sábado, 12 de outubro de 2024

Portugal | ARMADILHA ORÇAMENTAL

Francisco Louçã | Esquerda | 11 de outubro 2024

Para o governo, todo o estratagema orçamental era fácil, bastava seguir o guião de António Costa em 2022: primeiro, afirmar que o país sofrerá horrores se houver uma crise e eleições; depois, que o PRR estará em causa e que a chuva de dinheiro secará... Montenegro seguiu o roteiro ao milímetro.

Caiu o PS numa armadilha? Sim. Nunca houve negociação alguma e permitiu esse fingimento, o que talvez tenha sido o seu principal erro.

Para o governo, todo o estratagema orçamental era fácil, bastava seguir o guião de António Costa em 2022: primeiro, afirmar que o país sofrerá horrores se houver uma crise e eleições; depois, que o PRR estará em causa e que a chuva de dinheiro secará nesse caso; ao que acrescenta ainda que a conjuntura internacional é assustadora e onde o PM de então falava de covid e Ucrânia dir-se-á agora o medo do mundo; e, finalmente, que os ministros fizeram o possível e o impossível e até que são mais ou menos um PS por procuração na hora de orçamentarem. Montenegro seguiu o roteiro ao milímetro. Espera ganhar de todas as formas: se o PS aprova, fica condicionado como uma oposição-menos; se rejeita, o governo já tem o programa eleitoral; se o Chega, com o medo que tem de eleições, irrevogabiliza a sua irrevogabilidade, o governo espera reforçar do mesmo modo a sua posição dominante.

Para o PS, todas as soluções são problemáticas.

Se vota a favor, dificilmente invocará princípios ou propostas e fica aprisionado. Resta saber para que é que Pedro Nuno Santos inventou aquelas duas “linhas vermelhas”, no que dispensava conhecer o Orçamento. Aprendemos deste episódio que a conversa das “linhas vermelhas” é um truque que se banalizou. E, pior, quando o PS afirma a posição razoável de se decidir em função do Orçamento, cai um furacão como se essa atitude fosse um insulto à democracia. Decidir sobre um texto conhecendo-o é um risco para a Pátria.

Se vota contra, há um concerto de conselheiros que lhe aponta a emergência do Chega como “player”, como agora se diz. Dito por outras palavras, tais almas caridosas acham que, desde que as eleições determinaram a actual configuração parlamentar, a função do PS deve ser apoiar a direita, mesmo quando Montenegro e Moedas se excedem na absorção do discurso da extrema-direita para restringir a imigração legal e promover a ilegal, mais barata.

Poderá dizer-se que este foi o laço em que o PS se meteu. Foi. Mas há algum erro que dispense a obrigação democrática de cumprir o seu mandato e de respeitar a vontade de quem deu o voto a cada partido?

Este texto é parte da intervenção de Francisco Louçã no podcast “Um pouco mais de azul”, onde também participam o jornalista Fernando Alves e a poeta Rita Taborda Duarte. O podcast completo aqui

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