Artur Queiroz*, Luanda
A História é escrita por pessoas que nem imaginam estar a escrevê-la. Por isso muito se perdeu na voragem do tempo, já na República Popular de Angola e naqueles meses que pareceram séculos, entre o 25 de Abril de 1974 e o dia 11 de Novembro de 1975. Um dia destes fui surpreendido com um depoimento de Mesquita Lemos (Rádio Clube de Angola), recolhido por Jacques dos Santos, em 1993, no âmbito das actividades da Chá de Caxinde. Ele falava da emissora CR6AA, a primeira em Angola, e do seu mentor, Álvaro de Carvalho, o pai da Rádio Angolana. Fabuloso. Um contributo inigualável para a História. Ficou completo o retrato do radialista e da sua estação.
Os grandes profissionais da Rádio Angolana formaram-se nos Rádios Clubes. Existia um em cada capital de distrito (província), mais o da cidade do Lobito, cidade pioneira da radiofonia. A mãe de todas as estações. A História deste movimento está em grande parte por escrever. Mas alguma coisa foi feita. Os realizadores e produtores independentes Sebastião Coelho (Café da Noite) e Zé Maria (Luanda) publicaram em livro as suas experiências e memórias. Leonel Cosme também escreveu muito sobre o tema. Além de editor da Imbondeiro foi um homem da Rádio. Dirigiu os serviços de produção do Rádio Clube da Huíla.
Em Luanda a estação pioneira é o Rádio Cube de Angola. Deu um salto de gigante (liderou audiências) quando Santos e Sousa chefiou os serviços de produção. Foi um dos mais brilhantes radialistas do seu tempo e de sempre. Depois surgiu a Emissora Oficial de Angola e mais tarde a Rádio Eclésia (Emissora Católica do Angola).
No final dos anos 60, o padre José Maria Pereira, que dirigia a estação, decidiu alugar tempo de antena. Assim surgiram espaços radiofónicos fabulosos, do melhor que existia no mundo. São eles Café da Noite (Sebastião Coelho), Luanda (sonoplasta Zé Maria) e Equipa (Brandão Lucas).
Ainda nos anos 60 nasceu a Voz de Luanda, situada no último andar do prédio Suba (gaveto da Avenida de Portugal com a Avenida Lenine). Os seus mentores, Pedro Moutinho e Paulo Cardoso, inovaram e agitaram as águas. Desavenças entre os dois ditaram o fim prematuro de um projecto que prometia muito.
O regime colonialista lançou a Voz de Angola exclusivamente para propaganda e apoio às operações da “psicossocial”. Por fim, já no início dos anos 70, nasceu o Rádio Clube Português que em Portugal batia audiências. A emissora ficou do outro lado da cidade de asfalto, próximo do Hospital de São Paulo (Américo Boavida).
Em 1974, quando começou a primeira fase da Grande Batalha de Luanda, os proprietários venderam a estação a nacionalistas revolucionários que lhe mudaram o nome para Voz do Povo. À frente da estação ficou Luís Filipe Colaço e o “comandante dos botões” era José Gabriel, que mais tarde fundou na cidade do Porto a Rádio Nova.
O aparecimento da Voz do Povo, em 1974, levou-nos a repensar o programa A Voz Livre do Povo, na antena da Voz de Angola. O apresentador e produtor era Manuel Berenguel, Artur Arriscado na técnica e eu realizador. Para dar espaço ao novo projecto pensámos substituir o nome por outro, mas não foi necessário.
Um dia, soldados zairenses ao serviço da FNLA cercaram as instalações e começaram a disparar. Os guardas responderam, Começou uma guerra à volta de um meio de comunicação social só porque não era controlado pelos independentistas brancos nem pela FNLA que nessa atura já tinha comprado o Província de Angola (Jornal de Angola).
Os técnicos e radialistas escaparam com vida porque o povo do Marçal escondeu-os nas suas casas. As instalações foram completamente destruídas pela soldadesca. A estação Voz do Povo foi muito importante e os seus profissionais não merecem o esquecimento. Passaram todos para a Emissora Oficial de Angola, excepto Luís Filipe Colaço, que foi para o DIP do MPLA.
Muda o disco. Um boçal com estrelas de general disse no canal CNN Portugal isto: “Os serviços de informações de Israel apuraram que estavam na mesquita da Cisjordânia três agentes subversivos, três terroristas. Por isso foi bombardeada. É um alvo legítimo”. Entre 1961 e 1974 este era o paleio dos colonialistas fascistas, nas estações de rádio e nos jornais. Televisão ainda não existia. Agressões diárias. Mas essas enormidades não eram ditas por oficiais das tropas ocupantes, muito menos generais, Tinham criadagem que a troco de uns tostões fazia o serviço.
Um general português chamado Isidro Morais Pereira vai para a CNN com um palavreado como se estivesse numa reunião de chulos na mata de Monsanto. É muita falta de respeito pelos telespectadores mas também pelos militares. Afinal foram eles que fizeram o 25 de Abril.
No palco colonialista e fascista hoje estão professores doutores catedráticos e generais boçais. Leiam rapidamente o opúsculo “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, do poeta, jornalista e filósofo Antero de Quental, Só vos faz bem.
A propósito da operação russa para desarmar e desnazificar a Ucrânia mais o genocídio de Israel na Palestina, dezenas de “comentadores” e “comentadoras” revelam hoje, 50 anos depois do 25 de Abril, as suas inclinações fascistas. Alguns dizem-se socialistas.
O embaixador português Seixas da Costa disse que nas acções na “Faixa de Gaza Israel tem sido muito comedido”. Um sujeito que queria ser líder do partido Iniciativa Liberal garantiu que Israel tem toda a razão para bombardear Gaza e a Cisjordânia e os ataques até estão a ser muito suaves. Israel tem o direito de se defender. Matem os Palestinos até onde for preciso.
A cada 15 minutos, os bombardeamentos dos sionistas matam uma criança na Palestina. Tanto sangue, tanto ódio, tanto nazismo a prosperar.
*Jornalista
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