Pedro Filipe Soares* | Diário de Notícias | opinião
Dizia um pensador antigo que "há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem". É o sentimento que nos assola perante o turbilhão de acontecimentos dos últimos dias. Em menos de 72 horas dissolveu-se a maioria absoluta e encaminhou-se o país para eleições antecipadas. Em democracia, a crise política resolve-se devolvendo a voz ao soberano, o povo, mas a normalidade dos preceitos democráticos não consegue esconder as anormalidades dos últimos dias.
Não tecerei juízos judiciais - sobre isso só posso pedir transparência máxima e rapidez. Mas sobre as questões políticas, há considerações inevitáveis, em particular de quem criticou várias escolhas-chave cujas consequências estão agora expostas.
O negócio sempre teve primazia no mundo da política, particularmente num país em que o investimento público agoniza. Fica o interesse público diluído na necessidade do negócio para uma economia sempre em dificuldades: "Harmonização de interesses", disse António Costa na noite do passado sábado. Mas sabemos como essa dita "harmonização" sabe sempre amarga às populações que veem a sua Saúde Pública desvalorizada, ao ambiente que passa para segundo plano e aos cidadãos que ficam sempre para trás em benefício de um grande grupo económico.
É por isso que denunciámos os
grandes projetos do lítio ou do hidrogénio que foram impostos como facto
consumados, a partir de negociações entre grupos económicos e Governo, com
protagonismo de figuras com mau currículo na proteção do interesse público. São
parte da realidade em que aos negócios é oferecida uma via verde contra todos
os outros interesses. Em 2016, criticámos a contratação pelo Governo do
consultor Lacerda Machado. Em 2018, pedimos a demissão do presidente da APA por
complacência com interesses privados, já em 2021 expusemos a sua atuação
favorável à EDP na venda das barragens. A mesma EDP que tinha Lacerda Machado
nos seus órgãos nos mesmos anos
Os holofotes que se acendem na
última semana focaram nos protagonistas que já conhecemos e nunca deixámos
Por isso sempre combatemos o regime legal de desresponsabilização ambiental ou o já antigo regime dos Projetos de Interesse Nacional, criado no Governo de José Sócrates. Serviram para atropelos já conhecidos ao longo dos anos, para inúmeros negócios pouco claros, foram promovidos quer por PS, quer por PSD, e deles só saíram vencedores os do costume: os privilegiados do sistema. Todas as facilidades para o dinheiro, todas as dificuldades na vida das pessoas.
Hoje, num país envergonhado com aquilo a que está a assistir, a palavra tem de ser de esperança. Apresentaremos alternativa: soluções urgentes para aquilo que verdadeiramente importa: os salários e as pensões que deixaram de pagar o básico, o tormento da habitação, a degradação das condições da educação e da saúde e o fracasso das políticas de transição ambiental. Vamos à luta com essa força de quem sabe que carrega a verdadeira alternativa a este miserável estado de coisas.
* Presidente da bancada parlamentar do BE
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