Vicente Ferreira | Ladrões de Bicicletas | em Setenta e Quatro
Portugal é um dos países da União Europeia com maior número de precários, quase metade dos jovens empregados. No ano passado, 56% dos trabalhadores recebiam um salário inferior a 1000 euros e, entre os jovens, a percentagem era de 65%. Não surpreende que Portugal seja o país da UE onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais.
Mais de metade dos jovens a trabalhar em Portugal admite emigrar, de acordo com uma sondagem recente da Aximage. Entre os mais de oitocentos jovens entre os 18 e os 34 anos que responderam ao inquérito, a instabilidade financeira e os problemas no acesso à habitação são os principais motivos de preocupação apontados.
No Expresso, o economista Pedro Martins escreveu um artigo de opinião em que lamenta os “níveis de emigração elevados” e argumenta que “trabalhar em vários dos outros países europeus significa, em geral, não só dobrar ou triplicar o salário de Portugal, mas também ter acesso a contratos de trabalho mais estáveis, cargas fiscais mais baixas, melhores serviços públicos, menos incertezas sobre pensões e habitação a preços mais acessíveis.”
O diagnóstico é maioritariamente acertado: embora não seja verdade que a carga fiscal seja maior em Portugal do que noutros destinos (na verdade, o IRS pago por um salário médio em Portugal é bastante inferior à média europeia), vários dos fatores listados são relevantes. O que Pedro Martins omite são os responsáveis políticos pelas condições que a economia portuguesa oferece hoje aos jovens.
Martins foi secretário de Estado do Emprego no governo de PSD e CDS liderado por Passos Coelho. As reformas da Troika aprovadas nesse período, que incluíam a flexibilização dos despedimentos e a facilitação do recurso a contratos precários, foram vendidas como a receita para tornar a economia mais competitiva. O resultado foi muito diferente: não só o desempenho da economia não melhorou, acentuando-se a aposta em setores de baixa produtividade como o turismo, como Portugal se tornou um dos países da União Europeia onde o recurso a contratos a termo é maior, sobretudo entre os jovens. Apesar das alterações legislativas aprovadas desde o período da Troika, Portugal continua a ser um dos países da UE com maior peso dos precários, que abrangem quase metade dos jovens empregados.
A precariedade teve um efeito de compressão dos salários, reconhecido por um estudo da Comissão Europeia que concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Mais: o trabalho de investigação de três economistas do FMI aponta para a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage share – a fração do rendimento produzido numa economia que é recebida pelo fator trabalho, ou, por outras palavras, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores. No ano passado, 56% dos trabalhadores em Portugal recebiam um salário inferior a €1000 e, entre os jovens, a percentagem era de 65%.
Num contexto em que os custos com a habitação dispararam – o resultado da estratégia de liberalização do mercado e de incentivo ao investimento estrangeiro aplicada pelos sucessivos governos neste período – não surpreende que Portugal seja o país da UE onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais e que 31% dos millennials (nascidos entre 1982 e 1994) e 44% dos gen Z (nascidos entre 1995 e 2004) acumulem dois empregos para conseguir pagar as contas. Embora não se refira a nenhum destes problemas, o artigo de Pedro Martins termina com um apelo para “melhorar as políticas públicas”. É capaz de não ser má ideia.
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