sábado, 24 de fevereiro de 2024

Portugal – Eleições | CHEGA IMPORTA TÁTICAS DA EXTREMA-DIREITA MUNDIAL

Candidatos espalham informações sobre alegadas fraudes nas mesas de voto, divulgam sondagem que contraria a legislação e omitem informações para induzir eleitores em erro.

Amanda Lima | Diário de Notícias

Quem já acompanhou as eleições brasileiras ou americanas está a ver uma espécie de filme repetido: fake news sobre fraudes no sistema eleitoral, polarização, divulgação de uma sondagem que foge à lei e mentiras divulgadas nas redes sociais. Acontecimentos das últimas semanas revelam que o Chega está a seguir a estratégia já utilizada em outros países pela extrema-direita, especialmente em diálogo com a rede do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, como destacaram no DN os investigadores Fernanda Sarkis e Marcus Nogueira, na edição de 11 de fevereiro. O DN questionou o partido sobre as situações, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.  “Com tanta presença da rede bolsonarista na interação com a rede do Chega não causa surpresa, pois faz parte da estratégia”, explica Fernanda Sakis, mestre em Comunicação Política e investigadora.

Um canal no Youtube, criado no dia 22 de fevereiro, aparece numa propaganda nessa rede social onde se lê “Corrupção nunca mais”, com fotos de José Sócrates, Pedro Nuno Santos e António Costa. O link direciona para o canal, que tem o nome “Bolsonaristas em Portugal”. Há um mês, Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do ex-presidente brasileiro, esteve em Lisboa, onde reuniu com André Ventura e outros candidatos do Chega, como mostra uma foto publicada no dia 23 de janeiro no Instagram do brasileiro.

Sondagem sem registo na ERC

Esta semana, foi divulgada nas redes sociais uma sondagem realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas, empresa brasileira que não está registada em Portugal. Ao DN, a Entidade Reguladora de Comunicação Social (ERC) confirmou a abertura de uma investigação ao assunto. Mesmo após tornado público o inquérito, o Chega divulgou parte do resultado da sondagem no site oficial do partido. A fonte citada é a Folha Nacional, jornal oficial do Chega. O trabalho de pesquisa foi realizado em parceria com a portuguesa Intercampus. António Salvador, diretor da empresa, afirmou ao DN que viu com surpresa a divulgação pelo Chega. “Mandaram-me o link e disseram que era ‘uma prenda da família Bolsonaro ao André’ e eu perguntei ‘mas qual André?’. Não me veio à cabeça o nome do Ventura”, diz. O empresário destaca que “sentiu-se enganado” por  ter sido informado pelo Paraná Pesquisas que a sondagem não seria divulgada. “É uma situação muito desagradável, parece que somos cúmplices”. A Intercampus foi notificada ontem pela ERC e tem 48 horas para responder. “Em anos de trabalho nunca fui multado. Se agora for, terei de ser ressarcido pela Paraná Pesquisas”.

Murilo Hidalgo, diretor da Paraná Pesquisas, explicou ao DN que “jamais a pesquisa foi feita com intuito de ser divulgada em Portugal”. O empresário rejeita relação com o Chega. “Não temos nada a ver com eles, foi o Chega que pegou nos resultados do nosso site e os divulgou. Se alguém tem que pagar por isso que seja o Chega”.  Conforme Murilo, foram cumpridas as regras da lei brasileira, já que o objetivo era divulgar no Brasil. “Isso abre um precedente. Como funciona? Onde está escrito que uma empresa não pode divulgar resultados no seu país?”, questiona.

A divulgação na rede do Chega foi concertada, escrita com o mesmo texto por vários militantes e candidatos. O partido só publicou o trecho que dá empate técnico com a AD e o PS, mas não cita, por exemplo, a informação de que o Chega tem a maior taxa de rejeição no país (53%), nem que aparece como último na indicação espontânea sobre qual partido teria mais chances de vencer (apenas 3,2%).

Falsa denúncia

“Vejam esta denúncia. Estamos entregues à bandidagem. PS e PSD apoderaram-se do aparelho de Estado sem vergonha, temos de acabar com isto no dia 10!”. A publicação, amplamente divulgada ontem por André Ventura e militantes, é acompanhada do vídeo em que um cidadão reclama de ter recebido propaganda política do PS na sua morada nos Países Baixos.

O que Ventura atribui ao “apoderamento” do Estado pelo PS e PSD, na verdade não é nada além do que a lei permite a todos os partidos: terem acesso à morada dos recenseados, no território ou no exterior. Mesmo que algumas pessoas tenham alertado nos comentários da publicação sobre o facto, o post segue em todas as plataformas.  

Igualmente continua publicado um vídeo sobre alegados tiros registados durante uma ação política do partido em Famalicão. A Polícia de Segurança Pública (PSP) já desmentiu a informação: eram rateres de mota.

O discurso da fraude eleitoral

“Colocar os amigalhaços da esquerda nas mesas de voto para fazerem isto: os boletins em branco levam cruz no PS; os boletins do Chega levam um rabisco e ficam nulos. (...) Estamos já ao nível do Brasil ou da Venezuela”. O texto no Twitter é de António Pinto Pereira, cabeça de lista do Chega em Coimbra, e está acompanhado do print de uma mensagem sobre um alegado plano “comunista” e “xuxalista” para derrotar o partido a 10 de março.

Segundo Fernanda Sakis, a história de fraude eleitoral “já virou hábito da extrema-direita em vários países, principalmente quando algum candidato da extrema-direita começa a aparecer competitivo nas sondagens”. A especialista recorda que o tema foi um dos que motivou o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos e à sede do Três Poderes no Brasil. Na eleição brasileira são utilizadas urnas eletrónicas e tanto o ex-presidente quanto militantes reivindicavam “voto impresso e auditável” - exactamente como ocorre em Portugal. 

A alegada fraude foi divulgada por José Maria Matias, irmão da deputada Rita Matias, por Pedro Frazão, deputado eleito na última legislativa e atual cabeça de lista por Santarém e outros membros do Chega e eleitores.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) confirmou ao DN que recebeu uma queixa sobre o caso e enviou à Polícia Judiciária (PJ). “Mais se esclarece que as mesas de voto têm uma composição plural (com cidadãos indicados por diferentes candidaturas, escolhidos em reunião de delegados daquelas) e de que as operações da votação e de apuramento local são fiscalizadas pelos delegados das candidaturas”, refere a entidade. A PJ confirma uma investigação, que está em segredo de justiça.  

Imagem: O Chega de André Ventura divulga desinformação nas redes sociais e não volta atrás quando é desmentido. Rui Manuel Fonseca / Global Imagens

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