domingo, 16 de junho de 2024

O Milagre da Água -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O genro do ditador Franco, marquês de Villaverde, descobriu as terras do Namibe pela mão do pai de Miss Chiquita tu és bonita e chegaste a rainha de beleza desde a Baía das Pipas a Lisboa e Timor. Ele conhecia o deserto palmo a palmo. Até sabia as horas em que as zebras iam beber às mulolas. O acampamento ficava perto das montanhas rutilantes, que à noite soltavam estoiros assustadores. Eu fazia a reportagem em regime de publicidade redigida. Ganhava muito kumbu mas era dinheiro que não resistia à bebida acompanhada de conversa com uma dama da vida desprevenida. O grande pisteiro era o “Turra” que se enfastiava com a corte espanhola e me desviava para outros rumos.

Entre Kamukuio e a Bibala reportei tudo, até pinturas rupestres. Mas a reportagem principal foi nas águas termais da então Vila Arriaga. As “termas” eram um tanque de cimento e muito capim à volta. Imergíamos naquelas águas sulfurosas até ao pescoço e uma hora depois as doenças desapareciam. Chamei a essa reportagem O Milagre da Água. Mais tarde repeti a dose no Alto Hama, antes de venderem a água em garrafas. O Sebastião Coelho fazia a publicidade no Café da Noite. Chamava-lhe água medicinal.

Um dia o Carlos Alberto veio ter comigo e por monossílabos disse que tinha uma reportagem para eu ver. Era mesmo dele e reportava acontecimentos no Kamukuio. Lembrei-me logo das minhas andanças com o marquês de Villaverde e a sua corte. Uma das aias chegou a tratar-me por cariño e grande amor mio. Mas como não sei casar, ficou tudo pelos beijos apaixonados, quando as montanhas rutilantes explodiam.  

O repórter Carlos Alberto tinha feito uma série de reportagens nas terras entre Bibala e Kamukuio, no território das águas milagrosas. Grandes reportagens. Disse ao autor para se deixar desses truques de editar e virasse repórter. Olhou-me com uma sombra de tristeza e assim falou. Mas de vez em quando dizia-me: Tens uma reportagem para ver! E eu deliciava-me com a arte do repórter. Ontem deram-me a notícia da sua morte. Estou triste por todos vós. Quando morre um repórter, é o mundo fantástico dos casos do dia que morre também. Vocês nem sabem o que perdem. Adeus Carlos Alberto, meu repórter bissexto! 

No mesmo dia também perdi a minha filha Quézia. Tinha prometido à Adelina Inácio (Ady) que ia fazer tudo para viver até ao casamento da nossa princesa. Como sempre, falhei. Estou furioso com os deuses todos. Esses malvados levaram uma bebé mas deixam ficar um velho cansado de pagar contas e comprar medicamentos. Estão loucos e são tremendamente cruéis.

A chuva é boa para pensar. Aqui no meu cubico, quando chove começa a pingar em vários sítios e eu entro logo em modo de salvar o mundo. Vou resolver a maka da Ucrânia. Chega de carnificina. O estado terrorista mais perigoso do mundo e o ocidente alargado querem sangrar a Federação Russa até ao último ucraniano. Não pode. 

Então elaborei um plano de paz. A Ucrânia nas mãos dos nazis é o celeiro do mundo mas os ucranianos não comem. Têm que comer. Os cereais têm de circular pelo mar Negro e o mar de Azov. As centrais nucleares têm de ser seguras. Os batalhões nazis têm de ser dissolvidos e desarmados. As tropas russas regressam à Mãe Russa. Ponto final na corrupção da quadrilha de Zelensky. Paz para sempre com a extinção da OTAN (ou NATO).

Chefes de Estado e de Governo mais umas organizações pagas pelos EUA estiveram na Suíça a tratar da paz na Ucrânia. Os vassalos do estado terrorista mais perigoso do mundo exibiram-se e no fim chegaram ao mesmo comunicado final que eu cheguei no meu cubico, num dia de chuva! Mas retiraram a extinção da NATO e a desnazificação da Ucrânia.

A declaração final foi assinada pro 86 veraneantes. Faltaram as assinaturas de países como Brasil Índia, China, Rússia e África do Sul. Mas também Indonésia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos ou México. Da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) só alinhou na palhaçada essa figura universal que é Marcelo Rebelo de Sousa e o planetário Xanana Gusmão. Cabo Verde mandou o Ulisses que gostava de ser presidente mas é chefe de posto.

A intervenção mais aplaudida na cimeira da palhaçada coube ao Presidente da Finlândia Alexander Stubb, quando afirmou que os russos também invadiram o seu país. O Tio Celito exultou. Lembrou-se de seu pai, ministro fascista de Salazar. E do padrinho, o ditador Macelo Caetano, derrubado no 25 de Abril de 1974. Aquele sujeito que fugiu de um campo de matraquilhos e agora é ministro português dos negócios com o estrangeiro, teve um orgasmo anal. O Zelensky berrava Heil Hitler! Heil Hitler! Uma emoção. 

A Finlândia aderiu à OTAN (ou NATO) já com o Stubb, abandonando uma política de neutralidade iniciada em Setembro de 1944. Quando a Alemanha de Hitler invadiu a União Soviética, no Verão de 1941, a Finlândia alinhou ao lado dos nazis. Tropas finlandesas participaram no cerco a Leninegrado (São Petersburgo) que causou milhões de mortos civis. Afirmar na cimeira da Suíça que os russos invadiram a Finlândia, quando os finlandeses atacaram a União Soviética ao lado dos nazis de Hitler, é mais uma prova de que vivemos o renascimento do nazismo no ocidente alargado.

Quanto à paz na Ucrânia, acontecerá quando o estado terrorista mais perigoso do mundo quiser. O Direito Internacional e a Carta da ONU para já estão ao lado de Israel no Genocídio da Palestina. Para acabar com a carnificina da Faixa de Gaza e Cisjordânia não há conferências de paz, não há cartas, não há leis internacionais, não há embargos nem sanções. Assim manda o Direito Internacional: Só os matadores de Telavive e seu amo, o estado terrorista mais perigoso do mundo, podem invadir, ocupar, matar, destruir. 

Esta” lei internacional” tem um pequeno problema. Há quem discorde. E entre os discordantes está a Federação Russa, que é a maior potência nuclear do mundo e não gosta da Internacional Nazi, liderada pelos EUA e a União Europeia. Pode ser que desta maka alguém saia vivo mas duvido.

Adeus minha princesa Quézia. Adeus meu repórter favorito Carlos Alberto. 

* Jornalista

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