quinta-feira, 11 de abril de 2024

Portugal | Pinto Luz, o político de negócios que quer privatizar a TAP (duas vezes)

Buscas à Câmara de Cascais colocam sob suspeita negócios do autarca agora empossado como ministro das Infraestruturas. Na privatização da TAP em 2015, também levantou suspeitas a ação de Miguel Pinto Luz como membro de um Governo já chumbado no Parlamento.

Esta quarta-feira a Polícia Judiciária fez buscas à Câmara de Cascais. A revista Visão(link is external) revela que uma das investigações diz respeito à contratação da agência de comunicação NextPower pela autarquia enquanto assessorava a candidatura de Pinto Luz a líder do PSD. Quando a denúncia, feita pelo vereador comunista Clemente Alves, foi levada a reunião de Câmara, tanto o presidente, Carlos Carreiras, como o próprio Pinto Luz negaram qualquer relação entre as duas situações. Segundo o Expresso(link is external), ao longo dos mandatos de Pinto Luz como vereador, o Portal Base regista 600 mil euros em contratos entre a NextPower e a autarquia ou empresas municipais.

A vida política de Miguel Pinto Luz está desde sempre ligada ao PSD. Foi secretário-geral da JSD/Lisboa e chegou a vereador na Câmara de Cascais, um cargo que o seu avô já tinha ocupado durante a ditadura. A partir de 2005, acumula a vereação com a vice-presidência da Associação de Turismo de Lisboa, e cargos na agência DNA Cascais e diversas empresas municipais. Já com Carlos Carreiras na presidência da autarquia, Pinto Luz sobe a vice-presidente em 2017. Dois anos depois, é vetado por Rui Rio na lista de deputados. Em seguida, candidata-se(link is external) à liderança do PSD contra Rui Rio e Luís Montenegro, ficando em terceiro lugar com menos de 10% dos votos. Apesar do resultado, a candidatura à liderança do PSD deu-lhe projeção nacional.

Na campanha interna, mostrou-se favorável à possibilidade de uma aliança com o Chega(link is external), recusando colocar "linhas vermelhas" em relação a André Ventura. Nas eleições deste ano, viu o Chega ganhar no círculo eleitoral do Algarve, onde foi o primeiro candidato do PSD. No rescaldo da derrota, defendeu a necessidade de "acarinhar esse eleitorado(link is external)" que votou no Chega.

Fábrica das máscaras: parceria chinesa sob suspeita

A outra investigação que levou às buscas na Câmara de Cascais diz respeito a um negócio para montar uma fábrica de máscaras durante a pandemia de covid-19. Em 2020, a Câmara de Cascais reconverteu um antigo armazém e adquiriu máquinas a uma empresa chinesa para fabricar máscaras para distribuir ou vender a baixo preço à população. Segundo o Público(link is external), a autarquia vendeu depois dois armazéns e um terreno, a preço de custo, à empresa chinesa parceira no negócio das máscaras. Uma operação que o Tribunal de Contas considerou não transparente nem justificada, encaminhando as suspeitas para o Ministério Público.

"O único responsável em todo o processo sou eu e mais ninguém, nem sequer o ex-vice-presidente Miguel Pinto Luz teve qualquer participação, nem qualquer dos senhores vereadores, porque, na altura, estávamos em confinamento. Eles ficaram confinados. Eu não podia estar confinado e, portanto, o único responsável sobre esta matéria sou eu", afirmou Carlos Carreiras, negando ter cometido qualquer ilegalidade.

Confinado ou não, a verdade é que na altura foi Miguel Pinto Luz a dar a cara pela operação. Em declarações(link is external) à agência Lusa em junho de 2020, o agora ministro gabava-se de estar "um passo à frente" da covid-19 graças à autossuficiência do concelho em máscaras de proteção. “Comprámos na China duas máquinas e hoje temos uma capacidade de produção de mais de cinco milhões de máscaras por mês, com um custo de produção por unidade que é metade do melhor preço praticado pelo mercado”, acrescentava Pinto Luz.

Hotel Hilton na marginal: terreno a preço de saldos, construção em zona de risco de inundação

Outro caso sob investigação(link is external) do Ministério Público resulta da queixa-crime apresentada pela associação ambientalista SOS Quinta dos Ingleses contra a Câmara de Cascais. Em causa está o negócio que possibilitou a construção de um hotel da cadeia norte-americana Hilton na Estrada Marginal, na Parede. Em março de 2020, a autarquia vendeu o lote de terreno em frente ao mar com 823 metros quadrados por 312 mil euros, mas o projeto da obra fora aprovado em agosto de 2019, quase um ano antes da venda do terreno. Além do atentado ambiental da construção de mais um hotel em violação do plano de ordenamento da orla costeira, os ambientalistas chamam a atenção para o preço "ridiculamente baixo" cobrado pela autarquia na venda do terreno.

