Inês Cardoso* | Jornal de Notíicias | opinião
Seja com o foco nas consequências económicas, ou no receio da insuficiente solidez política que venha a resultar das eleições de março, não faltam avisos alarmistas quanto ao risco de entrarmos num ciclo de instabilidade. Não há que dramatizar a ida às urnas ou o cenário de minorias obrigadas a negociar. A natureza da democracia é exatamente essa e a criação de pontes um sinal de maturidade política.
O drama do país é outro. Independentemente da responsabilidade criminal que venha (ou não) a ser apurada no processo que envolve membros do Governo, o que se vai entrevendo na investigação é uma teia infindável de influências e pressões. Num país em que se acha normal meter cunhas e pedir favores, os organismos públicos e entidades reguladoras estão politizados, a circulação entre política e organismos que deviam ser independentes é permanente (veja-se a simplicidade com que é aceite o cenário de Mário Centeno voltar a saltitar entre o Banco de Portugal e o Executivo), e as portas giratórias entre cargos públicos e empresas privadas estão sempre ativas, é impossível não nos questionarmos sobre as debilidades do regime.
Se a isso somarmos o receio de descredibilização da justiça, temos um quadro preocupante. E não se trata apenas de problematizar o risco de estarmos a assistir a um excessivo condicionamento da política pela justiça, caso não venha a confirmar-se a prova robusta das suspeitas. Está em causa a forma como tantos processos envolvendo titulares de cargos públicos se têm arrastado longos anos, queimando os suspeitos em lume brando.
Sem cairmos em populismos nem generalizações ou juízos abusivos, é urgente que coletivamente agucemos o sentido crítico. Cabe-nos exercer uma cidadania ativa e atenta, valorizando o voto como momento de escolher quem pode protagonizar as melhores políticas. E essa cidadania plena tem de prosseguir para além das eleições, exigindo instituições sólidas e credíveis. A democracia é uma construção sempre inacabada.
* Diretora
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