Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
À entrada em 2024, uma grande interrogação se coloca aos portugueses e portuguesas que amam a democracia: o que fazer para honrar o 25 de Abril? Precisámos de um bom exercício de memória e de encarar com muito realismo as condições políticas, económicas e sociais em que nos encontramos. As eleições legislativas de 10 de março serão um momento delicado. Cuidemos da esperança para evitar que 2024 não seja o ano do mais duro ataque à democracia neste percurso de 50 anos.
O 25 de Abril de 1974 projetou uma Revolução carregada de potencial transformador. Daí resultou que a nossa democracia se tenha afirmado muito para além da passagem de uma ditadura fascista para a existência estrutural e de procedimentos institucionais, e orgânicos, de uma democracia formal. A nossa democracia teve a dupla tarefa de afirmação dos direitos, liberdades e garantias e da construção do seu conteúdo. O país era paupérrimo, atrasado em todas as áreas, e o Social era uma miragem. A tarefa foi possível com forças políticas e propostas progressistas e com a participação das pessoas e das organizações sociais e cívicas que construíram.
Hoje, a Direita, de braço dado com a extrema-direita, renega esses compromissos transformadores. No trabalho, na saúde, no ensino, na segurança e proteção social, dramatiza os reais problemas existentes para mais tarde por em causa os direitos que a Constituição da República consagra nessas áreas. A campanha sobre a pretensa crise das instituições tem um objetivo: amadurecer a ideia na sociedade para, em momento oportuno, atacar essas mesmas instituições.
Na mensagem de Natal, António Costa desafiou-nos a termos confiança no futuro e afirmou-se mais confiante que nunca. Se queria gerar esperança, não podia assumir premissas erradas, nem esquecimentos denunciadores (os primeiros obreiros dos ganhos na escola foram os professores e os alunos), nem misturar verdades com mentiras. A ideia de que, estando ganho o desafio do aumento das qualificações escolares (conseguido) e afirmada a intenção de mudanças estruturais, estão asseguradas as bases de um novo modelo de desenvolvimento “assente na inovação e no conhecimento” é uma falácia. Infelizmente, o modelo de baixos salários não “é passado”; é presente a projetar-se para o futuro.
Os salários continuam muito baixos e há novas formas de exploração a surgir. A pobreza está ao mesmo nível de 2015, por razões que deviam ser explicadas. Os avanços na inovação e no conhecimento exigem muito investimento e não criam só emprego qualificado e bem pago. Não se pode fechar os olhos à dimensão e impactos da emigração dos nossos jovens. A imigração é muito bem-vinda, mas está a ser, em parte, tomada como instrumento de políticas de baixos salários. E enquanto elemento da nova estrutura demográfica do país, ela traz-nos um conjunto de problemas bastante complexos: altera-se a estrutura e o funcionamento do mercado de trabalho e das relações de trabalho; a escola já está numa autêntica revolução, mas sem meios suficientes; as políticas de coesão social sofrem significativas alterações.
Alguns dos projetos associados à execução do PRR não passam, por agora, de propostas de alcance duvidoso. “A liberdade de escolha” resultante dos “ganhos” na redução dos défices orçamentais esqueceu o investimento na resolução de problemas estruturais na saúde ou na educação, e a necessidade de se fazer uma melhor distribuição da riqueza.
Gera-se esperança respondendo aos problemas das pessoas e contribuindo para que sejam elas os principais atores da mudança.
* Investigador e professor universitário
Ler/Ver em Jornal de Notícias:
Montenegro
diz que não se sente "condicionado" por inquérito
Sem comentários:
Enviar um comentário