domingo, 10 de dezembro de 2023

EUA, ONU e Guterres na mira com Irão a alertar para explosão regional

Veto dos EUA a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas valeu-lhe duras críticas, mas Nações Unidas não foram poupadas. Receios de alastrar do conflito a vizinhos crescem.

Helena Tecedeiro | Diário de Notícias

Enquanto o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, responsabilizou os EUA pelo "derramamento de sangue" em Gaza, em reação ao seu veto a uma resolução da ONU sobre um cessar-fogo entre o Hamas e Israel, o governo israelita acusou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, de se colocar ao lado do grupo integrista palestiniano ao recorrer, pela primeira vez desde que chegou ao cargo, ao artigo 99 para pedir uma pausa nas hostilidades.

Estas são apenas dois exemplo do extremar das posições num conflito já fez mais de 17700 mortos do lado palestiniano, mais de 7000 dos quais crianças, segundo os dados do Ministério da Saúde do Hamas. Já as autoridades israelitas dão conta de 1200 mortos no ataque do Hamas de 7 de outubro, com os militantes palestinianos a fazerem 240 reféns - uma centena foi libertada durante a curta trégua que permitiu ainda a libertação de duas centenas e meia de prisioneiros palestinianos.

Com os combates a decorrer "casa a casa", segundo as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), e os tanques israelitas a rodearem Khan Yunis de dois lados, a ONU deixou o alerta: nove em cada dez palestinianos na Faixa de Gaza não conseguem comer diariamente e metade da população está em situação de fome. Em entrevista à Reuters, Carl Skau, diretor adjunto do Programa Alimentar Mundial da ONU, explicou que as condições no terreno não permitem as entregas de alimentos e garantiu que nada o tinha preparado para o "medo, caos e desespero" que encontrou em Gaza.

A ONG Save the Children também acusou este sábado Israel de estar a usar a fome como uma arma de guerra contra a população civil de Gaza, apelando a um "cessar-fogo imediato e definitivo". Afastar deliberadamente a população civil de comida, água e combustível e impedir propositadamente os mantimentos de chegarem às populações é usar a fome como arma de guerra, o que inevitavelmente tem um impacto mortal nas crianças", alertou esta ONG, citando vários casos de crianças e famílias que não têm acesso a água, abrigo e comida durante vários dias seguidos.

Em declarações à agência palestiniana Wafa, o ministro das Obras Públicas e Habitação do governo do Hamas, Mohamed Ziara, garantiu que mais de 25% das zonas urbanas de Gaza foram varridas do mapa pelos ataques israelitas desde o início da guerra. O governante afirmou que mais de 250 mil casas foram parcial ou totalmente destruídas e quase um terço das infraestruturas, incluindo estradas, condutas de água, esgotos, eletricidade e linhas de comunicação estão inutilizáveis.

Enquanto no terreno, Israel prosseguia a sua ofensiva, as críticas ao veto dos EUA no Conselho de Segurança, com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a lamentar que este órgão das Nações Unidas, graças ao bloqueio norte-americano, a transformar-se no conselho de proteção de Israel".

A resolução do Conselho de Segurança recebeu 13 votos a favor, o veto dos EUA e uma abstenção, do Reino Unido.

A votação resultou de uma iniciativa inédita de António Guterres, ao ter invocado o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas. Este permite ao secretário-geral chamar a atenção do Conselho de Segurança para uma questão que pode pôr em perigo a paz e a segurança internacionais.

"Será isto justiça?", questionou Erdogan, reafirmando que "o mundo é maior do que cinco", numa alusão aos membros permanentes do Conselho de Segurança (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia, todos com direito de veto), uma herança do pós II Guerra Mundial.

O vice-representante dos EUA na ONU, Robert Wood, garantiu que a resolução estava dissociada da "realidade" e "não teria movido nem uma agulha no terreno".

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Eli Cohen, afirmou que um cessar-fogo "poderia evitar o colapso da organização terrorista Hamas, que comete crimes de guerra e crimes contra a humanidade e teria permitido que continuasse a governar a Faixa de Gaza".

O Hamas condenou energicamente a posição dos EUA, chamando-a de "imoral e desumana", e disse que constitui "participação direta" nos "massacres".

Ataques contra o Hezbollah e o alerta do Irão

Enquanto os combates continuam na Faixa de Gaza, na fronteira norte de Israel a força aérea atacou alvos do Hezbollah, incluindo centros de comando da milícia xiita libanesa, em resposta a ataques do Líbano.

As hostilidades entre Israel e as milícias xiitas libanesas na zona fronteiriça, as mais graves desde 2006, aumentaram na sequência da guerra que eclodiu a 7 de outubro após o ataque do Hamas. Desde o início das hostilidades na região fronteiriça, mais de 120 pessoas foram mortas, 11 das quais em Israel (sete soldados e quatro civis).

Grande apoiante do Hezbollah, o Irão alertou este sábado para a possibilidade de "uma explosão incontrolável" no Médio Oriente se os Estados Unidos continuarem a apoiar Israel na guerra contra o Hamas. O alerta foi deixado, durante uma conversa telefónica com António Guterres pelo chefe da diplomacia iraniana Hossein Amir-Abdollahian.

"Enquanto os EUA apoiarem os crimes do regime sionista e a continuação da guerra (...) existe a possibilidade de uma explosão incontrolável da situação na região", afirmou o ministro iraniano.

Amir-Abdollahian saudou a decisão de Guterres de recorrer ao artigo 99 da Carta da ONU. "A utilização do artigo 99.º é uma ação corajosa da sua parte para preservar a paz e é apoiada pela opinião pública mundial", segundo um comunicado divulgado pelo ministério em Teerão e citado pela AFP.

Imagens: AFP

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