quinta-feira, 7 de março de 2024

Angola | A Maldição do Café – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Nito Alves fez um discurso estrondosamente aplaudido pelos seus seguidores. Disse que Angola só seria independente de verdade, quando os mestiços e brancos andassem a limpar as ruas e a recolher lixo. Numa reunião magna do Departamento de Reconstrução Nacional usei da palavra e disse que Angola só seria livre e independente quando acabasse a cultura do café nas matas, só possível com a força humana. Na Angola Independente não podemos manter os escravos “bailundos”. Fui xingado desalmadamente. Até bêbado me chamaram.

Por razões existenciais sei o que significa trabalhar nas plantações de café. A canseira começa na preparação da mata. É preciso derrubar árvores gigantescas. Deixar árvores de folha caduca. Abrir as covas para plantar os cafezeiros bebés. E depois capinar, capinar, capinar até o arbusto entrar em plena produção. O perfume da flor branca é inebriante. O vermelho das cerejas dá às plantações verdejantes uma dimensão plástica inigualável. Maravilha das maravilhas. Mas depois vem a colheita. Ripar os ramos, encher os cestos pendurados ao pescoço. Carregá-los às costas até à picada onde está estacionado o camião. Às vezes quilómetros. Maldito café!

As populações locais recusavam trabalhar nas fazendas de café com salário de fuba podre e carapau seco. Oz roceiros importavam escravos do Bailundo e do Andulo. Existia uma mafia de “angariadores” que vendia os “bailundos”. Eram pagos ao ano desta maneira. Metade, 50 escudos, ficava com a família no início do “contrato”. A outra metade era paga no fim. 

Os contratados eram transportados nas carroçarias dos camiões sem as mínimas condições (Monangambé! Monangambé!). Alguns morriam nas viagens. Outros nas tongas. Até a cobra do café e a surukuku os matavam. Meu Pai nunca aceitou negociar cm os “angariadores”. Mas aceitava os escravos fugitivos das outras roças. Contratava os trabalhadores no Bindo. E pagava o salário justo. Aos livres e aos escravos. Estes eram levados a casa quando meu Pai fazia incursões ao Huambo na candonga do peixe seco. O Velho era um subversivo!

O café com elevado valor comercial só se dá em mata. Em Angola temos o Amboim, Ambriz, Cazengo, Robusta e Katurra também chamado café dos morcegos. É muito valioso! Os morcegos comem as cerejas e depois dejectam as sementes pelas matas. Grandes plantadores! Um pau de Katurra é tratado como uma criança. Um dia de capina esgota o trabalhador. E todos os dias de todos os anos são de capinar. Maldito café!

Em Caxito juntaram-se especialistas para recuperar a cultura do café. Querem voltar aos “angariadores” e aos contratados? Fiquem a saber que se forem pagos salários justos aos trabalhadores das tongas de café, o negócio é de tostões, não é de milhões. Os colonos ganharam fortunas nas roças porque tinham mão-de-obra escrava. Querem regressar a esse passado desumano? Não acredito que os militantes e activistas do MPLA alinhem no revivalismo colonialista. Ainda hoje tenho pesadelos que me colocam a capinar e a ripar café dos arbustos, a carregar cesto às costas até à picada, espalhar a mabuba no terreiro. Maldito café!

No encontro de sábios do Caxito participou o embaixador de Israel em Angola. Os genocidas têm muito apoio ao nível do poder em Angola. A senhora governadora Maria Antónia Nelumba nasceu no Marçal, Luanda, quando os colonialistas genocidas matavam seus familiares e vizinhos. Mudam-se os tempos mudam os à-vontades. 

Maria Eugénia Neto cumpre amanhã 90 anos. Longa vida à nossa Mamã, companheira de Agostinho Neto até que a morte os separou. A União dos Escritores Angolanos (UEA) vai homenageá-la. A Brigada Jovem de Literatura colabora na homenagem. O genro da homenageada, Carlos São Vicente, foi um dos jovens fundadores da instituição, quando dar a cara pelo MPLA era  perigo de vida e só dava prejuízos. 

Os “brigadistas” presentes vão seguramente denunciar que a prisão de Carlos São Vicente é arbitrária, diga o troglodita Pita Grós o que disser. O seu julgamento foi contaminado com gritantes ilegalidades. E também vão exigir a sua libertação imediata, como fez o Conselho de Direitos Humanos das das Nações Unidas (ONU). 

O ministro da Cultura e Turismo, Filipe Zau, defendeu a preservação da identidade cultural, política e social “dos povos do Reino do Luvale”. A “rainha interina” Nhakatola (Anabela Ngambo Kaumba), rejeita o nome de Cassai (ou Kasai) Zambeze para a nova província desmembrada do Moxico. A senhora interina diz que esta designação é inaceitável porque “não tem fundamentos históricos com o nosso povo. Negamos o nome Cassai (ou Kasai) Zambeze, por nada nos representar. Sabemos desse nome que representa um rio”. 

A senhora interina está ligeiramente enganada nesta parte. O rio Cassai (ou Kasai) nasce em Angola e corre para a República Democrática do Congo. O Rio Zambeze nasce na Zâmbia. O Almirante Gago Coutinho traçou a fronteira de Angola do Sudeste ao Leste. Tinha informações de que na bacia do Zambeze existia flor de cobre (malaquite). Então desenhou o saliente do Cazombo. Com isto conseguiu que a bacia do grande rio em território angolano tenha 150.800 quilómetros quadrados! São dois rios e de primeira grandeza, Dona Anabela. Muito maiores do que o tribalismo idiota que faz escola entre nós.

A institucionalização do Poder Local em Angola é necessária. Mas os políticos não podem esquecer o Poder Tradicional. Nunca. Isso não significa tribalismo primário. Filipe Zau tem obrigação de saber que não há “povos do reino Luvale”. Um Só Povo Umas Só Nação. Povo Angolano Livre e Soberano. Tão livre e soberano que respeita as autoridades tradicionais. Sobas, regedores ou reis apenas representam comunidades que são parte do Povo Angolano.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) avisou que neste momento a fome atinge meio milhão de palestinos na Faixa de Gaza. Não têm água nem comida! Há bebés a morrer de fome porque não existe alimentação adequada e as Mamãs não produzem leite. Se no final deste Holocausto sobrarem seres humanos na Terra, estão de regresso às cavernas.

A TPA apresentou uma peça sobre as eleições em Portugal ilustrada com imagens de uma acção do partido Chega, racista e xenófobo. O embaixador dos EUA em Angola foi ao Palácio da Cidade Alta apresentar o relatório da sua visita a Cabinda onde ensinou a fazer viveiros. No final da reunião com João Lourenço teve cinco minutos de antena. Falou do Grupo Carrinho que abocanhou o banco BCI e seus milhões. Paga com merenda escolar de tostões.

* Jornalista

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