Amaro Couto* | Téla Nón | opinião
A crise que aqui se instalou vai proliferando por ramificações e tentáculos sobre os diversos setores da sociedade sem que emerjam ações com força para a sua real remoção, o que vai agravando a situação social da coletividade e dos indivíduos.
A ela se juntam as realidades do mundo atual anunciando mudanças radicais a velocidade vertiginosa.
Mudanças políticas pela emergência de novos atores, determinantes para as decisões que a todos interessam, perturbadoras da ordem, em transição, mas em que ainda vivemos, na sequência das precedentes transformações, também profundas, operadas ao longo da segunda metade do século anterior. Mudanças de comunicação pela criação de vias comerciais terrestres intercontinentais imprimindo regressões as forças de controlo sobre a circulação e o comércio pelos mares e oceanos na sequência dos descobrimentos. Mudanças tecnológicas para a emergência de um mundo descarbonizado, transformadoras das caraterísticas das sociedades atuais, reveladoras de um novo ciclo de inovações, como diria Schumpeter, requerendo de imediato a adaptação e o alinhamento das nações, condição para se ajustarem aos novos modos de vida que virão. Em conjunto, mudanças que redefinem o mapa geopolítico mundial com que os poderes nacionais vão ter de lidar, ajustando as visões estratégicas com que cada um se conduz nas suas relações com o mundo.
Sobrepõem-se ainda as dificuldades do mundo atual, marcado pelo fator dual, de desigualdades, onde as nações pobres enredadas na pobreza dificilmente se desfazem das carências.
No percurso para o futuro, que bate a porta, as possibilidades são também desiguais, o que vai confortando os países ricos nos poderes que se atribuem para a determinação das regras de estruturação e de funcionamento institucionais garantindo a segurança da ordem que mundialmente estabeleceram.
É patente e consequentemente notório que do que ao Sul é oferecido pelo Norte para o combate da pobreza e para a mundialização das realidades políticas, económicas e sociais, acentua ainda mais a profundidade do fosso que separa os dois polos.
A entrada no futuro projetado, precisa, e desde já, de um relacionamento pacífico fundado no respeito pela dignidade e a igualdade, totalmente liberto dos preconceitos de dominação e de submissão. São grandes os riscos para que se conservem as discriminações, importando, para as contornar, que de imediato, nos planos nacionais e globais, se desfaça da solução concentracionista e se projete a unidade de forças pela via de diálogos, concertações e fraternidades que valorizando as diferenças salvaguardam os interesses comuns.
A mecânica do sistema, de hoje e do futuro, assenta-se num pilar ideológico e o outro prático, este determinação da ideologia produto do neoliberalismo triunfante, justificando a atuação da mão invisível na sociedade, conceito dir-se-ia vindo do misticismo para impor o respeito de grau religioso a existência do mercado e as desigualdades que resultam do seu funcionamento.
A realidade vem revelando que acontecendo disfunções, por ocasiões de inovações, como as que decorrem da transição atual para a descarbonização, de crises económicas, financeiras e sociais, permanentes nas sociedades atuais, e de guerras, a mão invisível vê-se de certa maneira desacreditada emergindo soluções acima do mercado, apoiadas na intervenção do Estado mediante a impressão do dinheiro e a sua injeção na sociedade. O expediente é demonstrador de que não é pelas ações de compra e de venda, próprias do mercado, que o dinheiro é criado, mas sim pela intervenção de instituições acima ou fora do mercado real, sem restrições quantitativas e temporais porque criado do nada enquanto produto independente de qualquer valor real.
Somos todos conhecedores dos limites da realidade económica aqui existente. A produção de bens e serviços é marginal, realizando-se o comércio externo quase integralmente pelo corredor da importação, situação grandemente redutora da possibilidade de o país vender ao exterior e, por esta via, arrecadar divisas estrangeiras em níveis que o permitam atender satisfatoriamente as suas necessidades.
No plano estritamente interno, à fraqueza da produção juntam-se a ineficácia dos produtos financeiros para o apoio ao investimento pelos altos juros praticados, proibitivos para a recuperação dos custos, e o estado da inflação que galopa, apesar das medidas fiscais assumidas.
