terça-feira, 14 de novembro de 2023

Portugal/Angola | O Jantar Especial e a Salvação da Pátria

Artur Queiroz*, Luanda

Muitas desculpas, minhas amigas e meus amigos. Não me empurrem para comentar o golpe de estado judicial em Portugal. Mas posso dizer umas larachas de ladex. A primeira é esta. Em 1975, uns ricaços convidaram-me para jantar através do meu mestre e saudoso amigo Norberto de Castro: Os gajos querem jantar contigo para te conhecerem melhor. Admiram-te muito! Lá fui ao restaurante do Clube Naval, o melhor de Luanda na época.

Veio comida que o chefe incendiou ali mesmo na mesa. Fiquei assustado. Aperitivos à descrição. Recusei delicadamente. Entradas que metiam lagosta termidor. Odeio marisco. Peixe à maneira do Félix. Estou enfartado. Bife chatôbrian. Passo. Um dos ricaços disse ao Norberto: O teu amigo não come! Depois vieram as sobremesas, os queijos, os uísques (Martin’s), os conhaques (Rémi Martin) e os charutos (Cohiba). Eu até nem bebo…

Depois de varrerem uma garrafa de uísque, da minha idade, passaram a charutar. Baforadas de perfumado tabaco puro havano. E eu cheio de vontade de me encharcar em uísque velho e fumar um “puro”. Mas mantive-me firme na recusa dos comes e bebes com os ricaços. Por grosso e atacado comi uma azeitona. Grande estúpido. Depois desse dia dormia todas as noites numa casa diferente. Os gajos mandaram executar-me!

No final do repasto, o Norberto de Castro introduziu os finalmente: Então digam lá o que querem do meu amigo? Um dos ricaços, o mais rico de todos disse: Queremos que se demita da Emissora Oficial. Que nunca mais entre no edifício. Nem volte a trabalhar até à independência.

Para não trabalhar mais na Rádio davam-me o céu. Um apartamento na Marginal, um BMW 2002 TI zero quilómetros e muito dinheiro na conta. Pedi um intervalo, tinha-me esquecido do maço de cigarros Hermínios no carro. Venho já! Saí e nunca mais voltei. Aquela jantarada a dividir por cinco (três ricaços, o Norberto e eu) devia dar dois mil escudos por cabeça ou mais! Só de vinho tinto foram três garrafas “garrafeira particular”.

Se eu fosse o ministro português João Galamba e o Ministério Público descobrisse a conta desse jantar, levava prisão perpétua. Recebimento indevido! O governante português, que hoje se demitiu, foi convidado para dar ao dente num restaurante luxuoso de Lisboa. Eram cinco à mesa. A conta atingiu os 1.300 euros. A dividir por cinco dá 260 euros por cabeça. 

Um membro do governo não pode receber ofertas superiores a 150 euros! Logo, o infeliz é suspeito de recebimento indevido de vantagem. Saltou do governo. Só lhe resta a cadeia. E se ele fez o mesmo que eu? Pode ter dado desculpas para não comer e beber. Pode ter comido apenas um pastel de bacalhau e bebido uma “bjeca”. 

Tomem nota. Este jantar foi suficiente para fazer cair um governo suportado por maioria absoluta na Assembleia da República. Um golpe de boçal mas que pegou! Os agentes do Ministério Público são funcionários públicos. Nada mais que isso. Mas têm imenso poder! Meros funcionários do Estado atiram abaixo um governo eleito!

Hoje todos os detidos foram libertados. O desgraçado que preside à Câmara Municipal de Sines (administrador municipal) esteve preso e algemado, seis dias. No fim foi para casa com termo de identidade e residência. Os dois arguidos próximos do primeiro-ministro António Costa tiveram de entregar o passaporte não vão eles aproveitar o golpe de estado judicial para fugirem das esposas e dos filhos. 

O Tio Célito está metido numa fogueira com chamas mais perigosas do que as fogueiras da Jamba. Porque afinal uma escuta telefónica em que se falava do António, verdadeiramente era o António Costa e Silva, ministro da Economia. Este “erro” permitiu lançar suspeitas sobre o primeiro-ministro de um governo e suportado na Assembleia da República por uma maioria absoluta. A montanha pariu um rato esquálido e a extrema-direita marcelista avança imparável rumo ao salazarismo. No próximo 10 de Junho as mães de Portugal e os fascistas recauchutados  vão homenagear Marcelo.

Vamos a nossa casa. A turma do Pita Grós fez escutas a uns empresários e membros do Executivo. Num telefonema, um empresário do Corredor do Lobito diz que vai falar com o João para as cosias andarem mais depressa. O Procurador-Geral da República não é um homem de intrigas nem medroso. Atirou-se a João Lourenço que nem uma onça ferida. Afinal esse João era o ministro da Economia Caetano João. Também pode ser João Ernesto ministro da Defesa. Ou mesmo Dalva Allen. Uma gringa pode ser tudo, até João. 

Esta noite o Presidente João Lourenço falou de aviação, o seu forte. Anda sempre a voar. O nosso número um sabe tudo de aviões. Deu a notícia que todos esperávamos, sobretudo os que não conseguem comprar pão, arroz, fuba e óleo.

Disse João Lourenço no discurso que salvou a Pátria: “Os EUA abriram-nos as portas!” E ele, como grande governante que é, decidiu logo: “A TAAG tem que voar para três cidades dos Estados Unidos da América”. Vai ser uma loucura! Milhões de gringos a voarem para Angola. Milhões de angolanos a voarem para o estado terrorista mais perigoso do mundo a venderem kissangua e muzongué de peixe grosso.

Estamos salvos! Já lá vai o tempo em que os gringos que entravam em Angola eram da CIA, mercenários e matavam as angolanas e os angolanas que apanhavam no caminho. Agora vão chegar nos aviões da TAAG e João Lourenço vai estar à espera deles no aeroporto.

Esta noite soubemos também que o golpista Bakalof vai ser homenageado por ordem de João Lourenço. Por favor, entreguem ao chefe o depoimento escrito do golpista. Afinal foi suficientemente decente para reconhecer que conspirou contra o Estado Angolano e dirigiu o golpe de estado militar. Ele foi pessoalmente ao Ambriz mobilizar a unidade militar (grandes operacionais!) que ali estava aquartelada, para avançar sobre Luanda no dia 27 de Maio de 1977. Honra aos traidores e assassinos!

*Jornalista

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