André Ventura, Chega, o sapo que andamos a engolir. Em HenriCartoon/Aventar |
Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
Mesmo as pessoas que imprudentemente lançam a palavra ‘fascista’ em todas as direções atribuem-lhe, de qualquer forma, um significado emocional. Por ‘fascismo’ querem dizer, grosso modo, algo cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista, antiliberal e anticlasse trabalhadora”.
Esta citação é de um texto de
George Orwell (passaram agora 75 anos sobre a primeira edição do livro 1984)
publicado em 1944 no jornal Tribune, onde ele coloca Portugal entre os regimes
fascistas da Europa desse tempo.
Apesar de condenar o abuso da utilização da palavra como insulto, o que faria
com que ela perdesse significado político, Orwell identifica a carga emocional
que ela passou a comportar.
Recordo a audição no Parlamento à mãe das gémeas nascidas no Brasil, que terá beneficiado de uma cunha ao mais alto nível (já há poucas dúvidas sobre isso) para receber em Portugal um tratamento que custou 4 milhões de euros ao Estado.
Relembro o interrogatório que o líder do Chega fez a Daniela Martins, comparo-o com a definição de “fascista” que Orwell sintetizou:
André Ventura foi “cruel”? Foi.
André Ventura foi “inescrupuloso”. Foi.
André Ventura foi “arrogante”? Foi.
Sobre isto não me parece haver grandes dúvidas, basta ir ver a gravação do evento.
André Ventura foi “obscurantista?”. Todo o interrogatório teve o fito de provar uma tese para comprometer politicamente Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa e qualquer prova ou argumento apresentado em sentido contrário foi imediatamente descartado por ele, sem análise séria e isenta. Nesse sentido, sim, ele foi obscurantista.
André Ventura foi “antiliberal” e “anticlasse trabalhadora”? Bem, a sua argumentação de base contra “os brasileiros que usam o SNS português” confirma um discurso que pode ser associado a uma ideologia contra as liberdades cívicas e preconceituosa contra as “classes inferiores”.
As condições de Orwell para enviar o insulto “fascista!” a André Ventura parecem ter sido, portanto, preenchidas durante aquele interrogatório...
Mas como nenhum outro deputado lhe atirou com esse epíteto, como alguns até tentaram acompanhar a performance do líder do Chega e muitos poucos fizeram perguntas com o respeito devido a uma mulher que, antes de tudo o resto, lutou pela vida das filhas, se calhar Orwell não sabia o que dizia e Ventura não é nada fascista... ou, então, o Parlamento da nossa democracia não sabe o que anda a fazer.
PS: Por erro estúpido, na semana passada, atribui à PJ a execução das buscas de 2021 ao FC Porto quando foi a PSP e a AT que as fizeram. Isso em nada altera o sentido ou as conclusões do texto de opinião, mas é um erro factual que deve ser corrigido. As minhas desculpas.
* Jornalista
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