágica história de um amor (conjugal) que nunca existiu entre um desses irmãos e a mulher, equívoco fatal na origem de tudo. Diz a autora que este livro (que lhe levou oito anos a escrever, entre a primeira letra e o último ponto) é muito diferente dos dois anteriores. Faço questão de o confirmar rapidamente (e ler, o quanto antes, “Palavra do Senhor”, de 2021, e “Lisboa, Chão Sagrado”, de 2019).

E o Curto deste 27 de julho fica por aqui, 133 anos depois de Vincent Van Gogh ter disparado sobre si próprio (viria a morrer dois dias mais tarde). Novidades do mundo, poucas vezes belo como os olhos do pintor o viam (“This world was never meant for one as beautiful as you”, como diz a canção), nos sites do Expresso e da SIC Notícias. Tenha um dia bom.

LER O EXPRESSO

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