Absorventes de parte dos rendimentos individuais, os impostos decididos e aplicados que deviam baixar a procura diminuindo o consumo, acabam por pressionar a oferta e agravar os custos finais dos bens e serviços numa proporção mais elevada do que a pressão operada para a diminuição da procura. Estes fatos prejudicam duplamente o consumidor, primeiramente pela fiscalidade agravada e depois pelo aumento dos custos da oferta, o que faz com que o salário recebido na fonte, ou seja, o salário nominal, fique diminuído ao perder parte do poder de compra que anteriormente tinha.
Consequência da fiscalidade, os comerciantes e os produtores, principais atores do mercado aqui no país, vêm-se na contingência de aumentar os preços enquanto condição para manterem a geração dos rendimentos nos níveis a que estão habituados, sendo que se mesmo assim os seus rendimentos declinarem outra solução não terão que não seja a de diminuir a quantidade da massa salarial dispensada, acentuando o desemprego, solução que atiraria a produção interna já de si frágil para um declínio mais acentuado dando lugar a diminuição da quantidade da oferta e ao aumento ainda maior de preços.
Há de se observar a moderação que o constitucionalismo requer da autoridade, salvaguardando-se o estatuto de Estado de direitos que a nossa Constituição protege e evitar intervenções que desequilibram o funcionamento do mercado prejudicando os direitos que as pessoas, atuando no mercado, têm de antecipadamente projetar expetativas com vista a posterior satisfação dos seus interesses.
Ou prosseguimos na rota que vimos trilhando ou mudamos de percurso na procura de outra perspetiva que visualize situação melhor, da que temos hoje, catalisadora de um futuro favorável, criadora de ambiente adequado para que a mão invisível jogue eficazmente o seu papel e o Estado resguardado na sua infindável função de regulação destinada a assegurar o funcionamento livre do mercado e o prosseguimento da prosperidade do país em proveito da coletividade.
Nas relações dos países ricos para com os países pobres verifica-se também transgressões aos dogmas que decorrem da mão invisível.
No processo para aquisição de divisas estrangeiras, necessárias para a sustentação do comércio externo, imperam os endividamentos públicos, resultados de compromissos entre Estados e entre estes e instituições financeiras, drenando créditos públicos que se acumulam em forma de dívidas públicas externas a cargo dos países pobres, dívidas agravantes das situações de pobreza porque acabam por gerar a necessidade de mais dívidas enquanto caminho para saldar as dívidas anteriores. Esta prática provém de uma das imoralidades internacionais, a que não admite o pagamento das dívidas em divisas domésticas dos países devedores, apesar desses países fazerem parte da comunidade internacional tal como os países nas divisas dos quais os acordos de empréstimos são concluídos. Disto decorre ofensa à outra moral, a que sustenta o direito ao desenvolvimento que os países pobres também têm.
Entre nós, a dívida pública externa tem servido essencialmente para ajustamentos institucionais, incluindo, entre 1985 e 1990, para a reconfiguração política ou do modelo de sociedade, e não para a promoção da produção e a criação de empregos. Mostram-se, pois, remédios homeopáticos para atenuar as dores de certo grupo social e conservar a doença, nociva para o conjunto da população.
É necessário rompermos com essa rotina até para anteciparmos as consequências de um dia ver-se diminuída ou acabada a possibilidade de acesso aos empréstimos e aos outros produtos financeiros internacionais que acontecem nas relações ditas para o desenvolvimento e, nesse caso, de imediato ficarmos sem real solução alternativa.
Vozes com força de decisão elevam-se a volta de poderes na Europa para condicionar a ajuda dita para o desenvolvimento dos Estados africanos à eficácia por estes Estados de travarem o fluxo da emigração africana para a Europa, posição, aos olhos dos visados, sem disponibilidade para retornar as condicionalidades, ofensiva da moral e demonstradora de como esses poderes fazem inchar a bolha política que os determinou, esta criadora da opulência, geradora da pobreza e desprezadora dos pobres.
