Cristina Figueiredo, editora de política da SIC | Expresso (curto)
Tomei de empréstimo o título
deste Curto a William Shakespeare, mais concretamente às derradeiras
palavras de Hamlet antes de morrer. O autor de “Muito Barulho
por Nada” também escreveu que “é melhor ser rei do teu silêncio do
que escravo das tuas palavras”. E estou certa que ao longo da sua extensa obra
encontraria muitas mais citações apropriadas à peça de teatro em que tantas
vezes se transforma a política nacional. Lembrei-me destas a propósito das
últimas da querela institucional (ou será pessoal?) entre Belém e S. Bento e
do silêncio bastante ruidoso de António Costa na reunião de terça-feira do
Conselho de Estado.
As notícias sobre a reunião davam conta de que o primeiro-ministro se tinha
mantido calado porque, sabendo de antemão (por anúncio, aliás público, do
próprio) que o Presidente levaria a intervenção escrita “há muito”,
entendera que essa era a melhor resposta a dar a Marcelo Rebelo de Sousa,
deixando-o “a falar sozinho”, como escreveu o Expresso. Ao início da tarde, um Costa sem
o sorriso da véspera (o tal que os portugueses que encontra na rua lhe
pedem que nunca perca) mostrou-se bastante agastado com as “fugas seletivas de informação” senão mesmo “mentiras” que
saem do Conselho de Estado e garantiu que “não há qualquer diferendo com o
Presidente da República”. Não ficou claro se falava desta reunião (descrita nos
orgãos de comunicação social como tendo decorrido num clima inicialmente tenso)
ou da de julho (detalhadamente descrita nas páginas dos jornais, pelo menos na
parte relativa às críticas que vários conselheiros teceram à condução do país
pelo Governo). Mas pouco depois veio Marcelo dar a sua interpretação:
confessando-se “melindrado” com as versões que lera na imprensa do
silêncio do PM, disse ter considerado que este veio "desmentir
notícias de hoje segundo as quais o seu silêncio era contra o Presidente da
República". Quanto à alegada quebra de sigilo sobre as reuniões do
Conselho de Estado remeteu a queixa de Costa para "um problema que
lida da consciência dos senhores conselheiros", limitando-se a
admitir "que haja quem se sinta ofendido" com os relatos
tornados públicos.
A última palavra (do dia) ficou
para o primeiro-ministro. Entre “ser ou não ser” morto em combate
(figurativamente, claro!) António Costa foi ontem à noite a Évora, abrir a
Academia Socialista (a Universidade de Verão do PS, que também serve como
rentrée ao partido) e dar a quem o ouviu uma lição sobre “resistência,
resiliência e paciência”. Não era suposto, segundo o orador, ser um
comício partidário - até porque, e volto a citar o orador, “a
política não pode ser um exercício de números mediáticos” - mas pelo
rosário de promessas cumpridas e a proclamação de outras tantas a cumprir daqui
até ao final da legislatura, foi exatamente isso: o secretário-geral do PS
(estava sem gravata) deu uma clara ajuda ao primeiro-ministro (e um “safanão”
nas ambições de protagonismo de Luís Montenegro) e anunciou uma descida do IRS
em 2 mil milhões até
Porque “é com otimistas irritantes que o país anda para a frente”, concluiu o auto-proclamado “fazedor”, dirigindo-se aos “comentadores” - e em primeiro lugar aquele que um dia lhe chamou “otimista irritante”. Como diria Hamlet: “algo está podre no reino da Dinamarca”.
OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO…
Terá sido um dos temas em cima da mesa do Conselho de Estado de terça-feira, mas ontem mesmo Marcelo Rebelo de Sousa afirmava não ter intenção de voltar tão cedo ao assunto; e eis que a TAP regressou às manchetes dos jornais. Agora com a confirmação de algo que há muito se sabia ir acontecer: a ex-CEO da empresa, Christine Ourmières-Widener, anunciou que vai processar o Estado português, exigindo uma indemnização de 5,9 milhões de euros.
O Governo volta a reunir-se esta
quinta-feira com os sindicatos médicos para apresentação final do diploma sobre
a generalização das Unidades de Saúde Familiar modelo B e a dedicação
plena dos médicos, que António Costa disse ontem que será aprovado no Conselho
de Ministros de dia
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, e o Ministro do Ambiente e da Ação Climática,
inauguram hoje, às 18h00, o Percurso Ribeirinho de Loures, junto à ponte
pedonal sobre o Rio Trancão (a tal que a Câmara de Lisboa quis batizar com o
nome de D. Manuel Clemente, o que este acabou por recusar após o clamor público
que se gerou). António Costa não estará presente, apesar de ontem à noite ter
reivindicado a autoria da ideia de devolver a frente ribeirinha aos munícipes
de Loures há já mais de 30 anos, quando foi candidato (derrotado) à presidência
da autarquia.
Ainda o ano parlamentar não recomeçou e já André Ventura anunciou uma moção de censura ao Governo de
António Costa. É a segunda que o Chega apresenta (isto porque só pode
apresentar uma por sessão legislativa), a terceira que o XXIII Governo enfrenta
(o IL também apresentou uma na sessão passada). E só está em funções há um ano
e meio.
O Hospital oftalmológico São João, em Jerusalém, foi o vencedor da edição deste ano do Prémio Champalimaud de Visão, no valor de 1 milhão de euros. O hospital atua na Palestina, território onde há dez vezes mais casos de cegueira e deficiência visual do que em qualquer país europeu.
