sábado, 30 de março de 2024

Angola | Ponto de Ordem Camaradas -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hipocrisia clerical. Snobismo eclesiástico! Apropriação do saber para melhor roubar. Oportunismo desenfreado. Apetência insaciável para o alheio. Eis como funciona este sistema que mata os mais fracos e glorifica a exploração de quem trabalha, a corrupção e o roubo. O Papa Francisco vai remando contra esta maré monstruosa de banditismo mas desconsegue. Hoje deixou-me de joelhos ante o seu reconhecimento, sem papas na língua, da existência da hipocrisia do Clero. Só lhe faltou excomungar os que nascem com o direito de pernada, de roubar, de escravizar, de matar à fome o povo em geral.

O Papa Francisco faz-nos falta. Se Deus existisse colocava um em cada país, em cada lar, em cada antro de exploração de quem trabalha. Em Angola são necessários pelo menos três, um a Norte, outro ao Centro e um terceiro no Sul. Mesmo assim não sei se davam conta do recado! O sucesso só fica garantido se houver um Papa Francisco ao lado de João Lourenço. Não para ser os seus olhos e os seus ouvidos mas uma fonte de reflexão. Camaradagem não é bajulação. Muito menos fazer do Presidente da República o chefe supremo, a fonte da inteligência, o anjo do bem.

Em Angola temos problemas de difícil solução. Digo eu que sou optimista. Há quem os considere insolúveis, o que não posso acompanhar porque aprendi com Agostinho Neto que não há impossíveis para a Raça Humana. Os seres humanos até conseguem enganar a morte e prolongar a existência eternamente, derrubando a muralha do fim dos tempos. 

O etnonacionalismo nascido nos anos 50 é um problema que ninguém quer resolver. Os cientistas políticos fingem que não existe. Os dirigentes do MPLA passam à frente. Os mais distraídos confundem o fenómeno com tribalismo mas isso é com os sicários da UNITA. O Presidente José Eduardo dos Santos fez várias tentativas para resolver a questão. Desconseguiu. Agostinho Mendes de Carvalho escreveu uma catilinária intitulada Ponto de Ordem Camarada Presidente que agitou as águas do poder. A coisa ficou resolvida com a indulgência paternalista dedicada aos “catetistas”. Nessa altura o MPLA preparava a  mudança de regime.

O Presidente José Eduardo juntou um escol de jovens militantes para operar as mudanças políticas e sociais necessárias a diluir o etnonacionalismo. Foi antes da queda do Muro de Berlim. Querem nomes? Bornito de Sousa, Virgílio de Fontes Pereira (Gigi), Ju Martins ou Marcolino Moco, entre outros. Ao contrário do que alguns analistas pensam, Moco estava no núcleo duro para dar um sinal ao grupo étnico que dominava os corredores do poder. 

Pelos vistos ele próprio não percebeu o papel que lhe cabia. Está igual aos sicários da UNITA. Tribalismo puro e duro, obviamente condenado ao fracasso porque o MPLA de Agostinho Neto conseguiu dar a mesma força a todos o integrantes do fabuloso mosaico étnico angolano. Só os néscios não compreendem o valor desta conquista. Viva o MPLA! 

Abro um parêntesis para ir um pouco mais longe. O estádio supremo da Humanidade é comunicar. A forma mais digna de mostrar amor aos próximos e longínquos é criar uma língua. No mosaico étnico e cultural angolano temos muitas línguas de origem africana. As mais faladas são Kikongo, Kimbundo, Tchokwe, Umbundo, Mbunda, Kwanyama, Nhaneca-Humbe, Nganguela. Mais dezenas de dialectos, como o Ibinda ou o Ngoya. O MPLA conseguiu, no terreno da luta, forjar Um Só Povo Uma Só Nação. Este foi o veículo que nos levou até à Independência Nacional. Viva o MPLA!

O etnonacionalismo espreitou sempre a sua oportunidade para consolidar o poder. Alguns dirigentes políticos foram demasiado longe e puseram tudo em causa, até o triunfo da Luta Armada de Libertação e a Independência Nacional. Viriato da Cruz foi o primeiro. Abandonou o MPLA e foi para a UPA. Agostinho Neto juntou os cacos e conseguiu manter a luta armada ainda com mais força. Daniel Chipenda deu a segunda machadada, mais tribalista do que etnonacionalista. Ainda conseguiu ser embaixador da Angola Independente. O etnonacionalismo atacou coim estrondo no 27 de Maio de 1977. O chefe Miala anda à procura dos ossos. Até descobriu uns restos de “dirigentes” no Huambo!

Depois de 1992 o etnonacionalismo tentou regressar em força à boleia da rebelião armada do criminoso de guerra Jonas Savimbi. O Presidente José Eduardo dos Santos e os seus colaboradores próximos conseguiram o pleno. Derrotaram os dois! Mas deixaram a direcção do MPLA altamente vulnerável. O nível político dos dirigentes desceu visivelmente. Quando figuras como Gigi de Fontes Pereira saem da primeira linha, algo vai mal na cena política.

Marcolino Moco diz que o sistema político bloqueou a alternância. Discordo. Ninguém no seu perfeito juízo defende que só existe fome no mundo porque os famintos não abrem a boca e não mastigam. A alternância em Angola não existe porque os sicários da UNITA não deixam. Só existem exactamente para que o regime esteja amputado da alternância. O Bloco Democrático, refém de velhos oportunistas, foi juntar-se ao Galo Negro. Suicídio. O Chico Viana foi tratar de negócios e já saltou da fogueira a tempo. Ainda vai ganhar muito dinheiro.

Ninguém entrega o poder a uma organização que lutou contra a Independência Nacional ao lado das tropas portuguesas de ocupação. Ninguém entrega o poder a uma organização que serviu de biombo aos supremacistas brancos que em 1974 queriam a independência branca, numa aliança com o regime racista de Pretória. Ninguém entrega o poder a um partido político que serviu de capa à agressão armada da África do Sul do apartheid contra Angola. Ninguém entrega o poder a quem tentou um golpe de estado, quando foi derrotado copiosamente nas primeiras eleições multipartidárias.

Ninguém entrega o poder a uma UNITA que teve em Aguiar Branco a figura de proa do lóbi do Galo Negro no Norte de Portugal, Porto. Ninguém entrega o poder a quem tem relações privilegiadas com os partidos portugueses da Aliança Democrática (PSSD e CDS) apoiantes da Jamba e turistas da kamanga. 

Alerta geral! O retrato do colonizado em Angola é deprimente. Espero que os imitadores do colonialismo não sigam o processo português. Nas eleições de 2022 os eleitores angolanos já mostraram um cheirinho e deram a vitória aos sicários da UNITA nos círculos de Luanda, Cabinda e Zaire. Tomem nota. A UNITA é mil vezes pior do que o partido português Chega. Mais racista, mais xenófoba e mais desonesta. Os sicários savimbistas vendem-se a todos. Alinham com todos os extremismos. Querem matar a democracia nas fogueiras da Jamba!

* Jornalista

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