Na verdade, é necessário que produzamos, a única forma de vencermos a dependência porque mantendo-nos em posição marginal no processo de venda permanecemos insignificantes aos olhos do mundo, sendo que no plano interno a falta de dinamismo produtivo faz permanecer o desemprego dando lugar a persistência da pobreza donde se alargam os grupos socias economicamente fragilizados, influenciáveis pelos que de qualquer modo se mostrem mais possuidores, estes focados unicamente nos seus interesses.
A nossa história desde a segunda metade de 1980 está marcada pelo alinhamento constante nestas opções, sem que por elas tivesse alguma vez ocorrido qualquer solução aos nossos problemas.
O percurso que seguimos requer correções para que possamos caminhar, com mais certeza, na direção da prosperidade.
Aqui, é clara a disponibilidade ou o gosto das pessoas para consumir. Mas a produção é de tal forma baixa que não mobiliza o emprego da mão-de-obra disponível, mobilização essa indispensável para que mais salários sejam dispensados, condição por sua vez requerida para que se verifique o aumento do nível do consumo. Mas para que haja mais produção indispensável se torna mais investimento. É aí que entra o Estado, para impulsionar a obrigação, que lhe é inerente, de socorrer a sociedade quando necessário.
Importa direcionar a prioridade da atenção sobre a verdade da realidade política, económica e social interna. Perante as consequências sociais da crise económica dando lugar a quebras na produção, ao desemprego, a fome e ao risco de entrada no inferno da miséria, é, apesar das incertezas da política, dever de o Estado intervir, aplicando as medidas que reorientem a economia colocando-a na senda do progresso.
Sem complexos, há de se alinhar na solução keynesiana que em vários momentos, do século passado e deste século, permitiu a solução a crises em vários países, apesar da consciência que prevalece de que as crises económicas são cíclicas e consequentemente repetitivas e sem solução definitiva.
Há de se começar pelo começo. Considerando a fragilidade de determinados fatores internos determinantes na matéria, quer das poupanças internas visto a fraqueza dos rendimentos individuais dos cidadãos e a fraqueza da credibilidade financeira do Estado, torna-se, pela combinação dos dois fatores, difícil, para não dizer impraticável, financiar os custos do desenvolvimento por recurso ao endividamento pelo Estado. Assim, outro caminho não resta ao Estado que não seja o da imediata emissão da Dobra.
Usando da soberania, poder que supremamente nos pertence, cabe ao Estado injetar na sociedade maciçamente a Dobra, o que de mais certo temos, e sem custos reais, para influenciar favoravelmente o curso da nossa economia, em quantidade regressiva e numa perspetiva de rigoroso investimento maciço na produção de bens e de serviços e na resolução dos problemas infraestruturais de interesse para o país e a coletividade, em particular para a resolução do problema da eletricidade, indispensável para a geração de empregos, deixando que progressivamente, pela solidez da operação realizada, se diversifique o leque de atividades para a segurança do bem-estar coletivo, o que requer a correção do ritmo das desigualdades que se verifica, enquanto forma de se evitar que os recursos empregues sirvam para abastar acrescidamente aqueles, por razões diversas, que já se vêm abastados.
Tratar-se-iam de medidas calculadas, convenientemente racionalizadas, a se aplicarem no curto ou médio prazos, num quadro também racionalmente planificado que, para evitar deslizes, requereriam forte intervenção da autoridade regaliana da Administração necessária à proteção da produção interna e ao controlo de preços, a começar pelo preço do salário em nível que estimula o consumo geral para a satisfação do empregador e da força de trabalho empregada, condição necessária para a diminuição real do nível do desemprego.
Seriam medidas ditadas pela necessidade que requer o estabelecimento do equilíbrio entre a oferta e procura, sendo que tal estabelecido pelo aumento da produção, os aumentos futuros do dinheiro passariam a depender dos níveis do aumento da produção e consequentemente dos níveis do aumento da oferta, sem descurar os riscos de quebras periódicas da produção exigindo a injeção mais alargada da Dobra associada a correção da taxa de juro em níveis razoáveis para estimular a retoma da produção, com vista a geração adicional da riqueza e a continuação das operações de poupança das pessoas e das empresas, fator este de segurança de cada um sobre as imprevisibilidades futuras.
