sexta-feira, 29 de março de 2024

Angola | Burlas Electrónicas e Demolições – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A ministra das Finanças, Vera Daves, deu ordens para avançar a venda dos hotéis da AAA Activos LDA em leilão electrónico. São 39 hotéis das redes IU, IKA e BINA em Malange, Soyo, Caxito, Lubango, Luena, Banza Congo, Dala Tando, Ondjiva, Talatona. Uíge, Huambo e Lobito. O Serviço Nacional da Recuperação de Activos, da Procuradoria-Geral da República, fez a apreensão destes bens sob a suspeita de que foram adquiridos pelo empresário Carlos São Vicente com “verbas desviadas do erário público”.

Nesta altura do campeonato é importante recordar que Carlos São Vicente nunca foi funcionário público. Nunca teve as chaves de cofres públicos. Adquiriu legalmente (como é comprovado nas actas das assembleias-gerais) a posição accionista maioritária na AAA Seguros SA. Convém recordar que a Comissão dos Direitos Humanos da ONU considera a sua prisão arbitrária. E que o julgamento está contaminado por graves irregularidades. 

Na fuga para a frente, o Estado Angolano vai agora vender em leilão o que não lhe pertence. Vai levar as ilegalidades ao estádio supremo da vigarice. Os hotéis em leilão pertencem à empresa AAA Activos LDA, que nunca foi julgada. Nunca foi notificada. Nunca foi tida nem achada em todo o processo. Um alerta: É crime grave vender o que não nos pertence. Ninguém pode vender cabritos se não tem cabras. Não podem vender os hotéis alheios. O mobutismo tem limites.

O senhor Gorki da Silva Salvador, coordenador da “Comissão de Negociação”, nome pomposo dado ao roubo disfarçado de leilão electrónico, sabe seguramente que na hora da verdade vão todos fugir e deixam-no com a batata quente na mão. Os grandes chefes nazis, quando foram julgados no Tribunal de Nuremberga, atiravam as culpas para o Hitler. Diziam que receberam ordens superiores dos que entretanto se tinham suicidado ou fugido, alguns para o estado terrorista mais perigoso do mundo.

A “Comissão de Negociação” é integrada por membros de vários departamentos governamentais. Na hora da verdade vão responder sozinhos pelo esbulho. Os servidores públicos têm o dever de recusar o Estado Burlão. Os hotéis em leilão pertencem a uma empresa de Direito Angolano. Não podem ser vendidos em leilão nem de qualquer outra forma. Não vendam bens alheios. Não aprovem procedimentos. Não façam adjudicações. Não celebrem nem assinem contratos. Todos os Mobutus caem. Todos os ditadores têm um fim. Os seus servidores pagam a fidelidade com um preço elevado. Ninguém fica impune.

O mobutismo reinante, à falta de dinheiro nos cofres enveredou pelos negócios imobiliários. Os primeiros sinais dão que pensar. Eu assisti ao avanço das populações segregadas, excluídas, suburbanas, sobre a cidade asfaltada. Sobre a Luanda urbanizada e com qualidade de vida. Os prédios foram abandonados pelos seus donos. Os moradores fugiram. Quem vivia em casebres ficou com uma habitação digna. Foi um sinal magnífico dado pela revolução dirigida pelo MPLA. Nem um prédio, nem uma vivenda ficaram por ocupar. Nasceram centenas de comissões de moradores que zelavam pelo património comum.

Hordas de oportunistas logo fizerem negócio de “chaves”. Criaram brigadas de extorsão e chantagem. O governo da República Popular de Angola respondeu com a criação de uma Secretaria de Estado da Habitação, que protegeu os ocupantes dos prédios mas também pôs ordem nas ocupações. Os oportunistas ficaram sem negócio.

Angola, Março de 2024. O ministro Carlos Alberto dos Santos anunciou que vai ser demolido o Edifício São José na Avenida Comandante Valódia. Aproveitou para informar que mais 550 prédios vão ter o mesmo destino.

O Edifício São José foi inaugurado pouco antes da Independência Nacional. Um dos prédios mais modernos da Luanda dos anos 70. Era apontado como modelo. Apenas 50 anos depois vai abaixo. Os moradores receberam uma ordem imperativa: Têm de abandonar as casas em 24 horas! Mas ninguém disse para onde devem ir. O mobutiisnio reinante trata as pessoas pior do que gado à procura de água e capim.

As avenidas Brasil e Combatentes nasceram em 1961. Marcam a explosão da construção civil na capital angolana. Os prédios precisam de manutenção. À época da independência ainda não precisavam porque eram novos. Mas depois de 1975 era preciso criar condições para a manutenção dos edifícios urbanos. Isso não foi feito. Era mais urgente enfrentar os exércitos invasores ajudados pelos sicários da UNITA.

Em 2002 ainda iam a tempo de criar equipas de manutenção e reabilitação dos prédios nos centros urbanos e particularmente Luanda, onde cada fracção tem quase sempre habitantes a mais. Há apartamentos com um quarto albergando até dez pessoas! Também aqui era preciso intervir. Os prédios entraram em degradação acelerada.

Agora os moradores vão para a rua. Os mais afortunados regressam aos tugúrios desta vida. E a especulação imobiliária fica com a carne do lombo para fazer fortuna. Imaginem quanto vão ganhar por metro quadrado no Edifício São José. Para ganharem fortunas, as famílias que lá viviam ficam ainda mais pobres. Comem os ossos ou nada. É assim o sistema. Os ricos cada vez mais ricos, sejam corruptos ou bonzinhos. Os pobres cada vez mais pobres mesmo os que alguma vez acreditaram nas políticas sociais do MPLA.

Hoje é dia de avisos. Primeiro, não façam o “leilão electrónico” dos hotéis da empresa AAA Activos LDA. É ilegal. É uma burla de Estado. Segundo aviso: Realojem os moradores dos prédios a necessitarem de manutenção ou de reabilitação. Concluídas as obras, esses moradores regressam às suas casas. Não excluam. Não discriminem. Não segreguem. Um dia os oprimidos revoltam-se e é o fim do mundo. Nunca se esqueçam dos grevistas da Baixa de Cassanje. Dos revolucionários do 4 de Fevereiro. Dos milhões de camponeses que se lançaram na Grande Insurreição de 15 de Março de 1961 no Norte de Angola., dos Dembos à fronteira.

A luta do Povo Angolano é invencível. Acreditem. Eu vi os opressores a fugir descontroladamente para Portugal nas pontes aéreas. Vi os matadores de antes morrerem como cães. Vi os usurpadores de antes serem escorraçados só com a roupa que tinham no corpo. Esqueçam os leilões electrónicos do que não vos pertence. Não roubem as casas a quem já nasceu e viveu sob um tecto.

* Jornalista

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