Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
No dia da entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República, o ministro das Finanças mostrou aos jornalistas um PowerPoint (em português chamamos a isto “apresentação”...) com os “highlights” (eu traduzo: “destaques”) das medidas constantes na proposta que os deputados vão agora discutir. Foi um “Budget at a glance” (ou seja, um “resumo do Orçamento”).
Para além das medidas mais badaladas, como as alterações pretendidas no IRS Jovem e IRC que animaram o psicodrama entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, o governante mostrou aos jornalistas - que tiveram direito a fazer apenas 10 perguntas - algumas outras que achou serem particularmente significativas.
Essas escolhas demonstram, caricatamente, a natureza da ideologia que domina o documento e a mentalidade política do próprio ministro.
Por exemplo, Joaquim Miranda Sarmento quis sublinhar as medidas de apoio às empresas e lá colocou no “PowerPoint” as que achava mais pertinentes.
Estava lá a redução do peso fiscal para as empresas que, para o ano, comprem automóveis, aumentando em 10 mil euros o valor de venda dos popós que podem beneficiar dessa bondade do Estado. Imagino a alegria de administradores e diretores do nosso fabuloso mundo empresarial, que já estão a fazer contas para a compra do próximo Tesla, Mercedes ou BMW.
Estavam lá as isenções de pagamento de IRS e de Taxa Social Única para os prémios de desempenho. Adivinho gestores, assessores, consultores e respetivos favoritos menores, que ganhem acima de 40 mil euros por ano, a combinarem maneira de se darem a si próprios estes prémios para engordarem o rendimento anual, livrando-se da TSU e sem entregarem ao Estado 43% ou mais de imposto.
Estava lá o aumento de isenções fiscais às empresas que dão seguros de saúde privados a trabalhadores e respetivos agregados familiares - mais uma maneira de quem está no topo de empresas com alguma dimensão desviarem recursos para si e para os quadros mais bem pagos. É também outra maneira de ajudar o negócio da Saúde privada (porquê, se eles já têm lucros fantásticos?!...).
Mais do que isso, a medida ajuda a continuar a degradar indiretamente o Serviço Nacional de Saúde, paulatinamente empurrado para ser cada vez mais o Serviço de Saúde dos pobres, dos incuráveis e das terapias caríssimas que os privados e os seguros não estão dispostos a pagar.
E estava lá a redução em 50% do pagamento de impostos relacionados com o trabalho suplementar - uma bela ajuda a todos os empresários que não querem contratar novos trabalhadores, mesmo que a intensidade de produção o exija, obrigando o seu pessoal a fazer imensas horas extraordinárias.
Estas verbas, umas poucas no meio de milhares, mas que significativamente Miranda Sarmento quis destacar, para além da baixa do IRC, demonstram quais as verdadeiras prioridades deste Governo, quais as pessoas que pretendem beneficiar e quais as que ficam para trás.
Entende-se que é assim que se defende o “interesse nacional”, e é por isso que o Orçamento deveria ser aprovado. Um raciocínio que não se compreende, pois a esmagadora maioria dos nacionais será injustiçado face aos maiores beneficiários deste Orçamento. Porém, quem no próximo ano andar a conduzir um novo carro de empresa que custou 60 ou 70 mil euros, terá certamente a AD no coração.
* Jornalista
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