É preciso evitar-se que haja estagnação ou diminuição do poder de compra das pessoas, que ao acontecer teria efeitos prejudiciais, em particular nos períodos de aumento da oferta, abrindo uma fase de crise pela diminuição do consumo global, dando lugar a esterilização de parte da produção, a quebra de investimentos, ao aumento do desemprego e a diminuição da massa salarial global.
Mantendo-se o equilíbrio entre a oferta e a procura não haverá razões para o receio da inflação como também se deverá desligar do receio da inflação pela emissão do dinheiro, receio aliás largamente ultrapassado perante as realidades advindas da evolução das economias mais estabilizadas, constantemente derramando dinheiro na sociedade, o que demonstra que a injeção adicional do dinheiro, mesmo de forma essencialmente seletiva como o fazem, restabelece o equilíbrio entre a procura e a oferta e repõe o curso da prosperidade, pelo que quando acompanhado dos cuidados necessários a injeção do dinheiro não se mostra gerador de derrapagens inflacionistas. E um dos cuidados a ter-se para o controlo da inflação é fazer com que o aumento do valor do salário acompanhe o aumento dos preços de bens e serviços.
A prioridade à atividade produtiva é indispensável para que o sistema da mão invisível se instale e se ponha a funcionar no melhor que o nosso país pode dele esperar, condição permissiva a aberturas com vista a outros rendimentos em forma de produtos financeiros devidamente racionalizados, possíveis através de bancos e, no geral, de empresas por ações.
É a via segura para a estabilidade ou a satisfação social coletiva, preventiva, neutralizante e corretiva de conflitos sociais perturbadores. É ainda a via mais segura para a geração de rendimentos individuais, humanamente dignos, promotora da poupança e de investimentos pessoais, geradores de mais e novos rendimentos individuais. Em suma, é a via segura para a geração da prosperidade, proporcionadora da felicidade através dos tempos futuros e que desde já, no presente, permite que se responda satisfatoriamente as expetativas com que a juventude interpela a política.
Mas, visualiza-se. No contexto da organização mundial, só com a Dobra tais objetivos requereriam muito mais esforços e muito mais tempo dos que seriam necessários para os alcançar, vistas as limitações do nosso mercado, tornando problemática a progressão da nossa economia mesmo para atender somente os níveis das nossas necessidades internas.
Considerando a constância da inovação, necessária para a eficácia da competição, mesmo que circunscrita a economias similares a nossa, impõem-se soluções tecnológicas necessárias para a satisfação dos desafios prementes e da nova realidade energética que se anuncia e já em preparação, sendo determinante a combinação da franqueza e da malícia, ou seja, do pragmatismo, para a criação de pontos de equilíbrio entre a Dobra e as divisas estrangeiras. Com este entendimento estaria indesmentida a oportunidade do acordo de cooperação económica celebrado com Portugal, em julho de 2009, depois de o nosso Governo de então ter adotado o conceito de cooperação estratégica para privilegiar as relações de STP com Portugal e Angola.
Essas medidas entram no quadro das que requerem a junção das posições das diferentes representações mandatadas pelos eleitores, assentes na proporcionalidade das representações e das vontades que cada uma representa. Favorecem a formação de uma conduta política, sustentada numa união interna, determinante para as decisões essenciais, geradora de uma capacidade negocial reforçada com os interlocutores externos, mas também e sobretudo no espaço nacional para a formação de uma cintura de segurança interna dando lugar a emergência de consensos sobre essas matérias, evitando-se divergências substanciais criadoras de embaraços nas comunicações no interior do país e das nossas posições internas com as de lá de fora. Pois, é missão das forças representativas dos eleitores assegurar adequadamente as condições para a defesa do país e o bem-estar da coletividade.
* Jurista. É docente de Direito na Universidade Lusíada de STP e na Universidade pública de STP.
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