sábado, 16 de novembro de 2024

Angola | O Coleccionador de Desastres -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A Direcção do MPLA decidiu fazer um congresso extraordinário para apresentar o resumo dos ganhos adquiridos durante os 50 anos de Independência Nacional. Discordo absolutamente. As conquistas foram tantas e retumbantes que cada Ministério devia promover colóquios, conferências, debates sobre esses avanços. Afunilar tudo num reunião entre camaradas é um erro e muito grave.

As angolanas e angolanos que nasceram depois de 1975 não sabem que até esse ano mais de 95 por cento dos angolanos só desempenhavam funções básicas. Hoje temos professores, médicos, engenheiros, enfermeiros, jornalistas, aviadores, juristas, escritores, magistrados, eu sei lá. Profissionais de todos os ofícios. 

Os guerrilheiros serviram de base a um Exército Nacional. Nasceram Forças Armadas que venceram a Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial. Temos os melhores militares do mundo. Há 50 anos, apenas dois por cento da população negra sabia ler e escrever. Hoje temos mais de 70 por cento da população alfabetizada. 

Cada ministra, cada ministro, tem o dever de, ao longo do ano que nos separa dos 50 anos da Independência Nacional, mostrar ao Povo Angolano o ponto de partida e onde chegámos. Sector a sector. Quem põe em causa os ganhos conquistados servindo-se da ignorância dos jovens sobre o passado, perde o pio. Fica sem espaço para aldrabar e manipular.

Hoje o Bureau Político está reunido para discutir e aprovar uma agenda que vai fornecer ao congresso extraordinário aquilo que João Lourenço quer. O ponto 3, alínea B da ordem de trabalhos é claro. Os dirigentes do MPLA são chamados a apreciar e votar ”propostas de ajustamentos aos Estatutos do MPLA”. Um erro gravíssimo que vai ter consequências nefastas.

O MPLA perdeu as eleições de 2022 no círculo provincial de Luanda. E daí? Ganhou onde a desertificação humana é dolorosa e a economia nem sequer atinge o nível da subsistência

A governadora Ana Paula de Carvalho não aqueceu nem arrefeceu, antes pelo contrário. O governador Manuel Homem foi uma anedota. Só não deu para o torto porque os luandenses se riam do seu estilo circense. Isso evitou a revolta.

O governador Luís Nunes tem três anos para devolver ao MPLA a confiança dos eleitores de Luanda. Pouco tempo, mesmo que seja um génio da política. Perder outra vez em Luanda nas eleições de 2027 vai dar o desastre que não deu por pura incompetência e falta de comparência da Oposição. 

O congresso extraordinário vai piorar tudo. A unidade no seio do MPLA a partir de Dezembro fica com fracturas. Uma parte da direcção do partido faz tudo para agradar ao líder. O MPLA vai ser oposição ao MPLA. Pior é impossível.

 João Lourenço pode querer a lua. Mas alguém tem de lhe explicar que os estatutos do MPLA não são uma espécie de fato que se molda às medidas do corpo do líder de turno. Pelo contrário. O líder é que tem de aceitar e cumprir os estatutos do MPLA. 

Isso do terceiro mandato não é um erro, é um suicídio. João Lourenço até pode ser o cabeça de lista do MPLA em 2027. Mas esqueça o terceiro mandato Porque se assim for, vai perder estrondosamente. E perdendo ele, perde o MPLA e perde o Povo Angolano. Se o objectivo é esse, vão conseguir com distinção. 

Há alguns anos mandei uma crónica onde elenquei os erros cometidos por João Lourenço e seus apoiantes entre os quais se encontravam figuras respeitadas do MPLA, que se viraram contra o Presidente José Eduardo. A derrota eleitoral do partido em Luanda tem muito a ver com isso. Mando de novo para se perceber a dimensão do desastre.

* Jornalista

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