…E LÁ FORA
Nas últimas da guerra da
Ucrânia, a notícia de que 17 pessoas morreram e 32 ficaram feridas num
bombardeamento russo a um mercado da cidade de Kostiantynivka, no leste da
Ucrânia. Entretanto, o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken,
de novo em visita a Kiev (onde também se encontra a primeira-ministra da Dinamarca),
anunciou o reforço da ajuda à Ucrânia em mais mil milhões de dólares.
No dia em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que “o
colapso climático começou”, o Banco Central Europeu concluiu que é melhor mesmo acelerar a transição climática, sob pena de,
ao atual ritmo, aumentarem os riscos e os custos para a economia e o sistema
financeiro. Talvez esta, mais do que os fenómenos meteorológicos extremos que
todos os dias se verificam por todo o mundo, seja uma “motivação” eficaz para
apressar a mudança.
“You must remember this, a kiss is just a kiss” (“lembra-te disto, um
beijo é apenas um beijo”), cantava Dooley Wilson, o pianista Sam no filme, de
1942, Casablanca. Ontem, a jogadora da seleção espanhola de futebol femininino Jenni Hermoso formalizou a queixa contra Luis Rubiales, o
presidente da Federação espanhola de Futebol que lhe pregou um beijo na boca
nas celebrações da vitória do campeonato do mundo. Não, Sam: há beijos que não
são “apenas um beijo”.
Nem sei bem como classificar, mas
o primeiro adjetivo que me ocorreu foi “assustadora”, a notícia conhecida esta quarta-feira de que um conjunto
de investigadores do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, criou “algo”
semelhante a um embrião humano com 14 dias, com recurso a células
estaminais, sem utilizar espermatozóides, óvulos ou útero.
Dezoito anos depois, os Rolling Stones têm um novo álbum de
originais. “Hackney Diamonds” só sai a 20 de outubro mas foi
apresentado ontem em Londres num evento de 30 minutos presidido pelo
apresentador norte-americano Jimmy Fallon e a que a Blitz assistiu e reproduz aqui. O primeiro vídeo (“Angry”), com a inconfundível sonoridade da banda, e o
impactante protagonismo da atriz Sydney Sweeney também foi revelado.
FRASES
“É normal o PM estar calado no Conselho de Estado? Ele que o diga. É ele que o pode dizer. Eu acho que não é normal”
Luís Montenegro, presidente do PSD
“Não sou dado a amuos”
António Costa, primeiro-ministro
“Não há nenhum diferendo com o Presidente da República”
idem
“Eu tinha perguntado ao senhor
primeiro-ministro, antes do Conselho, se tencionava usar da palavra. Ele
disse-me que não e, portanto, tendo-me dito que não, eu naturalmente passei à
minha intervenção"
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República
"Eu tinha lido essas notícias [de que o silêncio do PM no Conselho de
Estado era por desagrado com o PR], tinha ficado estupefacto com elas, mas
percebo que ele tenha esclarecido que não se tratava disso"
idem
PODCASTS (sugestões da equipa multimédia do Expresso)
O azeite pode tornar-se um produto de luxo? O preço começa a tornar-se proibitivo para muitas famílias. Oiça este episódio de Money Money Money com Mariana Matos, secretária geral da Casa do Azeite
Pedro Madureira e a futura fronteira entre Portugal e Espanha: “Há sobreposição da extensão das plataformas de Canárias e Madeira". Oiça o podcast o Futuro do futuro, esta semana com o responsável científico da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC)
O salário de metade dos portugueses não chega para as despesas regulares. A situação
é “preocupante” por toda a Europa, mas Portugal está
O QUE ANDO A LER E A VER
Só cheguei agora a Valérie
Perrin e “A breve vida das flores”, que já outros autores do Curto aqui
referiram. O livro, editado em português pela Editorial Presença em fevereiro
de 2022, já vendeu três dezenas de milhar de cópias, está há meses no top de
vendas e, lendo-o, percebe-se bem porquê. A história de Violette Toussaint,
guarda de cemitério, vem dar-nos uma outra perspetiva desses locais de que
ninguém gosta e muitos (senão todos) quase sempre só visitamos por maus
motivos. A morte anda de par com a vida mas nem por isso a conseguimos encarar
com naturalidade nem é tema que abordamos voluntariamente. E, no entanto,
acabamos por o fazer com este livro, que nos agarra logo às primeiras páginas e
que cumpre essa função mágica da literatura que é levar-nos pela mão, sem que
demos por isso, para outras outras paragens, outras vidas, outros pensamentos
tantas vezes tão longe dos nossos. Li-o, porque estava de férias e pude dispor
desse tempo, em 48 horas. No final, escrevi a quem me o tinha recomendado: “Que
livro tão, mas tão bonito”. Pode não ser profundo como crítica literária mas é
fiel ao que senti.
E volto a Shakespeare: estreia na próxima quarta-feira (e fica em cena até 24),
no teatro S.Luiz, em Lisboa, A Tempestade, encenada (por António Pires)
pela primeira vez em Portugal com a obra do compositor Jean Sibelius. Uma
co-produção Teatro do Bairro, Companhia de Teatro de Braga, Theatro Circo,
Kyiv National Operetta’s Theatre e São Luiz Teatro Municipal. Lá estarei, assim
inaugurando a temporada teatral.
O Curto fica por aqui neste 7 de setembro, 401 anos após D. Pedro IV ter
proclamado a Independência do Brasil, com o célebre grito nas margens do
rio Ipiranga. É por isso feriado nacional em terras de Vera Cruz. Por aqui, não
é feriado: a informação está em constante atualização nos sites do Expresso e da SIC Notícias. Tenha um dia bom.
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