A história do negócio remonta a 2012, quando aquele preço foi fixado no contrato promessa de compra e venda entre a autarquia e a empresa compradora. Mas apesar de a empresa ter incumprido o contrato, possibilitando a sua anulação por parte da autarquia, esta tornou-o definitivo em 2020 e manteve o preço de 2012, que já na altura era bastante inferior ao preço de mercado. Entretanto, entrara em vigor o plano de ordenamento que impede toda a construção até 500 metros de distância do mar, bem para lá dos cerca de 50 metros que separam o mar do hotel em construção. Os ambientalistas apontam(link is external) ainda que a Carta de Suscetibilidades do concelho de Cascais, que faz parte do Plano Director Municipal, "desde 2015 que considerava aquela área como zona de risco elevado em caso de inundação e também de risco bastante elevado em caso de tsunami e/ou de sismo, o que levaria a que de facto nada ali fosse construído". E acrescentam ainda que, até ao ano passado, parte do terreno estava classificado como Reserva Ecológica Nacional, "o que é outra coisa absolutamente escandalosa que torna toda esta operação ilícita".

Pinto Luz pode vir a privatizar a TAP pela segunda vez

O novo Governo não esconde a intenção de privatizar a TAP. E a conduzir o negócio estará o agora ministro das Infraestruturas, responsável pela desastrosa privatização de 2015. 

Miguel Pinto Luz disse(link is external) há um ano que "só posso desejar que, depois de tudo o que aconteceu, o novo processo de privatização seja tão transparente, acautelado e bem-sucedido como o de 2015". Mas a venda da TAP em 2015 teve pouco de transparente e ainda menos de bem-sucedido. O negócio com a Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedrosa foi fechado a 12 de novembro de 2015, dois dias depois de o Parlamento chumbar o programa de Governo de Passos Coelho e abrir caminho a um executivo do PS apoiado pelos partidos da esquerda.

“Miguel Pinto Luz assinou irresponsavelmente às três da manhã, já depois do Governo demitido, uma garantia ilimitada para dívidas futuras”, acusou(link is external) António Costa em outubro passado, quando ninguém desconfiava que seria o último debate quinzenal no Parlamento em que participaria como primeiro-ministro.

António Costa referia-se à carta de conforto(link is external) da Parpública, com o visto de Pinto Luz e da então secretária de Estado do Tesouro Isabel Castelo Branco, que assumia junto dos bancos a garantia de pagamento dos cerca de 600 milhões de dívida da empresa por parte do Estado, caso os privados não o fizessem.

Na comissão parlamentar de Economia, em maio, o ex-ministro socialista Pedro Marques afirmou(link is external) que "a privatização foi feita de modo a que 100% dos lucros fossem para o privado, mas 100% do risco era para o Estado”.

"A privatização em 2015 aconteceu com a TAP a ser paga com dinheiro da própria TAP, parte pela devolução de um contrato assinado com a Airbus, parte pelo pagamento de um desconto de quantidade ao investidor privado" concluiu o Bloco de Esquerda no final da comissão de inquérito do ano passado. Para reverter a privatização, em 2016 o Estado pagou 1.9 milhões de euros para ficar com 50% da TAP, mas a gestão continuou nas mãos dos privados. Depois veio a pandemia paralisar todo o setor e com os prejuízos a acumularem-se, o Governo do PS não chegou a acordo com os privados para um novo empréstimo à companhia e decidiu que o Estado voltaria a assumir o controlo da empresa. Para isso pagou 55 milhões de indemnização(link is external) a David Neeleman, alegadamente para evitar o "custo reputacional" de uma nacionalização. O plano de restruturação negociado com Bruxelas com a recapitalização por parte do Estado evitou a falência da companhia e levou à saída de muitas centenas de trabalhadores, sobretudo através de rescisões negociadas. Com a recuperação do sector, a TAP passou a dar lucro e o Governo começou a anunciar planos para a voltar a privatizar.

Secretário de Estado de Pinto Luz em negócios polémicos no Quénia

Agora tudo indica que Pinto Luz terá oportunidade de vender a TAP pela segunda vez. E para o ajudar tem consigo enquanto secretário de Estado das Infraestruturas um quadro da consultora McKinsey, empresa com ligações estreitas a muitos governos e companhias do setor do transporte aéreo. Aliás, na mesma semana em que Pinto Luz fechava a venda da TAP a Neeleman já enquanto membro de um governo demitido, entrava em vigor o contrato assinado por Hugo Espírito Santo em nome da McKinsey com a Kenya Airways(link is external), em que esta empresa, em situação financeira difícil, se comprometia a pagar à consultora 17 milhões de dólares de custos fixos em prestações mensais nos primeiros 18 meses, em troca dos seus serviços para reestruturar a empresa, cortando despesas e despedindo trabalhadores. Em outubro de 2016, a imprensa queniana revelou que nos últimos seis meses a consultora já tinha cobrado 23 milhões de dólares. O escândalo público em torno do contrato milionário do agora governante português levou a que fosse terminado antes do prazo previsto.

Esquerda.net

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